A AGU na busca da conciliação e redução de Conflitos_Entrevista com Luís Inácio Lucena Adams

28 de fevereiro de 2010

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Gaúcho de Porto Alegre, Luís Inácio Lucena Adams, 44 anos, está no comando da Advocacia-Geral da União (AGU) desde o dia 23 de outubro de 2009, e é o primeiro membro de carreira a ser nomeado para dirigir a Instituição. Atua como Procurador da Fazenda Nacional desde 1993, ano em que a AGU foi criada pela Lei Complementar nº 73, para prestar assessoramento jurídico à Presidência da República e atuar na defesa judicial e extrajudicial dos Três Poderes da União.
Ex-Procurador-Geral da Fazenda Nacional e ex-Secretário Executivo Adjunto do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o Advogado-Geral da União foi pioneiro na implantação da AGU, tendo ocupado os principais cargos de direção na Região Sul. Sensível à necessidade de aprimoramento do sistema judicial como um todo, Adams ressalta que as Câmaras de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) desempenham importante papel na redução de litígio e na racionalização da atuação dos advogados públicos federais.
Para Luís Inácio Adams, a conciliação é um dos desafios a serem enfrentados pela Advocacia Pública, para desafogar o Judiciário e acelerar a resolução de conflitos, administrativamente, entre órgãos da administração federal e entre a União e Entes Federados. Ele destacou, ainda, a importância de aprovação pelo Congresso Nacional da Lei Complementar em Matéria Tributária, a elaboração da nova Lei Orgânica da AGU, a criação de uma cúpula da Advocacia Pública no Mercosul, as parcerias com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o combate à corrupção, entre outros assuntos.
Também destacou a importância da atuação conjunta da AGU e do Tribunal de Contas da União (TCU) para que as obras do Governo Federal não sejam paralisadas por decisões judiciais. Adams vai aumentar o número de advogados públicos no Escritório Avançado da AGU que funciona no Tribunal.

Revista Justiça & Cidadania – Qual a importância da AGU para o Estado brasileiro e para a sociedade?
Luís Inácio Adams – A Advocacia-Geral da União é um órgão novo, com 17 anos de existência. Desde a sua criação, tem como prioridade a defesa judicial de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, energia, transportes, indígena, meio ambiente, enfim, em áreas de interesse de toda a sociedade brasileira. Por exemplo, defendemos as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, fundamentais para o desenvolvimento do país. Toda a sociedade se beneficia com isso: são rodovias, hidrelétricas, hidrovias, aeroportos, entre outros projetos de infraestrutura. É preciso dar segurança jurídica aos órgãos de Estado e investidores privados, para acelerar os investimentos em obras de infraestrutura. Para isso, é muito importante a aproximação de quem executa os projetos e de quem fiscaliza as obras. No campo administrativo, a Instituição atua de maneira preventiva, prestando consultoria jurídica aos órgãos públicos envolvidos. A AGU também combate à corrupção, com a propositura de ações para recompor ao erário verbas desviadas por empresas, políticos, agentes públicos. Somente nos últimos dois anos, a AGU garantiu quase meio trilhão de reais em arrecadação e economia aos cofres públicos.

JC – A AGU tem feito parcerias com outros órgãos com o objetivo de reduzir o número de demandas na Justiça?
LIA – Sim. Com o Conselho Nacional de Justiça foi fechado um acordo de cooperação técnica que permite o intercâmbio de informações de interesse recíproco, visando à diminuição de demandas judiciais. Com aval do CNJ, o Poder Judiciário auxiliará na localização de ações passíveis de aplicação das súmulas editadas pela AGU desde sua implantação. Uma análise inicial aponta a possibilidade de retirar mais de dois milhões de ações da Justiça. A AGU também alterou um entendimento interno para permitir que os advogados públicos exerçam a advocacia pro bono e participem dos mutirões carcerários coordenados pelo Conselho. A Advocacia-Geral da União e o CNJ comprometeram-se em buscar medidas que diminuam o número de ações ajuizadas em matéria de direito à saúde, como o incentivo à conciliação e à mediação de conflitos e a definição de marcos legais para as políticas públicas de saúde. Desde 2007, a AGU mantém um Escritório Avançado no Tribunal de Contas da União para auxiliar ministros e assessores no exame de casos que envolvam políticas públicas de governo. O objetivo, este ano, é ampliar a presença de advogados públicos no Tribunal, intensificando um trabalho preventivo que diminua eventuais irregularidades e, consequentemente, evite a paralisação de importantes obras, por meio da celebração de acordos e conciliações que garantam pagamentos, devoluções e regularização de contratos sem a necessidade de ajuizamento de ações judiciais. A AGU defende o TCU em ações judiciais que requerem quebra de sigilo bancário, telefônico e fiscal, sequestro de bens de agentes públicos condenados por malversação de verbas governamentais, entre outros. A implantação de escritórios avançados no CNJ, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal está em fase adiantada e possibilitará o resgate das atribuições específicas da AGU de representação judicial dos Poderes Legislativo e Judiciário.

