A importância da análise de impactos regulatórios _ Entrevista com Alexandre Santos de Aragão

23 de julho de 2012

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A análise de impactos regulatórios (AIR), instituto criado para embasar as decisões das agências reguladoras, não vem sendo desenvolvida a contento no Brasil. A avaliação é do professor Alexandre Aragão. Nesta entrevista à Revista Justiça & Cidadania, ele denuncia: “o que vemos no País é a redução desse instrumento a procedimentos formalistas de consultas e audiências públicas”.

“A análise de impactos regulatórios envolve a realização prévia de estudos técnicos sobre as medidas a serem tomadas pelas agências. Ela exige a realização de estudos que comprovem a eficácia da medida, os seus benefícios e os ônus que ela causará para a sociedade, inclusive os impactos econômicos. É nesse ponto que as agências vêm pecando”, afirmou.

Para Aragão, em razão da setorização regulatória, faz-se necessária alguma coordenação. “Não dá para se ter várias instâncias regulatórias, independentes ou não, cada uma atuando sem ter atenção em relação às outras. Isso pode gerar várias consequências indesejáveis, como, por exemplo, contradição de normas administrativas, que gera insegurança jurídica e conflitos judiciais e administrativos; atrasos nas tomadas de decisões, porque um não sabe o que o outro está fazendo; e conflitos internos”, avaliou.

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

Revista Justiça & Cidadania – Em busca de um processo regulatório legítimo, consistente e eficaz, cada vez mais tem sido discutida a necessidade de uso da Análise de Impacto Regulatório. Qual a importância desse tipo de controle e de que maneira deve se dar, segundo sua opinião?

Alexandre Santos Aragão – A regulação econômica pode gerar efeitos negativos no desenvolvimento da economia, especialmente se aumentar desproporcionalmente os custos e a burocracia necessária à exploração das atividades econômicas, inibindo o desenvolvimento de pequenas e médias empresas, ou, ainda, indiretamente criando vantagens competitivas para algum participante do mercado, dentre outras coisas. Há o risco, também, de a regulação estatal apresentar-se desatualizada, morosa e excessiva, em prejuízo dos consumidores e empresários.

Aí está a importância dos procedimentos de análise de impactos regulatórios: eles obrigam as agências a previamente demonstrarem a razoabilidade de suas decisões, os seus prováveis custos diretos e indiretos, os benefícios esperados e a razão pela qual não foram escolhidos outros meios para atingir o mesmo propósito. Trata-se, em outras palavras, de uma análise prévia da proporcionalidade da regulação, com a necessária participação dos administrados.

JC – Comparativamente com outros países, mais desenvolvidos social e economicamente, como está a aceitação e implantação desse sistema prévio de controle regulatório no Brasil?

ASA – A análise de impactos regulatórios envolve a realização prévia de estudos técnicos sobre as medidas a serem tomadas pelas agências, e que respaldem a sua decisão, mas o que se vê, na maior parte dos casos, no Brasil, é a redução do instituto a procedimentos formalistas de consultas e audiências públicas.

A análise de impactos não se limita à participação dos interessados, muito embora essa seja uma fase essencial e inerente ao processo. Mas, antes disso, ela exige a realização de estudos que comprovem a eficácia da medida, os seus benefícios e os ônus que ela causará para a sociedade, inclusive os impactos econômicos. É nesse ponto que as agências vêm pecando.

JC – Em sua opinião, é válida a criação de uma entidade governamental que reveja a regulação federal, com base na análise de seu impacto, a exemplo do Office of Information and Regulatory Affairs – OIRA, existente nos Estados Unidos?

ASA – Em razão da setorização regulatória, é necessária alguma coordenação entre todas essas instâncias, desde que mantido o estatuto autonômico das que o possuírem. Não dá para se ter várias instâncias regulatórias, independentes ou não, cada uma atuando sem ter atenção em relação às outras. Isso pode gerar várias consequências indesejáveis, como, por exemplo: contradição de normas administrativas, que gera insegurança jurídica e conflitos judiciais e administrativos; atrasos nas tomadas de decisões – porque um não sabe o que o outro está fazendo; conflitos internos; e, para evitar a tomada de decisão em prol de um ou de outro lado, acabam não decidindo nada.

Haveria também, sem a coordenação, a possibilidade de não atendimento ao princípio constitucional da eficiência. Pode ser que um órgão já tenha feito estudos estatísticos da situação e o outro vai realizar de novo o mesmo estudo estatístico para saber como agir. Pode haver desperdício de tempo, dinheiro e pessoal.

JC – Há questionamentos sobre a prática contumaz do Estado, enquanto ente regu­lador, de normatizar em excesso ou sem a devida avaliação das suas consequências sobre o ente regulado e a sociedade em geral determinados assuntos. Quais as implicações que isso pode ocasionar?

ASA – As implicações principais seriam, em primeiro lugar, a sedimentação de um Estado paternalista, em evidente prejuízo da liberdade dos cidadãos e, em segundo lugar, a imposição de prejuízos econômicos para os participantes do mercado, desproporcionais aos supostos benefícios sociais visados.

