A Futura Cidadania

31 de outubro de 2011

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O século XX vestiu o pijama e se deitou para dormir o sono dos séculos. Foi um tempo de intensa violência, muitas guerras, grandes avanços tecnológicos e surpreendente criatividade. Ele dançou, representou, filmou, pintou, desenhou, escreveu, informatizou, inventou, invadiu, bombardeou, matou, chorou, reprimiu e libertou. Agora, deitou-se para morrer. Para dormir. Talvez para sonhar.

Se o universo nasceu de uma explosão, o século XX terminou apenas como um suspiro.
Há tensões, conflitos, atentados, mas a sensação é de que já vimos esse filme antes.

Os discursos se multiplicam, os poderes corrompem, os governos apodrecem. “Somos os homens ocos, os homens empalhados, uns nos outros amparados” (Os homens ocos, T. S. Eliot). Está mesmo na hora da mudança, de novas revelações. Precisamos nos converter ao século 21. Mas, quem vai povoá-lo?

Nas maternidades globalizadas de hoje, não há ultrassom ou pesquisa que nos ofereçam a resposta exata. Apesar disso, podemos concluir que os filhos do futuro terão traços de desencanto e de pragmatismo. Recusarão, sem dúvida, o “leite” das ideologias. Serão amamentados pelas mães, nunca pelos Estados. Exigirão comida saudável – de preferência natural. Ainda assim, não serão capazes de resistir a uma Coca-Cola ou a um Big Mac.

Os habitantes do século 21 terão um discurso mais próximo da televisão do que do livro. Substituirão algumas formas de raciocínio e alguns sistemas de associação de ideias. Receberão da tecnologia presentes irrecusáveis, com um conforto e uma magia que mudarão seus hábitos e a vida da sociedade. Não serão saudosistas nem preconceituosos, porque já não pensarão como as gerações atuais. Isso não será bom, nem mau. Será inevitável.

Os filhos do amanhã abandonarão de vez o maniqueísmo da finada Guerra Fria, a divisão do mundo entre mocinhos e bandidos, anjos e demônios, ricos e pobres. Enfrentarão conflitos tribais, discutirão a biodiversidade. Nos labirintos do holocausto populacional, buscarão saída para o efeito estufa e a falta de água potável.

Eles saberão que a independência não basta e o socialismo não funciona, porque terão examinado as lições das antigas colônias africanas e asiáticas do século 20. Evitarão as dados provenientes de regimes autoritários ou totalitários, porque estarão conscientes de que o autoritarismo deturpa a verdade, modificando-a, enquanto o totalitarismo cria a sua verdade. Saberão que as ditaduras têm sua própria história e sua própria geografia, inventam heróis e enaltecem os pusilânimes, arrancam as páginas dos livros, fazem desaparecer datas, hábitos, pessoas, lembranças, ruas – e até cidades inteiras.

Não serão pessoas inocentes, porque a miséria e a informação instantânea terão acabado com a inocência. Assim, serão obrigados a conviver com o mundo impiedoso dos menores carentes, da fome, da droga e da criminalidade. Mas, talvez não percam a sensibilidade e a vontade de reagir diante da banalização da violência e da morte.

Na relação entre as nações, os habitantes do século 21 terão compreendido que a destruição do meio ambiente não é fruto da riqueza, nem é necessariamente resultado da pobreza. Ela nasce essencialmente da ignorância e da desinformação. Os filhos do futuro saberão, portanto, que o único caminho para a sobrevivência será substituir a retórica da confrontação pela busca da parceria, da cooperação e do entendimento entre os povos.

O século 20 se deitou para dormir. Foi um tempo de aceleradas transformações, o que significa que tivemos perdas e ganhos, como acontece em todo processo de mudança.

Agora chegou a vez do século 21. Como serão os próximos anos? Quem vai povoar esse período? Podemos fazer algumas especulações, como efetivamente fizemos, baseados na suposição de que os seres humanos sempre aprendem alguma coisa a partir das experiências vividas. Estaremos certos? É uma esperança – vejam bem –, jamais uma certeza.