JC – As súmulas da AGU são importantes para redução
de processos na Justiça?
LIA – Com certeza. Elas são publicadas pela AGU quando há entendimentos pacificados nos tribunais superiores sobre determinados temas, para que os advogados públicos deixem de recorrer nas ações, não entrem com outros processos e encerrem aqueles em tramitação na Justiça. Com isso, diminui o número de ações que correm no Judiciário. Desde a criação da AGU foram publicadas 48 súmulas e o objetivo é continuar a análise dos casos em que é possível a edição de outras novas súmulas. Graças a esse instrumento, a AGU auxiliará na redução anual de cerca de um milhão de ações judiciais contra o INSS, acelerando, inclusive, a liberação de benefícios previdenciários na instância administrativa.

JC – A lei que criou a AGU está sendo modificada.
Qual o objetivo da nova Lei Orgânica?   
LIA – O objetivo é adequá-la à nova realidade da Instituição e modernizá-la. É preciso fortalecer as prerrogativas de instituição de Estado da AGU, garantindo que os membros das carreiras — advogados da União, procuradores federais, da Fazenda Nacional e do Banco Central — não sejam responsabilizados por atos técnicos tomados no exercício profissional. O texto está sendo debatido internamente e com a colaboração de instituições como a OAB e associações de classe representativas das carreiras. O documento abordará princípios institucionais de unidade, indivisibilidade e razoabilidade na defesa do interesse público, entre outros. Também estão em debate atribuições e elementos norteadores da ação da AGU, tanto na parte contenciosa quanto na consultiva.
JC – Como a AGU atua no combate à corrupção?
LIA – É papel da AGU contribuir para a construção de um Estado ético, capaz de enfrentar os desafios que a sociedade demanda. Para tanto, temos atuado em parceria com instituições como a Controladoria-Geral da União, o TCU e a Polícia Federal. Criamos na AGU o Grupo Permanente de Combate à Corrupção, visando justamente atender aos órgãos de controle. O Grupo age de forma coordenada e responsável, e tem como propósito proteger o patrimônio público. Cada unidade da AGU nos estados conta com advogados públicos para atuar nos tribunais em defesa dos recursos públicos. Em 2009, o Grupo atuou em mais de 2.700 ações em todo o país, com valores que ultrapassam R$1,7 bilhão. A maior parte das ações é decorrente de acórdãos do TCU e de investigações da CGU.

JC – Quais são os desafios da AGU em 2010?
LIA – O aperfeiçoamento das instituições trouxe maiores desafios à Advocacia Pública. A busca pela redução de conflitos na Justiça é um desses desafios. Por isso, já estamos investindo mais recursos financeiros e humanos na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), instituída para resolver conflitos entre a União e os estados e entre órgãos públicos. Não há sentido em dois órgãos da União buscarem a resolução de um conflito no Poder Judiciário, a não ser em caso de extrema necessidade. As câmaras da AGU já demonstraram que é possível encontrar soluções por meio do diálogo. Desde a criação da CCAF, já foram analisados 430 processos que totalizam mais de R$3,5 bilhões. A execução administrativa de tributos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional também é um desafio importante que consiste na transferência, para o âmbito administrativo, dos atos de execução, como penhora, notificação do contribuinte, leilão e arrematação de bens. Dessa forma, reduz-se o tempo de cobrança, cuja tramitação no Poder Judiciário pode demorar até 16 anos. Esse mecanismo torna o procedimento de cobrança menos oneroso para o Estado e para o cidadão. Por fim, para evitar a permanência desnecessária de conflitos na Justiça, também é importante a proposta de Lei Geral de Transação Tributária, mediante a qual será possível equacionar soluções mais racionais e equilibradas em situações de litígio com o contribuinte.

