Edição

O Tribunal de Contas da União e o controle externo como instituição

16 de julho de 2012

Compartilhe:

A função que cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU), de controlar, sofre, ao menos em princípio, uma natural resistência por parte daqueles que a ela estão sujeitos, por força da Constituição Federal e de normas infraconstitucionais. De igual modo ocorre com a função de tributar, que é aceita com menor repulsa pela sociedade caso os recursos arrecadados por meio dos impostos, taxas e contribuições tenham a correta e eficiente destinação que justificou sua criação.

Na condição de Presidente do TCU, tenho o dever de defender a instituição de todas as críticas que sobre ela são opostas, quer seja por má-fé — sem fundamento na realidade da atuação do Tribunal —, quer seja por desconhecimento das ações e dos resultados que vêm sendo alcançados pela Corte de Contas.

Para que o controle seja mais bem aceito por todos aqueles jurisdicionados ao órgão constitucionalmente responsável pelo seu exercício, permito-me apresentar alguns esclarecimentos àqueles que criticam o Tribunal.

Assim como as autoridades que aplicam os recursos oriundos dos tributos têm o dever de informar em quais programas e atividades estão aqueles sendo revertidos em favor da sociedade, o TCU também tem o compromisso de tornar públicos os dados de sua atuação e os resultados por ele obtidos. Entre as diversas linhas de atuação do Tribunal, destaco duas funções que as norteiam: a preventiva e a sancionatória.

A primeira dessas funções tem como principal expressão as medidas cautelares, que, outrora tímida ferramenta para impedir a concretização de irregularidades, hoje se mostra como um dos principais instrumentos para tornar ágil e efetiva a presença do TCU. Talvez seja essa nova sistemática de atuação, que privilegia o controle de modo concomitante à execução — ou mesmo antes desta, quando avalia projetos ainda em licitação —, a responsável por reações que partem de alguns segmentos, que nem sempre têm a seu lado fundamentos técnicos e jurídicos consistentes. Tais segmentos querem fazer ecoar a injusta mensagem de que o Tribunal “atrapalha” ou “atrasa” a implementação dos programas de governo.

Nada mais injusto com relação à atuação do TCU. O benefício que esse tipo de pronta atuação traz para o país é perfeitamente mensurável, como mostram os números da Tabela 1.

Tabela 1 – Dados relativos às cautelares deferidas pelo TCU em 2008 e 2009

* Dados de 2009 até o mês de junho

Os valores envolvidos justificam, sem sombra de dúvida, a eventual paralisação de uma licitação, ou mesmo, em casos excepcionais, se não atendidas as medidas demandadas ao gestor pelo Tribunal, de uma obra ou serviço em execução — precedidas do devido contraditório e da ampla defesa —, na forma do art. 45, §§ 2º e 3º, da Lei Orgânica/TCU.

Nesse sentido, a sociedade não admite que os recursos que lhes foram retirados sob a forma de tributos sejam mal empregados. A falaciosa justificativa de que há urgência em toda e qualquer execução contratual ou mesmo na deflagração de uma licitação não pode ser aceita: premente, sim, é a existência de um bom planejamento, para se evitar percalços nas fases de licitação e implementação de projetos que envolvem recursos públicos.

A função preventiva do TCU se expressa não apenas por meio de medidas cautelares, mas, também, por meio dos reflexos pedagógicos que esse tipo de atuação — bem como daquelas que são exaradas no mérito, ao final dos processos — produz junto a todos aqueles que administram recursos públicos.

Nesse sentido, o Tribunal tem, há tempos, a preocupação constante de disseminar boas práticas de gestão, de modo a fortalecer a referida função. Prevenir a ocorrência de falhas e desvios é, com certeza, muito mais profícuo do que investir recursos dos órgãos de controle na tentativa de recuperar valores desviados ou simplesmente desperdiçados por gestores mal intencionados ou que não foram previamente capacitados para geri-los.

Um bom exemplo capaz de ilustrar esse importante papel orientador que o TCU exerce é a edição de normas por diversos órgãos do Poder Executivo que são, de modo direto ou reflexo, fruto de deliberações do Tribunal.

O Decreto nº 6.170/2007 (área: convênios) e as Instruções Normativas nº 1/2007, do Ministério dos Transportes (área: obras), e 4/2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (área: tecnologia da informação), são exemplos de normas resultantes de intenso diálogo travado entre a Corte de Contas e diversos órgãos e entidades do Poder Executivo federal, registrado por meio de inúmeros acórdãos do Tribunal.

A segunda função que exterioriza uma das grandes linhas de atuação do TCU é a sancionatória. Conforme competências instituídas pela Constituição Federal, o Tribunal avalia a gestão de todos os administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. Como consequência, por meio de suas deliberações, a Corte de Contas, caso constatadas irregularidades, condena os maus gestores à devolução dos valores desviados ou indevidamente aplicados, bem como lhes aplica sanções como multa ou inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da administração pública federal.

Os números consolidados na Tabela 2 têm a preocupação de atender ao compromisso ao qual me referi anteriormente, de tornar públicos os dados da atuação do TCU e os resultados por ele obtidos. Somente com essa transparência a função de controlar pode ser percebida como aliada da função de execução, tendo em vista que aquela busca otimizar a aplicação dos recursos públicos.

