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A disfuncionalidade do modelo trabalhista

31 de março de 2017

Membro do Conselho Editorial e Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia

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neypradoEstão dadas todas as condições para realinhar o país na vanguarda da modernidade.

O nosso “legalismo”, calcado no positivismo jurídico, nos tem levado à crença ingênua de que os conflitos de interesses no âmbito das relações de trabalho são mais adequadamente resolvidos por intermédio da regulamentação legal do que pela via da negociação direta entre as partes. Persiste na cultura trabalhista a confusão entre o papel da norma como estimuladora e geradora do progresso, independentemente dos processos reais da sociedade. A norma facilita ou dificulta o progresso, mas jamais materialmente o gera. A materialização do progresso pertence à ordem dos fatos, não à dos preceitos.

Destaca-se a crise de funcionalidade, resultante da perda de capacidade técnica do sistema para atender às reais finalidades a que teoricamente se propõe. Não basta a CLT e a Constituição de 1988 elencarem um infindável número de liberdades e garantias para o trabalhador. O problema não é uma questão de número e de forma, mas de qualidade e de eficácia. Em resumo, o importante é saber se o que está escrito na lei atinge efetivamente as suas finalidades.

É preciso, portanto, avaliar, com espírito crítico e de forma desapaixonada, a adequação do atual modelo trabalhista à luz dos seus resultados concretos.

Nesse sentido, importantes perguntas se impõem ao analista: o trabalhador brasileiro, o destinatário principal da lei, está sendo efetivamente protegido? A legislação do trabalho atual atende aos interesses do empregador, da empresa, dos sindicatos, da sociedade e do próprio governo? Suas normas facilitam a solução dos problemas sociais? Estimulam a expansão do mercado de trabalho? Estão consentâneas com o estádio de desenvolvimento do País? Contribuem para a promoção do bem-estar geral e a criação de uma sociedade mais justa e solidária?

As respostas a essas instigantes e complexas indagações exigem comprovação empírica. Somente a evidência concreta é capaz de mostrar se o modelo varguista é ou não funcional em nossos dias. Sua disfuncionalidade é notória, porque mais de 50% da população economicamente ativa do país estão na informalidade; porque restringe excessivamente o gerenciamento das empresas em função da rigidez e da inflexibilidade da maioria de suas normas; porque dificulta as fusões e incorporações das empresas pela vultuosidade do passivo trabalhista; porque enfraquece os sindicatos, lhes tirando boa parte da sua autonomia; porque dificulta a elaboração de políticas públicas, em razão das inúmeras normas “pétreas” contidas na Constituição; porque multiplica as demandas judiciais, em razão da inexistência de mecanismos de autocomposição; porque encarece o custo da produção, pelos altos encargos sociais; porque, além disso, dificulta a integração do Brasil num mundo globalizado e competitivo.

Tudo isso está a indicar que é chegado o momento da mudança. Estão dadas as condições históricas, políticas, econômicas, sociais e científicas para esse salto qualitativo e, quiçá, para realinhar o País na vanguarda da modernidade no campo das relações entre os novos fatores de produção: capital, trabalho e conhecimento.

Não cabe aqui indagar se, em algum momento, o modelo teve virtudes. Provavelmente, sim. Caso contrário não teria sobrevivido tanto tempo, em diferentes regimes políticos. Mas, o fato incontestável é que estamos vivendo os últimos estertores dos paradigmas implantados a partir da Revolução de 1930. Por isso a dialética entre o velho e o moderno está marcando, de forma cada vez mais intensa, os debates destes últimos anos.

Nesse debate, de um lado ficarão os conservadores, favoráveis à manutenção do atual modelo; do outro os progressistas, a favor da sua modernização.

Os primeiros, não obstante posarem de campeões da inovação, de fervorosos humanistas, de portadores de grande sensibilidade social, na verdade, nas judiciosas palavras de DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO: “em última análise são passadistas de boa fé, que continuam a adorar o bezerro de ouro estatal ou corporativistas de má fé, que continuam a adorar seus próprios privilégios”. Continuarão assim a defender, dogmaticamente, a ampliação da proteção ao empregado sem se preocupar com a sobrevivência da empresa; a enfatizar a importância do direito do trabalho sem levar em conta os aspectos econômicos do trabalho; a privilegiar o direito do trabalho sobre o direito ao emprego; a estimular o conflito de classes, ao invés da parceria; a priorizar o sistema de unicidade sindical compulsória sobre o de pluralidade sindical; a defender a contribuição sindical compulsória, ao invés da voluntária; a preferir a representação sindical por categoria, ao invés da representação por empresa; a advogar o princípio da irredutibilidade salarial, ao invés da flexibilização; a apoiar a remuneração fixa, ao invés da remuneração pelo resultado; a defender a jornada de trabalho rígida, ao invés da individualização do tempo do trabalho; a defender o direito de greve irrestrito, ao invés das limitações ao seu exercício abusivo; a priorizar a solução estatal dos conflitos, ao invés das formas alternativas de autocomposição; a defender o poder normativo da Justiça do Trabalho, ao invés da negociação direta entre as partes; a reafirmar as vantagens do intervencionismo estatal na economia, ao invés de fortalecer a livre-iniciativa; e continuarão a defender, enfim, a primazia do Estado sobre o indivíduo e a sociedade.

Estamos diante de uma tendência claramente manifestada e em curso, não mais de uma mera opção. Isso significa que o desejo da modernidade nas relações de trabalho já deixou de ser um exercício alternativo, como tantas vezes foi no passado, para se tornar uma necessária realidade.