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A família no contexto da globalização e suas repercussões no direito

30 de novembro de 2009

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Resumo da palestra proferida na Faculdade de Direito de Lisboa durante encontro jurídico luso-brasileiro, realizado em 9 de outubro de 2009

1. Quando, pela vez primeira, o termo “globalização” foi empregado, pelo alemão Theodore Levitt (1983), em referência ao surgimento de um mercado global, como fenômeno de aproximação econômica, no processo dinâmico de integração de trabalho, bens e serviços, tecnologia e capitais, a superar fronteiras, a antiga aldeia medieval, feita de um relacionamento primário, vê-se, enfim, transformada em comunidade internacionalizada, nutrida de um determinismo universal.
Antes, as torres das igrejas fizeram inventar os sinos, na chamada dos fiéis ao culto ou na advertência de avisos, implicando significados de núcleo de informação e de união da cidade, em torno delas. Hoje, a aldeia expandida tem a sua totalidade concebida pela tecnologia de comunicação dos satélites, em sucedâneo dos sinos, a demonstrar uma busca de unidade do gênero humano, onde o homem é situado em uma sociedade global, na sua marcha de história. Como diria Carlos Drummond de Andrade, um de nossos poetas maiores, o homem cansou de ser eterno e resolveu ser moderno.
Tempo e espaço, técnica e ciência, conduzem-no a uma nova realidade fenomênica, onde a globalização o coloca como cidadão do mundo, no ato instante de saber-se protagonista de uma modernidade constituída sem fronteiras.
Bem é dizer, então, que ele integra, a todo rigor, a família humana, uma única família humana, na casa comum da humanidade, eixo vertical para a compreensão do tema agora proposto a um breviário de observações pontuais.
Como o direito está a perceber a família no contexto da globalização, fruto de interpretação das mudanças experimentadas e a justificá-la a partir de modelos novos, é o que importa, de logo, assinalar.
De proêmio, cuide-se que a globalização intenta compreendê-la como uma só família. Não obstante esteja essa família global densificada juridicamente em famílias — diante da sociedade contemporânea — numa visão pluralista de famílias institucionalizadas nas suas variadas espécies. Não obstante, ainda, transcendam a tipologia de entidades familiares clássicas. Isto porque unas se mostram pela necessidade de igualdade de direitos dos que a integram e, sobremodo, porque em simetria de parâmetros de dignidade.
Essa primeira postura reflexiva desafia, portanto, a globalização a servir como instrumento eficaz ao direito, para gizar um universal normativo de base que sublinhe, oriente e inspire alicerce jurídico, a nível global, comprometidos os ordenamentos com os novos conceitos de família em alargamento manifesto. Essa, parece-nos, a visão otimista (e tomista) que nos é dada perceber, sob os rigores de um tempo mecanicista onde o homem habita perplexidades, em regência de crises, sem perder, porém, o potencial ético de sua humanidade intrínseca.
É ainda na bula de uma globalização que cumpre pensar um direito de família potencializado por esta, em pontes culturais que, atravessadas, sensibilizam caminhos convergentes a dizer sobre novos paradigmas, que integrem uma perspectiva uniforme de implicações jurídicas da família, contextualizadas em dimensão própria de uma sociedade globalizada.
Mais é dizer: nas variâncias desse tempo, os cânones da época moderna obrigam-nos a pensar o direito em relação simétrica com os fatos sociais, sempre a apontar vias de superação, concebido de forma compatível a intervir no real  e a encontrar a família como base de toda estrutura de uma sociedade. Afinal, “nela se assentam não só as colunas econômicas, como se esteiam as raízes morais da organização social”.
Em ser assim, impende tratarmos de uma resenha pontual e temática, agenda onde despontem, sobremodo, as relações familiares cuidadas sob vertentes de universais concretos. Quando se cogita de enunciar, principalmente, acerca dos novos modelos de família, da igualdade substancial de gênero, da violência doméstica, da filiação socioafetiva e de questões outras, as fontes de reflexão são informadoras de uma visão homogênica, porque há de assumir expectativas jurígenas de uma sociedade comunitária global, pouco ou nada influindo costumes ou culturas.
