Lei da Empresa Limpa: acordos de leniência e compliance – Prevenir é melhor

17 de agosto de 2015

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ferdinaldo_nascimentoEm vigor desde 29/1/2014, a Lei no 12.846/2013 constitui peça essencial ao Sistema Brasileiro Anticorrupção. Afastando-se dos aspectos criminais da questão (que envolvem a Polícia Federal e o Ministério Público), é importante destacar que, além da Controladoria- Geral da União (CGU), das auditorias e fiscalizações feitas pela Secretaria Federal de Controle Interno, do patrulhamento feito pela Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), existem mais de 60 entidades que compõem a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla).

Além da Lei da Empresa Limpa, temos em vigor a Lei no 1.079/1950 (crimes de responsabilidade), a Lei no 4.717/1965 (Lei de ação popular), a Lei no 8.429/1992 (improbidade administrativa) e a Lei no 8.666/1993 (licitações e contratos) que, assim podemos dizer, cuidam de regular os procedimentos corretos e as punições adequadas para quem violar os preceitos éticos, morais e legais de postura correta.

Entretanto, só a Lei da Empresa Limpa estabelece a possibilidade de impor sanções que alcancem diretamente o agente corruptor pessoa jurídica e o patrimônio da empresa corruptora, possibilitando, inclusive, o ressarcimento dos cofres públicos sem necessidade de recurso ao Judiciário.

Saltam aos olhos, e isso é assaz importante, que o regime adotado pela Lei no 12.846/2013 é o da responsabilidade objetiva (art. 2o), destacando-se os seguintes atos lesivos alcançados (art. 5o), in verbis:

Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:

I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;

II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;

III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

IV – no tocante a licitações e contratos:

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;

f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;

V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

§ 1o – Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro.

§ 2o – Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais.

§ 3o – Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.

E mais, no artigo 6o está definida na esfera adminis­trativa a aplicação da multa no valor de 0,1 (um décimo por cento) a 20%, do faturamento bruto da empresa do último exercício anterior ao processo, além da obrigação de reparar integralmente o dano (artigo 6o, § 3o e § 19, parágrafo único da lei em questão).

Considerando a possibilidade de coexistência de processos que visam à aplicação das sanções previstas na lei referida com outros da legislação preexistente, tais como as ações criminais, as ações de improbidade administrativa, os processos administrativos por ilícitos em licitações e contratos ou os processos do CADE e do Tribunal de Contas (veja-se a redação dos artigos 29 e 30 da Lei no 12.846/2013), é quase intuitivo que a melhor estratégia é a prevenção, sem falar nos questionamentos de relevo sobre a viabilidade e a eficácia de eventuais acordos de leniência e o compliance, bem como os seus limites e extensões.

O acordo de leniência está definido no artigo 16 da Lei no 12.846/2013, que assim, está redigido:

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

§ 1o – O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;

II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;

III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

§ 2o – A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.

§ 3o – O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.

§ 4o – O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.

§ 5o – Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.

§ 6o – A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.

§ 7o – Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.

§ 8o – Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.

§ 9o – A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.

§ 10 – A Controladoria-Geral da União – CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.

O texto legal é praticamente autoexplicativo. Os acordos de leniência são capazes de isentar a empresa de várias penalidades e reduzir a pena de multa em até 2/3 do seu valor, em troca da colaboração efetiva com as investigações e com o processo. É quase uma delação premiada, pois tem de importar a identificação dos demais envolvidos na infração e não isenta a parte da reparação do dano.

A compliance ou programa de integridade corporativa como atenuante das penas é um estímulo à adoção de boas práticas corporativas, capazes de aperfeiçoar o ambiente de negócio no País.

É necessária a mudança de paradigmas da cultura empresarial brasileira, uma vez que atua, basicamente, de maneira reativa e não preventiva, potencializando danos muitas vezes irreparáveis.

Como uma proposta nova de minimização dos riscos da sociedade moderna e contemporânea, o instituto do criminal compliance pode e deve ser  utilizado, tanto como ferramenta de controle, proteção e prevenção de possíveis práticas criminosas nas empresas, quanto como valiosa ferramenta de transferência de responsabilidade penal nos crimes econômicos e nos meios eletrônicos, evitando, assim, a Responsabilidade Penal Objetiva e a responsabilidade penal da pessoa jurídica, com a consequente mantença da ordem jurídica e social.

No Brasil, a Lei no 9.613/1998, com a nova redação dada pela lei dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (n. 12.683/2012), criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com a finalidade de identificar, disciplinar e aplicar penas administrativas às atividades ilícitas praticadas, nos termos daquela lei.

Trouxe a norma, como verdadeiros deveres de compliance, embora sem se referir especificamente a essa denominação, as obrigações legais que devem ser cumpridas por determinadas pessoas físicas ou jurídicas.

O instituto do compliance pode ser dividido em dois campos de atuação. Um, de ordem subjetiva, que compreende regulamentos internos, como a implementação de boas práticas dentro e fora da empresa e ampliação de mecanismos em conformidade com a legislação pertinente à sua área de atuação, visando prevenir ou minimizar riscos, práticas ilícitas e a melhoria de seu relacionamento com clientes e fornecedores. O outro, de ordem objetiva, obriga por lei, como é o caso da lei de lavagem de dinheiro e a lei da empresa limpa.

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Nossa ordem jurídica tem-se desenvolvido de maneira tão complexa que se torna muito difícil ser conhecida pelo cidadão comum sem a ajuda de um profissional do Direito, especialista em determinada área de atuação. Os sistemas normativos regulados são de difícil compreensão.

Em razão disto, é comum o empresário da sociedade global do risco adotar medidas e tomar decisões quase que às cegas e, entretanto, isso não o desonera da responsabilidade na hipótese de ser possível evitar o dano.

Antes de traçar algumas conclusões, é importante destacar que o presente artigo buscou análise bastante perfunctória sobre uma lei muito recente e que ainda não foi substancialmente aplicada para gerar posições jurídicas consolidadas. Procuramos lançar ideias para iniciarmos as discussões sobre os temas propostos.

Por fim, a lei criou o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), no artigo 22, com o objetivo de dar publicidade às sanções aplicadas no âmbito dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário).

Após análise da Lei no 12.846/2013, é possível concluir que a nova legislação poderá contribuir de forma absolutamente positiva ao arcabouço normativo que regulamenta juridicamente a corrupção, pois trouxe ao sistema novos mecanismos que poderão contribuir de maneira efetiva.

Destacam-se, entre as várias contribuições, a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, o incentivo ao desenvolvimento de programas de compliance nas empresas, a possibilidade de responsabilização tanto pela via administrativa quanto pela via judicial, o acordo de leniência que será aplicável, inclusive, às infrações da Lei no 8.666/1993, bem como a criação do CNEP.

Mas, como todo o exposto retrata medidas que podem gerar problemas graves para a continuidade da atividade empresarial, é correto o dito popular “melhor prevenir do que remediar”, buscando medidas e especialistas para se resguardar do ato que, muitas vezes é desproporcional e injusto, considerando-se a existência do fenômeno sociedade de risco.

De qualquer sorte, espera-se que o Judiciário, altaneiro e independente, continue atento para, quando provocado, corrigir os abusos e injustiças.