A Hipocrisia Ambiental (em poucas palavras)

31 de outubro de 2010

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Ouvimos todos os  dias, e a toda hora, e, — por que não dizer —, com irritante insistência, que caminhamos, a passos largos (e para os mais pessimistas, de forma irreversível), para retirar o planeta da excepcional estabilidade ambiental em que se encontra há mais de 10 mil anos, com consequências simplesmente impensáveis.
Não obstante não se possa negar a relativa veracidade do autêntico “alerta geral” que vem sendo constantemente consignado, particularmente, pela mídia, — inclusive com a persistente notícia no que concerne ao rompimento do equilíbrio de três dos nove “limiares planetários” (a mudança climática, a perda da biodiversidade e a alteração no ciclo do nitrogênio) —, continua a existir uma autêntica e lamentável conspiração, por parte dos políticos e, em alguma medida, também por parte dos principais estudiosos sobre o tema, no sentido de que a solução definitiva do problema deve se apoiar sobre o sinérgico combate aos efeitos do epigrafado imbróglio ambiental e não propriamente sobre as causas primárias que conduzem (e historicamente vem conduzindo) à origem do mesmo, qual seja, o contínuo e descontrolado crescimento populacional, notadamente nos Países subdesenvolvidos.
A própria ONU, através de relatório editado pelo seu Fundo de População (UNFPA), vem reconhecendo que “frear a expansão demográfica teria o mesmo impacto, em termos de redução de emissões, que substituir todas as termoelétricas à base de carvão por estações de energia eólica” (“O Globo”, 19/11/2009, p. 38), defendendo, por fim, o maior acesso das mulheres a métodos contraceptivos, ao planejamento familiar e à educação, como formas efetivas de se combater o denominado aquecimento global.
Ainda assim, a mesma UNFPA, em aparente contradição, deixa claro ser contra a imposição de uma consistente política de controle populacional, concluindo que a decisão quanto ao número de filhos continua sendo um direito inalienável de cada mulher, ainda que reconheça que 35% das gestações nos Países em desenvolvimento, simplesmente, não são desejadas.
Curioso observar, em necessária adição contextual, que há sempre um demógrafo de plantão preocupado, muito mais, em nos alertar dos supostos riscos inerentes a uma política de planejamento familiar (com a consequente alteração da pirâmide etária), — ignorando, de forma irresponsável, os consequentes efeitos do aumento da expectativa de vida em todo o mundo e do próprio prolongamento da vida útil humana, como bem assim dos extraordinários avanços da tecnologia aplicada ao trabalho e à produção econômica —, do que propriamente das terríveis consequências de uma total (e irresponsável) ausência de uma mínima preocupação (e consequente ação) a respeito do tema.
Neste sentido, não nos parece plausível (por imperiosa ausência de razoabilidade) cobrar um verdadeiro sacrifício de todos, — em efetivo desfavor da merecida qualidade de vida e do próprio direito ao bem-estar que cada um de nós legitimamente almeja como detentores da cidadania —, sem qualquer contrapartida com uma política global de planejamento familiar (e correspondente controle de natalidade) que permita, no longo prazo, verdadeiramente restabelecer o equilíbrio ambiental desejado (potencialidade de oferta de recursos planetários versus consumo quantitativo e qualitativo projetado), debelando, de modo pleno e definitivo, os riscos ambientais que supostamente ameaçam a própria sobrevivência da espécie humana a longo prazo.
Entender de forma diversa, — insistindo em apenas e tão somente restringir emissões de carbono na atmosfera, ou outras providências assemelhadas —, não nos parece uma solução adequada, até porque, a toda evidência, não ataca diretamente o problema (em suas causas primárias) e, sim, apenas o que alude aos seus efeitos observáveis, posto que não seria minimamente sensato restringir, por um lado, o direito inalienável de cada ser humano buscar melhorias no que concerne à sua existência no planeta (o que implica, ainda que indiretamente, em aumento pela demanda de recursos naturais), enquanto, por outro, manter a contínua (e sem qualquer controle) procriação irresponsável, ampliando, em última análise, a dimensão do próprio problema.
Oportuno consignar, neste contexto analítico, que ROBERT ENGELMAN, vice-presidente do Instituto Worldwatch, não obstante afirmar ser “quase impossível não relacionar crescimento da população e mudanças climáticas”, — reconhecendo, inclusive, que muito provavelmente já sejamos insustentáveis com os atuais 6,8 bilhões de habitantes (as projeções para 2050 apontam um mínimo de 7,95 bilhões de habitantes com uma taxa anual de fecundidade de 1.54 e um máximo de 10,46 bilhões de habitantes com um taxa anual de fecundidade de 2.5) —, ainda assim descarta o planejamento familiar como uma ação efetiva (e de curto prazo) para conter emissões de carbono na atmosfera.
Também, há de se estabelecer, dentro do escopo do pensamento dominante das principais organizações ambientais, um mínimo de coerência lógica no que alude ao assunto em epígrafe; ou seja: se procriar deve ser uma decisão livre de cada casal, mudar o estilo de vida (outra causa incisivamente apontada como fonte originária do aquecimento global), igualmente, não pode ser apontada como uma solução derradeira, — a ser necessariamente imposta a todos —, para debelar, em definitivo, o complexo problema ambiental.
Devemos, portanto, o mais rápido possível, pensar seriamente sobre a raiz matricial do presente desafio, deixando de lado a autêntica hipocrisia ambiental que tanto nos tem desviado das verdadeiras (e difíceis) soluções que devem ser implantadas em nome da necessária (e almejada) continuação do pleno florescimento de nossa Civilização.