Em menos palavras, dentro de uma nova sociedade globalizante, os sistemas jurídicos tendem a definir linhas de orientação para a disciplina de interesses fundamentais no trato da família moderna, convergindo para uma evolução jurídica teleologicamente compartilhada.
Não há negar isso: independente de quaisquer aspectos geográficos, culturais e econômicos, a necessidade de o homem conviver, em família, é substancialmente igual, pelo que o direito o encontra, juridicamente, em similitude de mesmas perspectivas de dignidade, em todas as partes do mundo.
Pois bem.
Os arranjos conceituais de família, nos seus atributos — surgidos, aliás, a partir do século XV — têm na atualidade, sob os influxos do mundo globalizado, apresentado efeitos expressivos à configuração de novas estruturas familiares. De tal sorte, a partir de mudanças do modelo clássico patriarcal e/ou de inovações significantes que substituem, por exemplo, o pátrio poder pelo poder familiar, agora inerente ao casal e que, em valioso trespasse, redefinem as relações parentais, estabelecem novas formas de constituição familiar e instituem dinâmica de ordem jurídica destinada ao primado da dignidade da família e de seus membros, individualmente considerados.
Doutra banda, é com apropriada razão que, em sede de origem, estamos a pensar que, no plano jurídico, a globalização tem a sua gênese de influência a partir de uma consciência crítica, de vocação universal, na defesa dos direitos humanos, edificada pela Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, e consolidada, adiante, por diversos pactos internacionais de direitos civis e políticos. Figura naquela, em seu artigo 12, o dispositivo matriz de salvaguarda ao respeito pela vida familiar.
Mas não é só.
A tutela máxima da família tem sido compreendida dentro dessa perspectiva de causalidade, como resultado congênito da consagração dos direitos humanos à própria evolução do direito de família. Precisamente, os catálogos dos direitos fundamentais, traduzidos em convenções internacionais, estão a provocar, com urgência, um sistema globalizante de proteção integral da família, de efetividade ótima, em articulados que não se restrinjam às famílias nacionais ou comunitárias, mas havidos urbi et orbi.
Há um consenso universalista, portanto, quando a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950, arts. 8º e 12º ), a Carta Social Europeia (1961, arts. 16º  e 19º) e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000, arts. 7º, 9º e 33º) cuidam de proteger a família, ao tempo em que outros modelos, americano ou africano, reiteram a mesma vocação de ordenamento, como, a saber, a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969, arts. 11º e 17º) e a  Carta Africana (1981, art. 18º), figurando o valor da família como fonte comum e geradora de ordem jurídica.
Com efeito, apreciáveis repercussões jurídicas devem ser alinhadas e refletidas dentro do multifacetado projeto de modernidade que o fenômeno da globalização está produzindo, com padrões universalmente racionais, em resposta objetiva aos desafios da instituição da família. Estes desafios continuam perenes e até ampliados, convenhamos, pela correspondência de tal fenômeno.
2. De tal modo é assim que nos deparamos, de imediato, com o pluralismo das entidades familiares. Esse é um dos mais importantes novos paradigmas que o direito de família tem produzido, na atualidade, sob a égide de uma globalização convergente, onde um dos seus vieses marcantes e fundamentais se perfaz, induvidosamente, na socioafetividade como indutora de família reflexa, em novos enquadramentos da estrutura familiar.
A afetividade tem conduzido o direito de família à sua maior dimensão existencial, axiologicamente hierarquizada como valor jurídico, e cuja concretude tem se prestado a demonstrá-la como função essencial da nova família, a família contemporânea.
Em pensamento pós-moderno, o âmbito da família tem, por isso mesmo, novas composições, pelo seu atual modelo plural, não monolítico ou nuclear, de forte conteúdo solidarista e igualitário, em leitura da repersonalização de seus integrantes.
Segue-se, daí, que o rol familiar não poderá mais ser taxativo, em lei, a partir da família expressamente constituída pelo casamento, com acepção em apenas e somente duas realidades: como família nuclear estrita, formada pelo casal sem filhos; e como família nuclear consolidada, esta acrescida pela prole.
