Edição

25 Anos do Conselho dos Tribunais de Justiça

20 de outubro de 2017

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Entrevista com o Desembargador Milton Augusto de Brito Nobre, presidente do Conselho dos Tribunais de Justiça

O Conselho dos Tribunais de Justiça completa, neste mês de outubro de 2017, o seu Jubileu de Prata. Criado em 1992, no Estado de Minas Gerais, com a denominação de Colégio Permanente de Presidentes de ­Tribunais de Justiça do Brasil, o Conselho atinge 25 anos de fecunda existência reconhecido como um colegiado da mais alta representatividade do Poder Judiciário estadual.

O Conselho promove encontros regulares reunindo os Presidentes das Cortes Estaduais fortalecendo os ­pilares da sua existência: a) defender os princípios, prerrogativas e funções institucionais do Poder Judiciário, especialmente do Poder Judiciário Estadual; b) integração dos Tribunais de Justiça em todo o território nacional; c) intercâmbio de experiências funcionais e administrativas; d) estudo e aprofundamento dos temas jurídicos e das questões judiciais que possam ter repercussão em mais de um Estado da Federação, com o objetivo de uma uniformização de entendimentos, respeitadas a autonomia e peculiaridades locais.

Eleito para a presidência do Conselho dos Tribunais de Justiça em 2013, ainda quando à instância se ­atribuía o status de Colégio, o desembargador Milton Nobre, do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), deixou importante legado para o aprimoramento da Justiça Estadual. Das muitas ações de relevância de sua gestão, Milton Nobre destaca a efetiva participação do Conselho em audiências públicas promovidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça e a ampliação do diálogo entre o Conselho e as Associações de Classe da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no biênio 2009/2011, Diretor Geral da Escola Superior da ­Magistratura do Estado do Pará (2007/2009), Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (2005/2007), Milton Nobre falou, em entrevista à Revista Justiça & Cidadania, sobre o papel do Conselho e avaliou o difícil quadro social, político e econômico do Brasil.

Revista Justiça & CidadaniaO senhor sucedeu, na presidência do Colégio de Presidentes, o desembargador Marcus Faver (TJRJ), que exerceu a presidência por 6 anos (2007/2013). Este, por sua vez, assumiu em substituição ao desembargador José Fernandes Filho que esteve à frente do colegiado por 15 anos. Como se processou a sua escolha. Por quais razões o senhor não aceitou a reeleição?
Milton NobreFui eleito durante o 96o Encontro do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, realizado nos dias 12 e 13 de setembro de 2013, na cidade de Gramado, Estado do Rio Grande Sul, por indicação de seu então Presidente, o meu amigo desembargador Marcus Faver, aplaudida pela unanimidade dos presentes, e tomei posse por ocasião do 97o Encontro, realizado na cidade de Maceió, no dia 28 de novembro daquele ano.

Deixei claro em meu discurso de posse que “ao responder positivamente a inopinada convocação dos eminentes colegas Presidentes, apenas objetivei manter a coerência que qualquer pessoa, especialmente a que possui alguma dimensão de vida pública, deve preservar entre o seu discurso e as suas práticas, vale dizer, entre a retórica que emprega e os testemunhos que concretiza”, o que me impunha também, desde logo, proclamar que o meu plano pessoal “estava apenas suspenso, ou melhor, adiado por algum tempo, cujo limite final e improrrogável”, encontrava-se “determinado na ata que registrou minha eleição.”

Em outras palavras, fiz questão de na minha posse deixar expresso que não pleitearia ou, por qualquer outro caminho, admitiria minha reeleição. E o fiz, por três razões: a primeira, por uma questão de princípio, pois sempre mantive uma posição contrária à reeleição, forte no entendimento de que a mudança do gestor ao final do mandato se ajusta com melhor adequação ao espírito democrático, na medida em que possibilita maior renovação e impede o ismo na continuidade; a duas porque, no caso do então Colégio e hoje Conselho dos Tribunais de Justiça, a reeleição, que inegavelmente foi necessária por um longo ­período de consolidação, sobretudo ante a tenaz oposição de algumas mentes retrógradas que se opunham à sua existência, após os profícuos e exitosos mandatos dos desembargadores José Fernandes Filho e Marcus Faver, não mais se justificava, podendo, portanto, dar lugar  a um novo período com maior rotatividade na direção institucional; e, finalmente, a terceira porque sou integrante de um Tribunal de médio porte, com 30 desembargadores, e, em consequência, não me parecendo exemplo correto, na qualidade de decano do TJ,  pleitear o afastamento da jurisdição durante o mandato, já que isso implicaria em sobrecarregar meus colegas, estava enfrentando grande dificuldade para manter meus julgamentos com a celeridade adequada em razão das constantes viagens que o exercício do mandato obriga.