Essa normatização exacerbada e não fundamentada é justamente o que se quis evitar com a adoção do modelo das agências reguladoras independentes, que buscava garantir a especialidade, tecnicidade e estabilidade da regulação.

JC – O senhor poderia citar exemplos de normatizações impostas pelas agências regulatórias que, havendo uma AIR prévia, provavelmente não teriam sido adotadas?

ASA – É difícil afirmar que uma determinada medida não teria sido adotada caso fosse realizada previamente uma análise adequada de seus impactos, já que tal juízo envolve questões de ordem técnica e econômica sujeitas a um processo dialético de discussão. Em nossa experiência, contudo, participamos de algumas audiências e consultas públicas promovidas por agências reguladoras, nas quais claramente não foi realizada a AIR ou estudos equivalentes previamente, o que poderia ter alterado o resultado do processo.

Esse é o caso, por exemplo, da resolução da ANVISA que versa sobre a proibição do uso de ingredientes em produtos derivados do tabaco comercializados no País. Apesar da gravidade dessa medida, não se teve notícia da realização pela Agência reguladora, de estudos para apontar objetivamente os ônus e os bônus da medida proposta. Tal estudo poderia, em tese, ter levado a conclusões diversas.

Não é possível, enfim, saber de antemão se a realização de AIR em alguns casos levaria à não edição de algumas medidas atualmente em vigor. Mas, em alguns casos, fica claro que a não realização dessa análise pode levar a enormes prejuízos, em especial pela desconsideração de elementos essenciais à tomada de decisões regulatórias.

JC – Pode-se afirmar que a AIR é uma exigência do princípio da motivação?

ASA – A análise de impactos regulatórios certamente é uma expressão desse princípio, e também do princípio da eficiência, embora haja uma certa controvérsia sobre se seria uma exigência deles extraível diretamente (imediatamente aplicável).

Explica-se: a análise de impactos regulatórios e todas as fases e procedimentos nela incluídos são formas por excelência de motivação da medida regulatória, bem como de concretização do princípio da eficiência, já que permitem que se demonstre as razões para a sua edição, a sua comparação com outras possíveis medidas, as consequências esperadas da sua aplicação e os ônus sociais e econômicos que dela serão derivados.

Diante disso, é possível afirmar que a AIR, considerada de forma genérica, é uma exigência não só dos princípios da motivação e da eficiência, mas também do princípio da proporcionalidade, já que, em qualquer caso, impõe-se à Administração que demonstre os motivos pelos quais adotou determinada medida regulatória, bem como que ela é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.

Mas não se pode dizer que um determinado proce­dimento concreto e detalhado de AIR, com todas as suas fases, é uma exigência direta desses princípios, já que as medidas concretas que serão adotadas pela Administração Pública para motivar os seus atos poderão variar no caso concreto e não exigir tamanhas formalidades.

O Judiciário brasileiro já se manifestou algumas vezes sobre esse tema, exigindo a elaboração de estudos prévios à realização de consultas e audiências públicas, a fim de permitir uma participação efetiva dos interessados. Nesse sentido, o E. Tribunal Regional Federal da 4a Região decidiu que “realizar audiência pública sem antes promover estudos determinaria uma consulta popular sem conhecimentos técnicos suficientes, a população sequer teria sido convenientemente informada sobre a discussão dos impactos que a região sofreria. É o princípio da informação e publicidade que precisa ser assegurado de forma correta e consistente. Participação desinformada equivale a participação nula. (…) O princípio da participação pública assegura ao cidadão o direito de intervir na tomada da decisão devidamente informado, participação desinformada não é participação e o direito à informação deve se dar no momento adequado, na profundidade necessária e com clareza suficiente” (TRF4, APELREEX 2001.71.01.001497-1/RS; Rel. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler, 4a T., j. 19/10/2009).

O Tribunal Federal da 1a Região também já se manifestou no sentido de que “consistindo a audiência pública numa forma democrática de se propiciar o amplo debate, no seio da sociedade, acerca de determinado tema, afigura-se legítima a pretensão deduzida em juízo, com vistas na divulgação do Relatório de Diagnósticos elaborado pela autoridade impetrada, para fins de discussão pública do Relatório de Alternativas para a Reorientação Estratégica do Conjunto das Instituições Financeiras Públicas Federais, como consequência daquele, prestigiando-se, assim, o direito à informação, a que faz jus a parte interessada, e o princípio da publicidade dos atos administrativos” (TRF1, AMS 200034000254715, 6a T. Rel. Des. Souza Prudente, j. 04/06/2007).

JC – A AIR também pode ser utilizada para avaliar uma regulação já existente. Realizada dessa forma, ainda há chances de ser eficaz? 

ASA – A eficácia da AIR feita a posteriori depende justamente do reconhecimento desse procedimento como uma exigência do princípio da motivação e/ ou da proporcionalidade. É recomendável que toda regulação seja submetida a análises periódicas dos seus efeitos práticos, como uma decorrência do princípio do trial and errors (tentativas e erros) das políticas públicas.