A própria lei começa a consignar outras entidades familiares socialmente constituídas como famílias monoparentais ou as formadas por uniões de fato. Diferentes outras estruturas interpessoais têm sido admitidas juridicamente como famílias, em visão pluralista conforme, delineando um novo álbum de família, a exemplo das advenientes de (i) posse de estado de filho; (ii) das uniões concubinárias; (iii) das unidades parentais sem chefia, como no grupo de irmãos; ou (iv) das pessoas sozinhas, solteiras ou viúvas, famílias singles, a cuja configuração a jurisprudência brasileira vem recepcionar nos fins da proteção do bem de família.
E mais outras famílias são possíveis, como as reconstituídas, com prole de uniões anteriores do casal, ou as fissionais, entendidas na Itália como entidade familiar experimental, formada por pessoas denominadas celibertárias, cuja unidade de convivência se resume aos fins de semana ou a períodos de lazer e viagem.
Exemplos mais interessantes ao direito de família são oferecidos, ademais, pelas entidades familiares ectogenéticas, diante das técnicas de reprogênese medicamente assistida, remetendo-se à legislação emergente e a uma doutrina aprofundada a conveniente regulação eficiente das hipóteses. Aqui, o fenômeno da globalização, atraído em convenções e pactos, está a reclamar tratamento uniforme a coincidir e harmonizar interesses elevados da dignidade da família, independente do país onde esteja ela constituída, em tessitura de um emergente biodireito familiar.
Questões polêmicas surgem, às expressas, a cada experimento de fertilização assistida. Discute-se aos dadores do elemento genético ou à mãe de substituição o seu direito de visita ao filho ou sobre o destino de custódia dos embriões excedentários, em disponibilidade ou não, para implantação, por parte do casal separado. Nesse último caso, controvérsia mais acendrada ganha lugar em se tratando de inseminação artificial heteróloga, a saber do Código Civil brasileiro dispor no seu art. 1.597, inciso IV, a presunção ficta da paternidade, em face da prévia autorização do marido.
3. De fato, efetivamente, um imenso mosaico de novas entidades familiares, com implicações jurídicas específicas, coloca-se presente.
A esse propósito, recente Lei brasileira, a de nº 12.010, de 3 de agosto passado, alterando o Estatuto da Criança e do Adolescente e outras leis, carrega consigo a proclamação da família extensa, conceituando-a como aquela que se reconhece existente e identificada, pelas suas relações, com os característicos de vínculos da afinidade e da efetividade.
A modificação introduzida no Estatuto, então editado pela Lei 8.069/90, traz o parágrafo único ao seu art. 25, com a redação seguinte:

“Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.”

E, dentre outras alterações, a reportada Lei nº 12.010, de 2009, trouxe, ainda, profundas reformas ao instituto da adoção, como instrumento de maior eficiência à proteção e interesses dos menores, e ao instituto do acolhimento familiar.
Bem a propósito, vale lembrar que, pioneiramente, o Código Civil brasileiro, de 2002, introduziu, em seu artigo 1.593, um novo conceito de relação parental, ao dispor que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou “outra origem”, em ordem de admitir, por essa última, origem diversa, situações juridicamente indeterminadas, que não se subsumam, exclusivamente, no instituto da adoção.
Ao informar — a ordem jurídica — tal ideia de parentalidade acrescida, resultado de impactante realidade fática — eis que o direito há de representar um sentimento palpitante de realidade —, sobreveio, por igual, também recentemente, no Brasil, a Lei nº 11.924, de 17 de abril passado. Traz ela relevante contribuição a essa parentalidade civil ao permitir que o enteado averbe, no seu registro de nascimento, o patronímico do padrasto, adicionando-o ao seu. De tudo, a referir, consoante se observa, o interesse de tutelar, de modo preciso, uma das novas formas de família.
Em outro exemplo, esse interesse primacial de tutela às demais entidades familiares também se extrai do contido no art. 5º, inciso III, da Lei brasileira nº 11.340, de 2006. Na denominada “Lei Maria da Penha”, relativa à violência doméstica, o referido dispositivo ali inserto contempla e identifica a família oriunda de qualquer relação de afeto, pelo que se sustenta, com interpretação extensiva, tratar-se de pioneira norma inclusiva das relações homoafetivas, no âmbito da ordem jurídica nacional.