Tabela 2 – Principais benefícios e resultados decorrentes das atividades desenvolvidas pelo TCU nos anos de 2008 e 2009

* Dados de 2009 até o mês de junho

Com o intuito de aprimorar o desempenho do Tribunal na prevenção e na aplicação de sanções àqueles que não justificam o bom emprego dos recursos públicos, devo destacar algumas dificuldades que refogem da competência do TCU – por depender, por exemplo, de alterações na legislação.

Duas limitações podem ser mencionadas para ilustrar situações que representam obstáculos ao controle: a necessidade de quebra de sigilo fiscal e bancário e o respeito ao papel constitucional conferido ao sistema de controle interno.

Mesmo reconhecendo o importante papel desempenhado pelo Banco Central e pela Receita Federal do Brasil, entendo que o procedimento de solicitar dados fiscais e bancários de responsáveis jurisdicionados ao TCU a essas instituições implica em retardamento da ação de controle. Caso o órgão de controle externo tivesse acesso direto e instantâneo a esse tipo de informação, o ganho seria, sem dúvida, considerável, em benefício da agilidade que a sociedade espera nas fiscalizações que são realizadas pelo Tribunal.

No futuro, em prol dos interesses maiores da Nação, confio na sensibilidade de todos os que dirigem este país e vislumbro a alteração do arcabouço legislativo, de modo que o órgão de controle externo beneficie-se da prerrogativa de ter acesso, de modo direito, às referidas informações. Por ora, o TCU faz sua parte para otimizar a ação conjunta de todos os órgãos e entidades que têm prerrogativas de controle — órgãos do sistema de controle interno, Ministério Público, Polícia Federal, Tribunais de Contas das esferas estadual e municipal, entre outros —, por meio da construção de uma “Rede de Controle da Gestão Pública”, que nada mais é que uma série de acordos de cooperação visando facilitar a troca de informações entre esses órgãos e entidades.

Quanto ao segundo aspecto mencionado como limitante da ação do TCU, verifico que supostas falhas atribuídas ao Tribunal como “omissão” em seu dever de fiscalizar os atos praticados por seus jurisdicionados são, na verdade, resultado de limitações constitucionais.

Em muitos casos, a incumbência da primeira verificação dos atos praticados nos três Poderes é do respectivo órgão de controle interno e não do TCU, tendo em vista que aquele está mais próximo do dia a dia da gestão de cada órgão e entidade no qual está inserido. Isso não significa, contudo, que haja uma delimitação para que as ações dos sistemas de controle interno e externo sejam encadeadas sequencialmente, nessa ordem. Quero dizer com essa observação que o órgão de controle externo não é onipresente: há limitações de recursos humanos e financeiros para que este desempenhe suas atribuições.

Por outro lado, eventuais críticas construtivas dirigidas ao TCU são uma oportunidade para que a Corte aprimore seu trabalho e corrija as falhas existentes. O Tribunal é autocrítico o suficiente para absorver mesmo os julgamentos mais desfavoráveis acerca de seu trabalho, oriundo de todo e qualquer setor da sociedade, para que possa transformá-los em futuras melhorias na sua forma de atuar.

Mesmo com as mencionadas limitações, novamente os números, a exemplo daqueles que apresentei nas Tabelas 1 e 2, defendem o TCU como instituição que confere valor aos recursos que lhe são atribuídos: para cada R$ 1 do Orçamento da União alocado em 2008 ao Tribunal, o retorno ao país, na forma de ações preventivas (cautelares e econômicas, por exemplo) e sancionatórias (condenações sob a forma de débitos e multas), foi de R$ 27,80.

Além de as alegações de “omissão” não contarem com justificativas baseadas na realidade dos fatos, devo defender o TCU quando afirmam que esta seria uma instituição responsável por suposto “excesso de controle”. A defesa do interesse público pautada nos ditames constitucionais — com destaque ao respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa — é regra nos processos que tramitam na Corte de Contas, sendo que não há que se falar em qualquer excesso quando a ação do Tribunal está dirigida não apenas pelos referidos princípios, mas, também, pelo bom senso.

Os que conhecem a maneira de atuar do Tribunal, sempre aberto ao diálogo com relação àqueles que lhe são jurisdicionados, são testemunhas de que o TCU não pratica o “controle pelo controle”; ao contrário, a Corte de Contas tem consciência de seu papel no conjunto da estrutura do Estado e de forma alguma teria outro norte que não a busca da plena e efetiva implementação das políticas públicas, por meio das contratações que as materializam, a partir de um controle que sirva como instrumento inteligente e sinérgico no ciclo da administração.

Defender instituições não é fácil. À frente de uma instituição de controle, assim como ocorre com aquelas que têm o papel de tributar, a dificuldade torna-se maior, pois sempre há a cobrança pela clara percepção dos resultados alcançados — cujo reflexo é a contrapartida no dever de transparência, a fim de tornar tais resultados conhecidos pela sociedade.

No caso do TCU, entendo que sua defesa deve estar pautada em seu reconhecimento como instituição de controle externo — e não como mera organização integrante da estrutura do Estado, posicionada no Poder Legislativo, como órgão auxiliar do Congresso Nacional —, que traz retorno ao país e contribui para que haja o melhor emprego possível dos escassos recursos públicos.

Organizações podem até ser extintas, transformadas, ter suas competências reduzidas; instituições, ao contrário, quando cumprem seu papel com credibilidade, eficiência e efetividade, têm na sociedade sua principal aliada, sendo a respectiva estabilidade nas esferas política e jurídica o consequente e justo reconhecimento.