A Advocacia-Geral da União aberta às demandas da população_Entrevista com José Antonio Dias Toffoli, Advogado-Geral da União

30 de setembro de 2008

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Nota do Diretor
Trazemos nesta edição o mais jovem ministro do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Advogado-Geral da União, José Antonio Dias Toffoli. Nomeado em
2007 para comandar a AGU, Toffoli é o principal responsável pela postura pró-ativa e dinâmica que
norteia a atuação da Instituição, bem como pela difusão da imagem da AGU como instituição de Estado que transcende governos e age em prol da sociedade e das políticas públicas implantadas no país.
Com larga bagagem de cultura jurídica e vasta experiência profissional Toffoli comanda mais de 10.000 advogados públicos e servidores administrativos, sempre em busca da excelência nos serviços prestados à sociedade e ao Estado.
Rígido defensor dos interesses da União sem ser, entretanto, fazendário trouxe para suas funções a grande experiência e conhecimentos adquiridos na tribuna do Tribunal Superior Eleitoral, onde seu poder de argumentação lógica e racional possibilitou colher e granjear a admiração e respeito dos eminentes ministros que perpassaram naquela corte nos últimos seis anos.
A Diretoria da Revista, por justiça e direito aos seus dotes de cultura, inteligência e arraigado espírito público, homenageia essa grande personalidade do cenário político nacional, que enaltece e dignifica a advocacia pública.
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“É preciso abrir a instituição às demandas da população para aproximar cada vez mais o cidadão da Advocacia Pública. Uma das formas de atuação direta da AGU junto à sociedade, pode ser a proposição de uma lei de responsabilidade do Estado. A AGU começa a consolidar a sua imagem como órgão sistêmico do Estado, atuante e independente junto aos Três Poderes, mas ainda há que se aprovar a nova Lei Orgânica, conquistar autonomia financeira e melhorar os rendimentos dos servidores do órgão”. A afirmação é do Advogado-Geral da União, José Antonio Dias Toffoli.
A AGU é um órgão de Estado previsto na Consti­tuição Federal e criado pela Lei Complementar nº 73/93, para representar judicialmente e extrajudicialmente a União, e prestar consultoria exclusiva ao Poder Executivo. A AGU defende os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mas não está subordinada a nenhum deles. É considerada essencial à Justiça pela Constituição, assim como a Defensoria Pública e o Ministério Público.
Em sua gestão, o ministro Toffoli faz questão de dar atenção especial às ações desenvolvidas pela AGU na defesa dos interesses da sociedade brasileira. A AGU teve papel fundamental, por exemplo, na liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias no país, que trarão esperança de cura para milhares de brasileiros com doenças degenerativas e portadores de deficiência.
Também atuou para garantir a execução de políticas públicas nas áreas de educação, saúde e desenvolvimento. Diversas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) só puderam ter continuidade graças à criação de uma força-tarefa na AGU. Fez ainda parcerias com a Controladoria-Geral da União, para fiscalizar a aplicação de recursos públicos em estados e municípios, e com o Tribunal de Contas da União, para agilizar e garantir a cobrança de verbas desviadas e a condenação de agentes públicos por improbidade administrativa.
Em 2007, a AGU evitou que 30 bilhões de reais saíssem dos cofres públicos apenas nas ações que tramitam contra a União no Supremo Tribunal Federal, além das vitórias em matérias fiscais, da ordem de mais de 100 bilhões de reais. Ampliou, ainda, a estrutura das Câmaras de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, que resolvem conflitos entre órgãos públicos, e criou, em julho deste ano, a Câmara de Conciliação da União e Estados.
Em entrevista à Revista Justiça & Cidadania, o Advogado-Geral destacou essas e outras atividades realizadas pela AGU, como a defesa da Lei Seca, a elaboração do parecer jurídico que permitirá a análise de pedidos de reintegração dos servidores demitidos no Plano Collor, a edição de súmulas para reduzir demandas judiciais contra o INSS, a elaboração da Cartilha de Condutas Vedadas aos Agentes Públicos Federais em Eleições Municipais e o Congresso Nacional das Carreiras Jurídicas de Estado.