4. A seu turno, a modernização do instituto do divórcio tem-se apresentado como fórmula de incremento da evolução do direito de família, colocando-o mais harmônico aos influxos da globalização. Bem de ver as recentes legislações de Portugal e do Brasil, que têm, umas e outras, revelado, a um só tempo, dinâmica de disciplina legal ao instituto.
Nesse objetivo, a Lei portuguesa nº 61/2008, em vigor desde 1.12.2008, inovou bastante o Capítulo XII do Código Civil, dando-lhe moldura mais contemporânea.  No Brasil, a Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, veio permitir a separação jurídica e o divórcio consensuais de casais sem filhos menores ou incapazes, por via administrativa, mediante escrituras públicas. E, em extensão desburocratizante do procedimento, tramita projeto de lei no Senado a permitir que pedidos de divórcio consensual sejam formalizados na internet, naquelas mesmas condições. Aliás, em Portugal, desde 13 de março de 2008, portal na Web, apoiado na Lei do Cartão do Cidadão, disponibiliza idêntico serviço.
Demais disso, sublinhe-se que a mais importante evolução ao instituto do divórcio avizinha-se, presentemente no Brasil, com o projeto de Emenda à Constituição de 1988, em curso no Senado, extinguindo o instituto da separação judicial, cujo lapso temporal de um ano é pressuposto necessário aos casais para a obtenção do divórcio. Cuida bem o legislador do término daquele instituto, quando já admitido o divórcio fundado em separação de fato ocorrente por dois anos, não mais se justificando, assim, a concomitância dos dois institutos, como ora sucede nos atuais Códigos Civil do Brasil e de Portugal.
5. Também no trato das responsabilidades parentais, a Lei portuguesa nº 61/2008, em vigor desde 1.12.2008, inovou bastante ao discipliná-las perante casos de ruptura da relação conjugal, por separação judicial ou de fato e por divórcio, ou em situações não análogas, no atinente ao exercício comum ou parcial do poder paternal ou familiar. Tais disposições consolidam a ideia-força de o efetivo e regular exercício do poder paternal interessar, antes de mais, à melhor proteção dos filhos.
Mas se assim o é, o processo interativo dessa relação tem reclamado, no atual cenário social globalizado, um severo enfrentamento de duas questões relevantes: (i) a do abuso de direito cometido pelo titular da guarda; e (ii) a da síndrome da alienação parental, como patologia jurídica pelo exercício abusivo da guarda jurídica unilateral.
O tema tem merecido as maiores preocupações do direito de família no contexto da atual globalização, a perquirir, inclusive, intervenções de direito internacional, por subtração do filho ao poder familiar do outro genitor.
A despeito de a regra geral conferir a guarda a quem revelar melhores condições para exercê-la (art. 1.584, CCB), cujo elemento característico corresponde ao melhor atendimento aos interesses do menor — sem que a atribuição implique, inexoravelmente, em prejuízo da relação paternal do outro, desprovido da guarda —, evidencia-se, na prática, ao pai ou à mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, uma redução sensível do seu poder familiar, tornando-os, em determinadas circunstâncias, figuras parentais deficitárias.
Não há desmentir tal fato, quando a lei defere o chamado “direito de visitação”, a espelhar, na previsão, uma convivência episódica, ao invés de disciplinar a coparticipação do genitor não guardião, em parcela objetiva do poder familiar. Isso significa uma atuação que supere a ideia da simples fiscalização da educação dos filhos.
Logo, o exercício do poder familiar por esse último deve representar uma participação mais ativa e presencial, aproximado ao filho na eficiência de preservar intacta e dinâmica a atuação paternal, em sua concepção personalista.
Cometerá abuso de direito, portanto, o detentor da guarda que, à luz do caso concreto, invalide tais premissas, recusando ou inibindo uma maior presença paterna ou, em evidência de maior abusividade, dificultando o exercício da visitação, sob o pálio egoístico de afastar afetivamente o filho do seu outro genitor.
Exatamente pela predisposição pessoal do guardião de não favorecer ou desestimular o interesse do menor em manter uma relação de maior proximidade com o genitor a quem não esteja confiado, visualiza-se o abuso do direito da guarda. O abuso de direito é espécie de ilicitude civil, agora previsto no art. 187 do Código Civil brasileiro.