Daí porque, mesmo quando instado, na ocasião de um almoço durante o 104o Encontro realizado em Curitiba, a aceitar mais um período de mandato, por um generoso grupo de colegas, alguns dos quais ainda integram a atual Comissão Executiva do Conselho, ponderei-lhes sobre a importância de nos fixarmos no nome de outro colega e logo depois incentivei, com apoio de uma larga maioria, o desembargador Pedro Bitencourt, nosso dedicado e operoso atual Presidente, a aceitar o honroso cargo.

Revista Justiça & CidadaniaDestaque quais, no seu ponto de vista, foram as principais conquistas de seu mandato.
Milton Nobre – Dizer numa entrevista as realizações durante o mandato, pode dar ensejo a que os nunca ausentes críticos de plantão rotulem as palavras do entrevistado como vitupério. Ao final da minha gestão, juntamente com o balanço geral das contas do Con­selho, onde ficou demonstrado um crescimento em torno de 19% das reservas financeiras aplicadas da entidade, registrei num livreto, cuja apresentação foi redigida pelo meu caríssimo amigo desembargador José Renato Naline, todas as realizações do meu man­dato. Creio, porém, que alguns registros merecem ser feitos: 1) a efetiva participação do Conselho em audiências públicas promovidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça; 2) a ampliação do diálogo entre o Conselho e as Associações de Classe da Magistratura; 3) a elevação do Conselho ao status de órgão consultivo do então Presidente do Conselho Nacional de Justiça Ministro Ricardo Lewandowisk; 4) o ingresso judicial, como litisconsorte ativo e amicus curiae  perante o STF, na defesa dos interesses da magistratura estadual; 5) a criação da Revista do Conselho dos Tribunais de Justiça; 6) e, por fim, a transformação do Colégio em Conselho dos Tribunais de Justiça.

Aliás, quanto a esta última conquista devo ressaltar que não foi decorrente de um propósito pessoal da minha presidência, mas sim a concretização de uma aspiração geral da maioria esmagadora dos integrantes do então Colégio que se sentia, há muito, incomodada com a proliferação de “Colégios” como órgãos de congregação de ocupantes de funções nos Tribunais brasileiros e fora deles e buscavam, com a mudança de denominação, criar simbolicamente um diferencial para o sodalício composto pelos Presidentes dos Tribunais de Justiça.

Essa mudança, portanto, não visou, como já houve quem pensasse, criar nada novo com a pretensão de rivalizar com o Conselho Nacional de Justiça, mesmo porque o Conselho dos Tribunais de Justiça não ­esconde nenhum propósito de assumir quaisquer das funções daquele Órgão Superior Administrativo do Judiciário Brasileiro, mas sim e tão somente continua a manter os objetivos do antigo Colégio no sentido de melhor contribuir para facilitar as ações de aprimoramento da prestação jurisdicional no âmbito estadual.

Em síntese, no particular, houve apenas uma mudança de denominação. Simbólica, portanto. E que em nada atingiu a autonomia constitucional dos Tribunais de Justiça, o que, obviamente, só pode ser afetado mediante ­alteração de regras expressas na Constituição da República e isso se procedido com muito cuidado, para não ser tendente a maltratar à cláusula pétrea da Federação.

Revista Justiça & CidadaniaO senhor acredita na criação de um Conselho Nacional da Magistratura Estadual?
Milton Nobre – Houve um tempo no qual acreditei que isso era necessário para dar um tratamento ao maior segmento da justiça brasileira, ou seja, ao Judiciário E­stadual, idêntico ao que foi dado pela Constituição aos Judiciários Federal e do Trabalho e, em especial, porque, além de a nossa República ter adotado o modelo federativo, algumas peculiaridades das realidades locais justificavam a existência de um Conselho para melhor auxiliar o CNJ a manter certa unidade de desempenho jurisdicional de qualidade a despeito da nossa diversidade cultural e socioeconômica regional.

Hoje, porém, até para diminuir custo, porque o nosso Judiciário já consome em torno de 1,3% do PIB, penso que se andaria melhor extinguindo os Conselhos setoriais e reestruturando o CNJ para dar-lhe mais musculatura e funcionalidade. Sei que essa matéria é muito polêmica, pois atravessa para o território extremamente controvertido do exercício do poder. Por esse motivo, creio que exige mais reflexão, inclusive pelo difícil momento político vivenciado no nosso país que aconselha muita prudência na realização de qualquer mudança institucional.

Ademais, o atual Conselho dos Tribunais de Justiça e as reuniões praticamente mensais que a Ministra Carmen Lúcia instituiu para manter um diálogo ­direto da Presidente do CNJ com os Presidentes dos TJs têm dado bons resultados e, no momento, suprem qualquer necessidade que pudesse servir de argumento para modificação.