Revista Justiça & Cidadania – Um dos assuntos em destaque atualmente é a Lei nº 11.705/08, a famosa Lei Seca, que proíbe motoristas de ingerir álcool antes de dirigir. A AGU é responsável pela defesa das leis brasileiras. O senhor não considera muito radical a forma como a lei foi aplicada?
José Antonio Dias Toffoli – Não concordo com a maneira como foi implantada, pois faltou discussão com a sociedade, mas a lei é necessária. Entre o direito do cidadão de beber e dirigir, e o direito de todos a um trânsito seguro, prevalece o trânsito seguro. O Governo Federal argumenta que o moto­rista é obrigado a fazer o teste do bafômetro, assim como tem de mostrar a carteira de habilitação se for parado. Realizar o
teste do bafômetro não é produzir prova contra si mesmo. É apenas o meio de comprovar que o motorista cumpre o estabelecido na lei, que é estar sem álcool no sangue para dirigir. O direito à vida, à integridade física, à saúde pública e à segurança no trânsito é um bem de todos e um dever do Estado. A AGU já encaminhou as informações para embasar o julgamento da ação proposta contra a lei pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel). A proibição da venda de bebidas alcoólicas às margens das rodovias federais e do consumo por parte dos motoristas está gerando uma cultura de mais respeito à vida. De acordo com informações de unidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), divulgadas pelo Ministério da Saúde, houve uma redução média de 24% nas operações de resgate, desde a entrada em vigor da lei. Nos primeiros 24 dias, registrou-se uma redução de 39% de acidentes com morte no trânsito no Distrito Federal, por exemplo. Os resultados positivos demonstram que não existe desproporção entre os meios utilizados pelo Estado e os fins a serem alcançados.

JC – Também estão em discussão pela sociedade, anunciantes e representantes de rádio e televisão, novas restrições à propaganda de alimentos perigosos à saúde, cigarros e bebidas alcoólicas. Qual sua opinião sobre o tema? A AGU se manifestará?
Toffoli –  A Constituição Federal define as regras para as restrições e garante que qualquer tipo de limitação à publicidade só seja válida se for aprovada pelo Congresso Nacional, em forma de lei. Determinados produtos, como álcool, tabaco, medicamentos, tratamentos médicos e agrotóxicos podem sofrer algum tipo de controle. Mas isso não significa que sofrerão censura, porque isso fere a Constituição. O Estado não tem de tutelar, tem de dar mecanismos para as pessoas se defenderem também a partir da própria propaganda. As restrições podem surtir efeitos, mas não tão pedagógicos quanto os meios de educação. O tema já está sendo analisado pela Consultoria-Geral da União (CGU), órgão da AGU, a pedido da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A CGU já havia divulgado, em julho de 2007, um parecer solicitado pela Anvisa, onde informou que a alteração do conceito de bebidas alcoólicas para restringir as propagandas desses produtos só poderá ser mudado por meio de Medida Provisória ou Projeto de Lei.

JC – Qual o papel da AGU na defesa do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC?
Toffoli –  Como órgão responsável pela defesa da União, a AGU também defende as políticas públicas do Governo Federal, independente do presidente ou partido que está no poder. No caso dos projetos do PAC, a AGU acompanha mais de 600 ações judiciais que questionam obras do programa. São mandados de segurança, ações civis públicas, possessórias, de desapropriação, populares, cautelares e ordinárias. Garantimos na Justiça, com uma força tarefa formada por aproximadamente 100 advogados da União e procuradores federais, a execução do leilão de concessão de uso de rodovias federais, do leilão de energia de hidrelétricas, como a de Santo Antônio, no Rio Madeira, além da continuidade das obras de várias delas – hidrelétricas de Mauá, em Londrina (PR); de Dardalenos, no Mato Grosso; de Estreito, no Rio Tocantins; de Belo Monte, no Pará; e de Jirau, em Rondônia. A defesa da AGU nessas obras é fundamental para que não haja um novo apagão, que pode causar prejuízos a todo setor produtivo e, conseqüentemente, ao desenvolvimento do país. Isso sem contar com o impacto ambiental global, caso o governo tenha que utilizar usinas termelétricas, muito mais caras e poluentes, para compensar a falta da energia não produzida por essas usinas.