A figura jurídica do abuso, na espécie, foi avaliada pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner como síndrome de alienação parental, considerada pela interferência promovida por um dos genitores na formação psicológica da criança para que repudie o outro, bem como por atos que causem prejuízo ou embaraço ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este.
Nessa linha de definição, o Projeto de Lei nº 4.053/2008, em trâmite na Câmara Federal, introduz e conceitua a figura da alienação parental na ordem jurídica brasileira. O projeto é apoiado em raros julgados de tribunais do país que, assumindo postura de vanguarda, aprofundaram o tema, em proteção do exercício pleno da paternidade e coloca, mais uma vez, o direito de família nacional entre os mais avançados.
A proposta assinala, por outro lado, que a atribuição ou alteração da guarda dará preferência ao genitor que viabilize o efetivo convívio da criança com o outro genitor, quando inviável a guarda compartilhada.
A propósito, esse novel instituto, advindo da Lei nº 11.698/2008, de 13 de junho, definindo a custódia compartida dos filhos (art. 1.583 do CCB, nova redação), ganha relevo, com igual emprego em outros países. Na Espanha (Lei nº 15/2005, 8 de julho), é admitida inclusive por pedido unilateral, em havendo parecer favorável do Ministério Público; e na França, Alemanha, Dinamarca e Suécia, a guarda compartilhada assume caráter preferencial.
Tudo está a indicar, de conseguinte, que novos institutos, à guisa desse exemplo, sedimentam a modernidade do direito de família, construtivo e internacionalizado por standards reconhecidos pela maioria dos ordenamentos jurídicos.
7. Com igual status comunitário, sublinha-se, afinal, o tema da violência doméstica, como política criminal de concreção dos direitos humanos inscritos em convenções e tratados. A família, mais uma vez, insere-se no contexto da globalização no instante em que a sociedade ocidental, com primazia, criminaliza condutas desviantes à dignidade familiar, dando maior enfoque à violência contra a mulher. O fenômeno da violência em família tem seu foro na comunidade internacional, que, ao fim e ao cabo, tem assinalado estatutos legais definidores de novos tipos penais.
No Brasil, a Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, versando sobre violência de gênero, assegura a autodeterminação pessoal da mulher,  colocando-a  sob tutela absoluta de seus interesses e direitos, na esfera familiar, prevenindo e reprimindo a violência doméstica.
Em Portugal, a política criminal de controle e prevenção desse tipo de violência superou a tradição minimalista do direito penal, reformando o Código Penal com a Lei nº 59/2007, de 4 de setembro. O crime de violência doméstica recebeu categoria delituosa própria, em relação ao crime de maus-tratos, tratado autonomamente no art. 152, adotando-se políticas públicas e sociais de proteção às vítimas, todas as que integrem o grupo familiar.
Torna-se imperativo, por extrema relevância, destacar que, mais recentemente, o direito português estabeleceu, com a Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, em vigor há poucos meses, regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à prevenção e à assistência das suas vítimas. O estatuto de vítima, com atribuição, direitos e cessação disciplinados no Capítulo IV da mencionada Lei, incorpora-se ao ordenamento pátrio, com inegável técnica de vanguarda.
8. Assentadas essas colocações, resta-nos entender, positivamente, os reflexos da globalização à família do mundo, isto porque ela mesma traduz, nas suas formas de organização manifestamente diversas, as mutações mais veementes da sociedade contemporânea.
Essa família mutante faz-se destinada à realização pessoal de todos os seus membros pela identidade que os coloca, em seus papéis familiares, atores significantes. Unidos e não apenas reunidos, em templo de convivência, constitutivo de harmonia social e afetiva.
Se a esse tempo globalizado não se permite, nele, a delimitação do conceito de família, arrimado a padrões socioculturais, em permanentes e céleres transformações, ao aplicador do direito cumprirá, com olhos de ver, ouvidos de ouvir e pele de sentir, compreendê-la no culto dos seus valores imperecíveis, ao extremo de vencer as diferenças e, mais que isso, as indiferenças.
Em derradeiro, haverá de prevalecer a advertência do consagrado jurista João Baptista Villela: “O amor está para o Direito das Famílias, assim como a vontade está para o Direito das Obrigações”. Nele, a família está inteira.
Inteiro em afeição, também coloco-me, perante todos, na honraria da palavra que vos dirijo.
Muito obrigado!