A cadeira vazia

30 de setembro de 2009

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A tragédia da morte não guarda mesmo nenhuma coerência. E assim como a todos espreita com maus modos, sem nenhum pejo ou justiça, indistintamente também teimaremos em protestar contra a absoluta falta de critérios dessa intratável algoz, com a qual parece inexistir negociação plausível. Fosse sábia, a morte preservaria os bons, recompensaria os melhores com o prêmio de uma longevidade saudável e produtiva. O mundo, a vida, as relações seriam outras, e o paraíso talvez fosse aqui.
Semana passada, o pesadelo da dor maior assaltou covardemente o Supremo, levando-nos um dos seus mais queridos membros. E aqui não se trata de elogios póstumos. A homenagem vem mais da saudade, da irresignação com o nonsense repentino cristalizado na perda de um magistrado da envergadura do Ministro Menezes Direito. Cuida-se, sim, do profundo desconsolo pela falta que fará à necessária e cotidiana construção da Justiça, da cidadania, da ética, esse bem maior tão mais precioso quanto mais escasso se torna, ante as vertiginosas mudanças de paradigmas e valores que confrontam este século.
Carlos Alberto Menezes Direito se foi antes de completar dois anos no Supremo. Bastaria, porém, um só dia de atuação na corte para corroborar a clarividência que já se lhe tornara característica, o incomum descortino jurídico, a técnica apurada, o equilíbrio salomônico que procurava exercitar com apuro em cada decisão. Como no caso da Reserva Raposa Serra do Sol, quando proferiu voto que, de tão denso e percuciente, consolidou-se como verdadeiro marco regulatório. Ou no julgamento da constitucionalidade da Lei de Imprensa, em que concedeu liminar cujo teor antecipava inteiramente o entendimento adotado posteriormente pelo tribunal.
Ou ainda no exame sobre a validade das pesquisas com células-tronco, quando o esmero técnico falou mais alto que arraigadas convicções filosóficas e religiosas que lhe norteavam a conduta.
Austero, são bem conhecidos o denodo e a formalidade com que o Ministro resguardou a função pública.
Tinha precisa consciência da importância e, portanto, da responsabilidade inerente aos cargos que ocupava.
Foi assim sempre: como político exemplar — chegou a ser Prefeito em exercício da cidade do Rio de Janeiro por duas vezes, Secretário de Educação do Estado e Presidente da Casa da Moeda —, como Desembargador no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Ministro do Superior Tribunal de Justiça, por mais de onze anos.
Para além do acurado conhecimento, da vasta e erudita cultura que o fizeram Professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e membro do conselho da sociedade civil mantenedora dessa instituição de ensino, bem como Presidente da Fundação de Artes do Rio de Janeiro e do Conselho Nacional de Direito Autoral, Menezes Direito tinha a lhe distinguir atributos morais e qualidades de caráter que o fizeram, desde o início, parte do exclusivo clube dos líderes imprescindíveis.
Ao temperamento conciliador e leal aliava prudência, sobriedade e franqueza. Mesmo na mais firme defesa das próprias convicções, jamais deixava que lhe faltassem a urbanidade, a sensatez, o comedimento. Foi amigo de todos nós, colegas e servidores, para quem nunca deixou de ser solidário, atencioso, lhano. Mas, de tudo, a generosidade despontava como ponto forte, genuína marca registrada.
Por isso era ótimo julgador, além de infalível conselheiro. Aliás, ele mesmo anunciava que só é bom juiz quem é generoso.
No plenário do Supremo Tribunal Federal, a imagem da cadeira vazia do Ministro Direito simbolizará, à perfeição, a falta que fará ao Judiciário e ao país. O silêncio traduzirá nossa inconformada saudade. Contudo, haveremos sempre de celebrar em altíssono a memória de um brasileiro que soube honrar como poucos, até o fim, a bênção da vida, o brio da toga e a dignidade do próprio nome.