Revista Justiça & CidadaniaQuais análises o senhor faz da evolução do Judiciário nos últimos 25 anos, considerando os cenários político e econômico, e a crise ética que se abateu no País?
Milton Nobre – Para responder integralmente e a sério (perdoe-me Dworkin) essa pergunta precisaria escrever um livro. Mas, como tenho o hábito de não deixar ­nenhum questionamento sem resposta, vamos lá.

Creio que a grande mudança no Poder Judiciário brasileiro iniciou com a Emenda Constitucional no 45, de 31/12/2004, especialmente com a criação do Conselho ­Nacional de Justiça e o consequente estabelecimento de metas e programas nacionais responsáveis pela melhoria de qualidade do desempenho dos ­Tribunais e Juízos do País.

O nosso Poder Judiciário “é amplamente identificado como um dos melhores da América Latina – com os juízes gozando de sólidas prerrogativas funcionais, os tribunais operando com larga margem de independência, e as decisões judiciais sendo respeitadas inclusive por influentes grupos políticos e econômicos do País”, consoante afirma o Professor Doutor Luciano Da Ros, no criterioso estudo “O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória” (Newsletter. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, 2015, v. 2. No 9, p. 1/15).

Maior prova disso estamos todos assistindo hoje nas decisões firmes dos Juízes e Tribunais nos processos que apuram as responsabilidades penais por crimes cometidos no exercício de cargos e funções públicas, e outras práticas que podem ser genericamente rotuladas de corrupção, em diversos escalões da estrutura político-administrativa do País e na atividade empresarial.

Segundo a coleta “Justiça em Números” procedida pelo CNJ, versão de 2016, o Judiciário brasileiro, contando com 17.338 magistrados, julgou nesse ano 28.478.788 processos, volume de trabalho realizado que ninguém, na verdade sensato, pode deixar de reconhecer como elevadíssimo, na medida em que significou 1.643 processos ano, ou seja, 137 processos por mês e 7 processos/dia (considerados 20 dias úteis) julgados para cada Juiz brasileiro.

Com essas afirmações não estou tentando fazer desconhecer que existam senões, defeitos mesmo, no funcionamento do Judiciário. Do mesmo modo, não procuro encobrir que existam desvios a merecer correção e, até mesmo, responsabilização e punição, os quais, digo de passagem, têm sido apurados e punidos, com rigor, pelos próprios Tribunais e pelo Conselho Nacional de Justiça.

Contudo, o que é deplorável e merece a mais profunda indignação e repulsa dos integrantes do Poder Judiciário são as ações de desconstrução de imagem da magistratura brasileira, tentadas ou implementadas por aqueles que sempre acreditaram na impunidade e têm interesses contrariados por decisões judiciais, mediante generalizações irresponsáveis, uso de dados apresentados de modo a facilitar percepções negativas e baseadas sempre em caos isolados.

Ultimamente, como já constataram que os casos de desvio de conduta no Judiciário são raros e sofrem, como antes afirmei, repressão vigorosa no âmbito dos próprios Tribunais e no CNJ, o grande alvo é a remuneração da magistratura.

Não descarto a possibilidade de existirem, nesse ponto, erros a serem corrigidos, mas, acima disso, o que deve ser discutida é a política remuneratória da magistratura, pois a adoção do subsídio, em parcela única, com escalonamento vertical a partir do teto fixado no valor do subsídio dos senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal, que foi muito comemorada por equalizar em patamares nacionais condignos a ­remuneração dos magistrados brasileiros, antes sujeitos, especialmente no caso dos juízes estaduais, à vontade dos governos locais,  como o passar do tempo revelou-se inadequada à carreira da magistratura.

Digo isso porque o subsídio – até mesmo por ser fixado em parcela única – não remunera os dois vetores que são da essência da estruturação e progressão de cargos de carreira: a antiguidade e o merecimento.

Em consequência, com o passar do tempo, e por falta de revisões anuais que mantivessem a atualização do poder aquisitivo do valor do subsídio, especialmente no âmbito da magistratura estadual, foi a remuneração dos juízes sendo escalonada de maneira comprimida e, ao lado disso, começaram a ser criadas parcelas indenizatórias com o objetivo de recuperar, pelo menos em parte, as defasagens resultantes da falta antes referida (de atualização anual do valor dos subsídios).

Vai daí que hoje, em muitos Estados, como o escalonamento do subsídio entre as entrâncias é feito com o percentual de 5%, um Juiz de segunda entrância que receba gratificação pelo exercício do cargo de Diretor de Fórum numa Comarca do Interior e exerça a judicatura eleitoral tem a remuneração mensal superior daquela paga a um desembargador, o que, a toda evidência, quebra o princípio da hierarquia salarial ­necessário à organização de qualquer carreira.

Penso que está na hora de se revisar a atual política. Como fazer não me parece difícil, mas isso parece ser assunto que pede outro local diverso desta entrevista.