JC – Para acelerar a cobrança de gestores e empresas que desviaram verbas públicas a AGU fechou com o Tribunal de Contas da União um acordo de cooperação. Fale da importância desta parceria.
Toffoli – O Escritório Avançado da AGU no TCU começou a funcionar em setembro de 2007. O objetivo é agilizar a propositura de medidas judiciais para recuperar verbas desviadas por agentes públicos, em busca de maior eficiência e transparência na defesa do patrimônio da União. A AGU, por meio da Procuradoria-Geral da União, é o braço legal do TCU em ações judiciais que requerem quebra de sigilo bancário, telefônico e fiscal, seqüestro de bens de agentes públicos condenados por malversação de verbas governamentais, entre outros. A PGU também é responsável pela execução de todos os acórdãos do TCU que condenam agentes públicos ou particulares. Também fechamos um acordo de cooperação, para facilitar a troca de informações entre a AGU e o TCU e agilizar a propositura de ações de recuperação do patrimônio da União, a partir de decisões do Tribunal. Pelo acordo, a AGU tem a atribuição de elaborar pareceres e estudos ou propor normas, medidas e diretrizes, visando a adequação de procedimentos da Administração Pública Federal às determinações do TCU.

JC – Outro acordo importante foi com a Controladoria-Geral da União. Como ele está sendo executado?
Toffoli – A parceria com a CGU permite que os advogados públicos acompanhem a fiscalização realizada pelo Órgão em municípios e estados que utilizam recursos federais. Assim, o Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa da AGU pode atuar de maneira pró-ativa na proposição de ações judiciais, com o objetivo de garantir a restituição de verbas públicas mal utilizadas e/ou desviadas. O acordo de cooperação técnica também prevê o intercâmbio de informações e documentos referentes a processos de ambas as instituições, sempre que possam ser úteis para a responsabilização civil e administrativa de agentes causadores de danos aos bens e valores do patrimônio da União. Prevê, ainda, que a CGU deve comunicar antecipadamente às unidades estaduais da AGU as datas e os locais aos quais serão enviadas equipes de auditoria para cumprimento das ações decorrentes do Programa de Fiscalização a partir de Sorteios Públicos. Já a AGU se compromete a colaborar, dentro de suas atribuições institucionais, com os auditores da CGU na execução das ações de controle.

JC – O que a AGU está fazendo para agilizar a tramitação de ações na Justiça? As súmulas ajudam a acelerar esse trâmite?
Toffoli – As súmulas são, sem dúvida nenhuma, uma solução inteligente para redução de demandas no Judiciário e para acelerar a tramitação de ações. Recentemente, a AGU publicou nove enunciados de súmulas no Diário Oficial
da União, para reduzir a quantidade de ações propostas contra o INSS e facilitar o recebimento de benefícios. A iniciativa faz parte do Programa de Redução de Demandas Judiciais do INSS. Nós verificamos que metade dos pedidos de benefícios eram negados administrativamente, e metade destes eram concedidos judicialmente. Ou melhor, metade daquilo que o INSS negou, negou injustamente. Então, trabalhamos para identificar aquelas decisões que a Justiça já havia consolidado, com o objetivo de editar súmulas e enunciados de orientação aos gestores do INSS. Com isso, teremos certeza de que diminuirão as ações no Poder Judiciário sobre previdência social. Outra súmula importante é a que diz respeito ao valor incontroverso. Por exemplo, se um particular entra contra a União pedindo 100 reais e a União diz que deve 50 reais o valor já reconhecido ficava aguardando o julgamento da diferença. Não é possível que se aguarde anos para se pagar aquilo que a própria União reconheceu dever de imediato. A parte incontroversa da demanda é um direito do cidadão e da sociedade. Nós temos que reconhecer isso e autorizar então, o precatório dessa parte. É assim que a Advocacia Pública atende ao cidadão, atende à sociedade e, portanto, atende ao Estado brasileiro, porque não é papel exclusivo da Advocacia Pública defender o governante, defender o governo. Além das súmulas, temos várias outras iniciativas para reduzir o número de ações da União e suas autarquias e fundações públicas na Justiça. Ampliamos, por exemplo, a atuação das Câmaras de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, que solucionam conflitos entre os órgãos da própria administração pública e que litigavam entre si. Já foram realizadas 32 conciliações, que envolviam mais de 900 milhões de reais. Atualmente, estão em andamento 116 Câmaras envolvendo mais de 267 milhões de reais. Criamos a Câmara de Conciliação com os estados federados e com o Distrito Federal, também para diminuir o número de ações que existem entre esses entes da federação e a União. Enfim, uma série de iniciativas.

