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A CPI e a credibilidade do Judiciário

5 de maio de 1999

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O Poder Judiciário, no plano da sua gestão administrativa, deve ser transparente por excelência, como qualquer setor do poder público.

Por isso mesmo, dizer-se contra a CPI, nos termos em que a questão está posta, dá a entender que o Judiciário estaria a esconder algum ato condenável. A questão, porem, precisa ser olhada, também, sob outros ângulos.

De início, não pode perder-se de vista que a criação da CPI há de observar a Constituição. E esta diz que tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no regimento interno, e só pode ser criada para apurar “fato determinado” e com “prazo certo”. Sobre o tema o regimento interno do Senado é expresso ao afirmar que não pode ser criada para apurar matérias relativas às atribuições do Poder Judiciário.

A Lei 1.579/52, que dispõe sobre o funcionamento das CPIs, fala sobre a convocação das autoridades federais, estaduais e municipais, mas não é expressa com relação aos juízes. No tópico, não será fácil atuar uma CPI instalada sob fortes emoções, a vista das suas citadas atribuições, sem violar o princípio da independência entre os poderes.

Será de indagar-se: poderá ela convocar juízes que, não em proveito pessoal, mas como garantia da sua independência funcional, têm foros privativos? Será que o poder de uma CPI pode ir a esse ponto sem violar o princípio fundamental da separação dos poderes que constitui cláusula pétrea?

Diante dessas circunstâncias, como proceder um magistrado se intimado para comparecer à CPI? Se comparecer, poderá estar violando uma prerrogativa que a Constituição lhe deu, que não lhe pertence, e da qual por isso mesmo, não pode abrir mão. Se não comparecer, poderá dar a impressão de que não está querendo colaborar com a apuração de eventual fato grave, isso no caso de a convocação não ter sido feita na qualidade de indiciado.

E a CPI como procederá na hipótese de não comparecimento? Irá solicitar a intimação ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre a testemunha? Terá ele poderes para determinar a prática do ato intimatório? E se essa providência resultar infrutífera? Tudo leva a crer: instalar-se-á sério conflito entre os poderes Legislativo e Judiciário.

E o juiz, se convocado? Provavelmente, mesmo sem querer se insurgir contra a comissão, terá de impetrar um habeas corpus, para que não seja acusado de abrir mão das suas prerrogativas constitucionais, que, mais que a ele, são inerentes ao poder a que pertence.

Tratando-se de questão constitucional de alta relevância, quem a decidirá, em última instância, será o Supremo Tribunal Federal.

Cabe ainda a indagação: será o Supremo competente para julgar, originariamente, habeas corpus contra ato de CPI? A sua competência originária no caso está adstrita a habeas corpus contra ato da Mesa do Senado (CF, at. 102, I, d). Se assim for, tempo precioso transcorrerá até que a Corte Constitucional possa decidir a questão.

Em suma, o assunto é preocupante, de alta relevância e tem profundos reflexos constitucionais. Não se trata de mero formalismo com intuito subalterno de esconder a verdade dos fatos.

De outra parte, a CPI atinge em cheio a credibilidade do Judiciário e coloca todos os magistrados sob suspeita perante a opinião pública, ficando, no mesmo nível, os honestos (a sua quase totalidade) e os desonestos (alguns poucos).

Valerá a pena tudo isso se a CPI terminar o seu trabalho com a aprovação de uma resolução, encaminhando ao órgão competente as provas relativas a infrações que apurar ou sugerindo a aprovação de projeto de lei sob o tema investigado?

Note-se que no Brasil só o Judiciário pode dizer da existência ou não de crime.

Penso que o melhor caminho, no caso, é a remessa das provas existentes que serviram para instruir o requerimento de CPI para a imediata apuração pelos órgãos competentes, com o acompanhamento público. Creio que muito tempo seria economizado e desgastes institucionais evitados.

Por outro lado, dever-se-ia estabelecer uma agenda positiva, visando a reforma urgente do Judiciário, inclusive com mecanismos que permitam, com rapidez, apurar eventuais irregularidades ocorridas no seu âmbito. Com tal proceder, lucraria a sociedade e a democracia. A instalação, pela Câmara, da Comissão de Reforma do Judiciário constitui um fato positivo. Seria muito alvissareiro se o Senado fizesse o mesmo.

Observo, por fim, que o meu posicionamento sobre o Judiciário e sobre a sua CPI nada tem a ver com o do Ministro Celso de Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal, segundo dão a entender algumas publicações pela imprensa. Tenho evitado pronunciar-me sobre o tema, porquanto vem sendo tratado sob o influxo de grande paixões a obscurecerem a razão. Tenho o dever pessoal, por convicção e institucional, pelo cargo que ocupo, de defender as prerrogativas do Judiciário, indispensáveis que são para a manutenção do Estado Democrático de Direito. E desse dever não me demitirei.