A Antecipação de Tutela como instrumento de efetividade e de isonomia – Parte 2

11 de janeiro de 2012

Professor de Direito Processual da UERJ e Universidade Cândido Mendes

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3. O conteúdo jurídico dos princípios da isonomia e da proporcionalidade em relação à prestação da tutela jurisdicional 
As discussões travadas em torno do princípio da isonomia têm ocupado lugar de destaque entre os filósofos, filósofos do direito, processualistas, constitucionalistas, enfim, entre os juristas que se preocupam não apenas com o direito no seu aspecto formal, mas também e principalmente com seu aspecto de Justiça.

Durante muito tempo foi corrente a acepção ditada por ARISTÓTELES de que isonomia seria tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, com a qual, de modo geral, concordavam os juristas sem, contudo, se aperceberem que haviam apenas transferido para outro patamar o grau da discussão, sem resolver a questão de se saber, efetivamente, o que seria isonomia.

Isso porque é necessário identificar as pessoas que seriam consideradas iguais, daquelas que seriam consideradas desiguais para, a partir daí, outorgar-lhes tratamento diferente.

Ademais, tanto aqueles que estariam encartados numa posição de igualdade, como aqueles  numa posição de desigualdade, possuiriam entre si peculiaridades que os tornariam diferentes uns dos outros, motivo pelo qual é pragmaticamente impossível dar-lhes um tratamento igualitário ou diferenciado, sem que, adotando uma ou outra posição, houvesse o risco de se causar prejuízos a uns ou a outros decorrentes de uma injusta discriminação.

Enfim, quem são os iguais e quem são os desiguais?

Uma solução para essa questão é encontrada na Constituição Federal vigente, observada em Cartas anteriores, que determina: “todos são iguais perante a lei (…)”.

Segundo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO “o princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações à moda que as pessoas compreendidas em uma ou  outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outras, por abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente plexo de obrigações e direitos. Exemplificando, cabe observar que às sociedades comerciais guardam, por lei, prerrogativas e deveres diferentes dos que pertinem às sociedades civis; aos maiores é dispensado tratamento inequiparável àquele outorgado aos menores; aos advogados se deferem certos direitos e encargos distintos dos que calham aos economistas ou aos médicos, também diferenciados entre si no que concerne às respectivas faculdades e deveres” (“Conteúdo jurídico do princípio da igualdade”, pp. 12 e 13, 3. ed. 5a triagem. São Paulo: Malheiros, 1998).

Conclui-se, diante disso, que somente a lei pode apresentar elementos válidos de discriminação entre as pessoas, reciprocamente consideradas, bem como em relação às coisas e aos fatos juridicamente relevantes.

Tal discriminação legal, entretanto, não é absoluta, pois encontra limite na própria Constituição Federal e aos princípios por ela adotados, conforme se depreende dos termos do §2o do artigo 5o.

Evidentemente que o princípio da isonomia deve ser considerado não apenas pelo legislador, no momento da elaboração da norma jurídica, mas também e principalmente pelo Poder Judiciário, que tem a função fundamental de interpretar a norma jurídica e aplicá-la, de acordo com a finalidade social a que se destina.

É preciso, ainda, considerar que o legislador, ao editar uma norma reguladora de condutas humanas, o faz sempre em atenção a uma finalidade específica, mesmo que esta não esteja previamente fixada na Constituição, porém nunca contrária a ela. O fim pretendido pela lei tem de ser obtido por um processo de interpretação no momento em que ela é questionada.

Sob esse enfoque, o problema da igualdade é solucionado pelo princípio da proporcionalidade que, segundo SUZANA DE TOLEDO BARROS “foi cunhado como forma de limitação do poder de polícia, no âmbito administrativo, para coibir medidas excessivamente gravosas aos direitos dos cidadãos (…). Tem por conteúdo os subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Entendido como parâmetro a balizar a conduta do legislador quando estejam em causa limitações a direitos fundamentais, a adequação traduz a exigência de que os meios adotados sejam apropriados à consecução dos objetivos pretendidos; o pressuposto da necessidade é que a medida restritiva seja indispensável à conservação do próprio ou de outro direito fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa; pela proporcionalidade em sentido estrito, pondera-se a carga de restrição em função dos resultados, de maneira a garantir-se uma equânime distribuição de ônus” (“O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais”, p. 210, 1. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. Destaques do original).

Diante do princípio da proporcionalidade, extraído da Constituição Federal de seus artigos 1o, inciso III; 5o, caput, e incisos II, XXXV e LIV, e seus §§1o e 2o; 60, §4º, inciso IV, correlato dos princípios da isonomia e da reserva legal, para a verificação do respeito de uma lei ou decisão judicial ao postulado da isonomia, estas devem ser analisadas nos seus aspectos intrínsecos, em consonância com a mens legis.

Com efeito, constata-se o respeito, ou não, aos princípios da isonomia e da proporcionalidade quando se analisa a decisão judicial confrontando-a com os aspectos fáticos da causa e com a qualificação jurídica que lhes foi dada, em outras palavras, se foi correto o procedimento de subsunção dos fatos à norma jurídica aplicável, ou que deveria ser aplicada ao caso concreto.

Havendo conflito aparente de normas, posto que é extremamente raro o conflito real (antinomia de segundo grau), é preciso definir qual delas deve prevalecer para ser aplicada ao caso concreto, sendo que essa definição é atingida mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da isonomia.