JC – No ano passado, a AGU defendeu no Supremo Tribunal Federal a volta do menino Sean aos Estados Unidos. Qual o papel da AGU em casos como esse?
LIA – O papel da AGU é dar cumprimento à Convenção de Haia, internalizada pelo Decreto nº 3.413/00. O acordo diz que é o local de residência habitual, de onde a criança foi ilicitamente retirada ou ao qual está sendo impedida de retornar, o único foro competente para discussões envolvendo o direito de guarda e/ou visitas em relação ao menor. O Departamento Internacional da Procuradoria-Geral da União da AGU acompanha, atualmente, cerca de 50 ações de repatriação de crianças trazidas ao Brasil sem autorização de ambos os pais. Esse número refere-se apenas às ações judiciais em que foi requerida ajuda da autoridade brasileira e em que a União atua como autora dos processos. Todas as ações correm em segredo de justiça. Há sete anos a AGU atua na aplicação da Convenção de Haia. Desde 2002, o Departamento Internacional ajudou a regulamentar o direito de visita de pais estrangeiros e a repatriar cerca de 27 crianças da Argentina, Itália, Portugal, Estados Unidos, Canadá, Suécia, Uruguai, Suíça, Alemanha, Inglaterra, Peru, Noruega, Holanda, Israel, Austrália e Paraguai. Quando uma criança é trazida ao Brasil sem autorização de um dos genitores, o pai ou mãe deixado no exterior aciona o seu próprio governo, que faz o pedido de repatriação à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, que solicita providências da AGU. É bom lembrar que alguns casos são resolvidos por meio de conciliação entre as partes. Entre os casos de repatriação, há acusações de abuso sexual da criança, violência doméstica e maus tratos.

JC – Quais os julgamentos importantes aguardados pela AGU no STF este ano?
LIA – Neste ano, a AGU aguarda o julgamento de ações impor­tantes para a sociedade brasileira, como a constitucionalidade da Lei da Anistia e da TV Digital, o novo rito de apreciação de medidas provisórias no Congresso Nacional, o sistema de cotas nas universidades federais, a descriminalização do aborto em caso de fetos anencéfalos e a defesa da constitucionalidade da Lei Maria da Penha, criada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A AGU também vai acompanhar julgamentos que podem afetar os cofres públicos, como o julgamento do mérito da ADI sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins, além da discussão do pagamento de medicamentos e tratamentos pelo SUS indiscriminadamente.
JC – Em 2009, o senhor participou do 2º Congresso Internacional de Advocacia Pública, em Buenos Aires,
e propôs uma cúpula da Advocacia Pública no âmbito
do Mercosul. Qual o objetivo?  
LIA – Na ocasião apresentei a palestra “A Advocacia Pública no Mercosul” e sugeri a criação da Reunião Especializada de Advocacia de Estado do Mercosul (RAE). O objetivo é propiciar um foro permanente regional de troca de experiências entre os respectivos órgãos nacionais de Advocacia Estatal, dentro do espírito de fortalecimento da integração regional de diferentes áreas governamentais dos estados partes. No passado, a AGU, a Argentina e o Paraguai criaram o embrião da RAE, conhecido como Mecanismo de Cooperação e Intercâmbio em Matéria de Advocacia Estatal (Mecimae). Apesar de ser um mecanismo importante para o fortalecimento do intercâmbio entre advocacias de Estado, ele não é considerado um foro permanente do Mercosul, como seria a Reunião Especializada. A proposta conta com o apoio do Brasil, da Argentina e do Paraguai. As repúblicas do Uruguai e da Venezuela ainda não se manifestaram sobre a iniciativa. Já foram institucionalizadas, no âmbito do Mercosul, as reuniões especializadas de defensorias públicas e de ministérios públicos. No primeiro semestre deste ano, acontecerá, em Brasília (DF), o encontro entre a Advocacia de Estado dos países membros do Mercosul, para promover a troca de experiências entre os advogados dos países signatários (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a definição de estratégia única para a consolidação do Mercado Comum. A organização ficará por conta da Escola da Advocacia-Geral da União (EAGU) e da Escuela del Cuerpo de Abogados de la Procuración del Tesoro de la Nación, correspondente da EAGU na Argentina.