JC – Em 2007, a AGU concluiu o parecer dos anistiados demitidos no Governo Collor. O senhor acredita que eles serão readmitidos ainda no Governo Lula?
Toffoli – Acredito que sim. Somente no Governo Lula os representantes dos anistiados conquistaram duas vagas na Comissão Especial Interministerial (CEI), criada para analisar se houve motivação política na demissão dos servidores. Apesar das críticas sobre o prazo de cumprimento da Lei de Anistia, foi o Governo Lula que propiciou o diálogo com os anistiados e pediu o compromisso de todos os órgãos envolvidos para o cumprimento da Lei de Anistia. A AGU elaborou o parecer que fixa a interpretação da Lei de Anistia para permitir que a CEI tenha segurança e embasamento jurídico para analisar, caso a caso, o reingresso desses servidores. Ele uniformiza todos os entendimentos jurídicos já emitidos, seja pelas consultorias jurídicas dos ministérios, pela AGU ou pelo Poder Judiciário. Não é possível deixar esses servidores esperando mais tempo. Durante esses anos eles sofreram dupla injustiça: pela demissão e pelo fato de os requerimentos de reintegração estarem há 14 anos sob análise do Poder Executivo. Por isso, temos de dar prioridade à implementação desta lei. É por justiça que digo isso. Nós não temos mais de ficar julgando se os servidores demitidos estão em forma ou não, se trabalharam ou não. Eles têm o direito de assumir. Ao Estado compete qualificá-los e atualizá-los no seu trabalho. Todo mundo está apto e qualificado para ter atividade no serviço público até os 70 anos, de acordo com a Constituição Federal. A demora na análise dos requerimentos dos anistiados causa prejuízos aos cofres públicos, porque a omissão do Estado e do governo em analisar está levando a Justiça a deferir pedidos, inclusive com efeitos financeiros retroativos, o que a Lei de Anistia vetou.

JC – A AGU também promoveu, em parceria com entidades jurídicas, o Congresso Brasileiro das Carreiras Jurídicas de Estado. É preciso haver maior integração entre magistrados e advogados públicos? O que atrapalha esta relação?   
Toffoli – Sem dúvida. O sistema judicial não funciona exclusivamente com apenas uma das carreiras, em apenas uma das instituições, ou seja, é uma engrenagem que precisa de todas as instituições funcionando, interagindo, se inter-relacionando, se respeitando, aceitando as suas competências, mas também aceitando as competências e os compromissos das outras instituições. Isso é importante para que a sociedade, cada vez mais, reconheça no Poder Judiciário e nas funções do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Defensoria, instituições que lhe são úteis, necessárias e que dão o retorno daquilo que elas custam para o orçamento do Estado. Os conflitos entre as carreiras existem porque no próprio processo constituinte as instituições e as carreiras, dentro delas mesmas, tinham divergências sobre o modelo constitucional para as carreiras jurídicas de Estado. Grande parte desses problemas e conflitos se perduraram por algum tempo, mas hoje, passados 20 anos da Constituição Federal, muitos já foram superados. O Congresso foi, inclusive, um exemplo dessa superação, porque pela primeira vez todas estavam juntas, com um único propósito: melhorar o sistema judicial brasileiro. Todas as instituições fazem parte desse único sistema judicial e devem procurar superar divergências ou conflitos existentes, para que a prestação jurisdicional e o trabalho de cada qual seja mais eficiente e dê retorno à sociedade e ao país.

JC – Um do pilares da AGU é a prestação de consultoria ao Poder Executivo. Nesse sentido, como deve se comportar o agente público em campanhas eleitorais?
Toffoli – A AGU foi acionada pela Presidência da República para elaborar uma cartilha para regular a participação e a postura de agentes públicos nas campanhas eleitorais.  Cada vez mais os órgãos públicos procuram a AGU para orientá-los quanto à legalidade dos seus atos, principalmente neste período eleitoral. O objetivo da Cartilha de Condutas Vedadas aos Agentes Públicos Federais em Eleições Municipais, lançada em junho deste ano, é evitar que os agentes públicos federais pratiquem atos administrativos ou tomem decisões governamentais que contrariem a Lei Eleitoral nº 9.504/97 e as demais normas sobre o tema. A Cartilha destaca que é proibido o uso do aparelho burocrático da administração pública de qualquer esfera – federal, estadual e municipal – em favor da candidatura, com a finalidade de manter a igualdade de condições na disputa eleitoral. O manual também traz procedimentos proibidos na área de publicidade, como a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas três meses antes das eleições, além de condutas vedadas na cessão de bens da União e na utilização de recursos públicos.