A crise no Judiciário e a criação do STJ

31 de dezembro de 2009

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A crise do Judiciário
No dia 20 de maio de 2004, o Superior Tribunal de Justiça comemorou o 15º aniversário de sua instalação. Naquela ocasião, falamos em nome do Conselho Federal da OAB o texto a ser descrito. Após, refletiremos sobre os últimos cinco anos.
A palavra crise, de etimologia grega, significou forma de opção, de escolha; mas no Brasil, a crise significa fase difícil, conturbada, aguda.
Em todos os tempos há crise do Estado, da sociedade, do Direito, da Justiça. Se como cidadãos estamos vinculados a todas essas crises, a da Justiça toca os magistrados, advogados e o Ministério Público, porque ela está nas nossas vidas profissionais e angustia a todos, e todos devem pelejar para a superação da crise da Justiça.
Pela primeira vez ouviu-se falar em crise do Supremo Tribunal. Andava-se pela década de 40, e algo clamava por soluções. Na verdade, era mais crise do Recurso Extraordinário  do que da Corte Suprema. Em 1946, quando da edição da Constituição, o Supremo recebeu menos de 2000 processos. Por isso, a Carta Magna criou o Tribunal Federal de Recursos, com 9 ministros, principalmente para julgar os recursos nas causas de interesse da União, antes apreciadas pelo STF.

Soluções
De 1947 a 1987, 40 anos portanto, verificou-se que o STF não saiu da crise, e o TFR também viveu período conturbado. Novamente providências foram tomadas, e a mais contundente foi a criação do Superior Tribunal de Justiça para conciliar as crises do STF e do TFR. Mas não bastava a criação de um tribunal, era necessário dar a ele ossatura, feição própria, e mensagem de otimismo aos militantes no Judiciário. Abriu-se a grande oportunidade do acesso das demandas a Brasília, na conciliação do poder da região, com o federalismo e a isenção de uma Corte longe dos embates locais. O cidadão acredita na Justiça e quer acesso, mas também quer a saída, no dilema da prestação jurisdicional segura e rápida, e isso não é resolvido nas eternas reformas do Judiciário, porque sem reforma estrutural da Justiça, desburocratização processual e reforma do Judiciário com objetividade, estaremos enganando a sociedade, os juízes, os advogados e os jurisdicionados, como ocorre na presente reforma, ora em exame no Congresso, simplesmente cosmética e superficial. Sem reforma processual profunda e objetiva para a massa das demandas, nada será feito. Processo para todas as camadas, e não processo complexo que não atinge aos milhões de demandas em curso no Brasil, e não solução para os órgãos de cúpula do Judiciário, vítima das consequências de um intrincado sistema processual, vazio de soluções para resolver,  com mais de dois milhões de processos que circulam somente na cidade de São Paulo.

A criação do STJ
Essa Corte foi criada para ajudar no combate à crise. Tem lutado tenazmente para superá-la e atender ao cidadão que respeita a Justiça e acredita no Judiciário, o mais respeitado e acatado dos poderes, aqui e no mundo. Necessita de meios, de fórmulas, mas o mundo jurídico agradece a este Tribunal pelo que fez, e fará, mas nos unamos numa cruzada para evitar uma chamada crise do Superior Tribunal de Justiça.
Essas observações refletiram a preocupação dos últimos quinze anos. Vejamos então, neste momento (março/2009), se as observações procediam na superação de uma futura crise do Superior Tribunal de Justiça.
Os problemas dos vinte anos
Muito esforço tem sido empreendido pelas administrações, e o profundo entendimento dos ministros no atingimento de metas ideais, numa Corte, talvez, a mais gigante do mundo, onde cada ministro recebe cerca de mil processos mensalmente. Com a maior diligência, se o magistrado julgar trinta processos por dia (inclusive domingos e feriados) concluirá o mês com novecentos processos findos, e na prateleira, para o mês seguinte, terá cem processos. Em 2008 foram recebidos 277.000 e julgados 354.000. É um número fantástico.
A adoção de regras para os recursos repetitivos dará ampla margem de escoamento de processos que exigem trabalho manual (informática, papel, divulgação e espaço).
A vintenária dicotomia REsp/RE ainda causa uma série de recursos, ou até dúvida sobre os procedimentos. Em qualquer dificuldade, haverá a interposição dos dois recursos, num volume nem sempre insignificante. Há necessidade de um esclarecimento ou desvendamento dessa dicotomia.
Sobre o juízo de admissibilidade do REsp, há exagero na negativa sobre as grandes questões, matérias relevantes, demandas de vulto, interesse geral ou de uma gama de pessoas. O que acontece? Nesses casos, os relatores dão provimento ao agravo, com grande tempo perdido com a interposição do agravo de instrumento.
O STJ estimulou (no salutar sentido) a adoção da medida cautelar para dar efeito suspensivo ao recurso especial. Teses avançadas foram defendidas, e deviam ser aplaudidas, para o prestígio da futura decisão do STJ. De nada vale o provimento do REsp muito tempo depois do cumprimento de uma decisão.
É fantástico o número de recursos e agravos interpostos. A sucessiva interposição de REsp e depois agravo é impressionante no volume de feitos e perda de tempo. O STJ recebeu, em 2008, 121.000 agravos. Ora, é repensar se estamos no paroxismo entre a liberdade na subida do então recurso extraordinário (sem juízo de admissibilidade até 1956) ou hoje, num imenso número de REsp/RE inadmitidos. A solução está na fixação de pressupostos para a interposição.
Muito se fala sobre estas soluções, algumas para o STF, que tem feição diversa de um tribunal de natureza infraconstitucional, e o tribunal da cidadania. A adoção da repercussão geral esvaziará o STJ nos dois sentidos: de processos e de prestígio. Este certamente, aquele continuará com a relutância de recursos baldios.
As dúvidas pronunciadas em 2004 continuam. Há necessidade da redução da competência do STJ? Aumentar o número de membros? É solução de empresa sem praticidade. Aumentar o número de empregados sem racionalização de serviços e atividades.
As restrições devem vir em lei, sobre matérias ou critérios de avaliação, numa transparência total.

O futuro
As preocupações continuam com um relevante tribunal, um dos maiores do mundo (270.000 processos no ano de 2008). É o cidadão confiante no acesso a esse tribunal. Encontremos as saídas.
O juiz deve adaptar-se às novas realidades e assumir as novidades com o pensamento inserido em observações de Richard Posner, em recente livro (How Judge Think, 2008, Harvard University).