Este procedimento é imprescindível em relação àquelas hipóteses em que dois interesses juridicamente tutelados, mas conflitantes entre si, são colocados um diante do outro, sendo que apenas um deles poderá ser prestigiado pelo Poder Judiciário, circunstância que implicará, evidentemente, no sacrifício do outro interesse.

Reconhece-se que o legislador possui uma ampla liberdade de valorar as situações da vida, as relações entre as pessoas e coisas, estabelecendo regras diversas de distribuição de vantagens e ônus, segundo as notas características colhidas e o fim por ele eleito para a satisfação de necessidades práticas.

Esta liberdade de conformação ampla deve guiar-se pela Constituição, sopesar os valores e metas eleitos como fundamentais e, também, realizar o programa ideológico nela contido, relevando destacar o respeito ao princípio da isonomia acima mencionado e, caso haja eventual colidência de interesses juridicamente tutelados, deve ser tutelado aquele cujo sacrifício seja de difícil ou impossível reparação.

A antecipação de tutela apresenta-se, neste aspecto, não apenas como um meio para assegurar o resultado efetivo e satisfatório da prestação jurisdicional, mas também como forma de assegurar o equilíbrio, a igualdade processual, a identidade de armas e de poderes, visando propiciar um verdadeiro contraditório, sem que uma das partes se veja impossibilitada de litigar, assegurando o resultado do processo em razão da desproporcionalidade de condições e de poderes entre os litigantes, em decorrência, principalmente, de pressões econômicas e de ameaças, verdadeira coação do litigante “mais forte” sobre o “mais fraco”.

Também em relação à antecipação de tutela, esta sempre poderá acarretar risco de irreversibilidade no plano empírico. Esse risco, entretanto, pode decorrer tanto do deferimento, como do indeferimento da tutela antecipada. De qualquer forma, quer seja deferida, quer seja indeferida a antecipação de tutela, o juiz ou tribunal estará beneficiando uma das partes da demanda, em detrimento da outra. Nesses casos, atua o princípio da proporcionalidade, devendo o juiz ou o tribunal evitar o risco ou o prejuízo maior, protegendo aquela parte da demanda processual considerada mais fraca, cujo interesse prepondera em relação ao da outra parte, por ter menor possibilidade de suportar o risco da irreversibilidade.

O Poder Judiciário, por conseguinte, aparelhado com leis que viabilizam uma rápida e eficaz proteção àquelas pessoas que se encontram em situação de desvantagem econômica, ou em relação a bens e interesses relevantes para a sociedade, assim considerada em seu conjunto, não deve vacilar em outorgar a tutela jurisdicional almejada.

4. Conclusões
O processo, como instrumento de realização do direito material e dos valores sociais mais importantes, deve proporcionar esse resultado com rapidez, sob pena de tornar-se inútil.

Absolutamente nada adianta assegurar contraditório, ampla defesa, juiz natural e imparcial, se a garantia de acesso ao processo não for efetiva, ou seja, não possibilitar realmente a todos a utilização dos meios suficientes para superar eventuais óbices existentes ao pleno exercício, garantia de existência e utilidade dos direitos postos em discussão em juízo.

Do mesmo modo, também de nada adianta possibilitar o acesso ao Poder Judiciário daqueles considerados hipossuficientes, se não tiverem condições plenas para o exercício da postulação ou da defesa em juízo, por carecerem de recursos financeiros suficientes para sustentar a questão levada a juízo.

Somente a lei pode apresentar elementos válidos de discriminação entre as pessoas, reciprocamente consideradas, bem como em relação às coisas e aos fatos juridicamente relevantes.

A discriminação legal não é absoluta. Encontra limite na própria Constituição Federal e nos princípios por ela adotados.

Havendo conflito aparente de normas, posto que é extremamente raro o conflito real (antinomia de segundo grau), é preciso definir qual delas deve prevalecer para ser aplicada ao caso concreto, sendo que essa definição é atingida mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da isonomia.

A antecipação de tutela apresenta-se, portanto, não apenas como meio de assegurar o resultado efetivo e satisfatório da prestação jurisdicional, mas também como forma de assegurar o equilíbrio, a igualdade processual, a identidade de armas e poderes, visando propiciar um litígio autêntico, com verdadeiro contraditório, sem que uma das partes se veja impossibilitada de litigar e de assegurar o resultado do processo em razão da desproporcionalidade de condições e de poderes entre os litigantes; em razão principalmente de pressões econômicas e de ameaças, verdadeira coação do litigante “mais forte” sobre o “mais fraco”. Estes aspectos também justificam não apenas a concessão, mas também a manutenção da antecipação de tutela.

A antecipação de tutela sempre poderá acarretar risco de irreversibilidade no plano fático, material. Esse risco pode decorrer tanto da concessão, como também da não concessão da antecipação de tutela.

Na verdade, tanto ao deferir como ao indeferir ou revogar a antecipação de tutela, o juiz estará beneficiando um polo da relação processual em detrimento do outro, gerando uma situação de perigo às vezes irreversível.

Nestes casos, ante o princípio da proporcionalidade, devendo o juiz ou tribunal evitar o risco maior, deverá proteger aquele polo da relação processual considerado mais fraco, ou cujo interesse prepondera em relação a outro, posto que terá menos condições de suportar o risco da irreversibilidade.

Assim, concluímos que existem hipóteses em que a antecipação de tutela se impõe, não apenas como garantia de efetividade do processo, mas também e principalmente como condição de estabelecimento da isonomia processual.

 

 
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