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A Justiça do Trabalho existe porque precisa mesmo existir

31 de março de 2017

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Alexandre Agra BelmonteO deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, meu conterrâneo e por quem tenho grande apreço, declarou que a Justiça do Trabalho não deveria existir.

Em todos os países do mundo ela existe, centralizada ou descentralizada, juntamente com as leis trabalhistas. O Código do Trabalho de Portugal, por exemplo, é de 2009. E as Diretivas Europeias procuraram unificar, dentro do possível, os direitos trabalhistas entre os integrantes da Comunidade Europeia para oportunizar empregos em qualquer dos países convenentes.

Quanto à Justiça do Trabalho, autônoma ou integrante da justiça comum, existe, porque precisa mesmo existir. Faz parte do direito à cidadania poder recorrer ao Judiciário diante de conflitos trabalhistas, quer se trate do trabalhador ou do empresário.

Os mais novos talvez não estejam familiarizados com o fato de que os direitos trabalhistas, mundialmente convencionados em 1919, como parte do tratado de paz à primeira grande guerra, tiveram por finalidade corrigir um quadro de abusos empresariais que levaram à uma convulsão social generalizada. Tão importante é a Organização Internacional do Trabalho – OIT, que se tornou órgão da Organização das Nações Unidas – ONU em seguida ao fim da segunda grande guerra, quando reafirmada a necessidade da uma legislação internacional mínima que, frente à livre iniciativa, propiciasse ao trabalhador condições dignas.

Livre iniciativa e trabalho são os instrumentos, por excelência, de crescimento de um país. Mas o posto de trabalho deve resultar de efetivas oportunidades educacionais, que qualifiquem o trabalhador para o mister e deve ser valorizado como meio de subsistência e de realização pessoal.

No caso do Brasil, os direitos dos trabalhadores estão reconhecidos nos artigos 7o a 11 da Constituição.

Como muitas vezes setores da sociedade não se conformam com a necessidade da concessão ou do respeito a esses direitos, quer por má informação, quer porque só enxergam o seu lado, quer porque nunca experimentaram (felizmente) as dificuldades do crescimento em uma situação socialmente adversa, a Constituição impõe, no art.170, os limites morais ao exercício da livre iniciativa: condições dignas de trabalho, respeito ao valor social do trabalho e meio ambiente saudável.

À Justiça do Trabalho cabe, no exercício de sua missão constitucional, reconhecida pelo povo brasileiro, prevenir e compor os dissídios trabalhistas, individuais e coletivos. Isso num país com mais de 206 milhões de habitantes, que é um dos campeões mundiais em acidentes do trabalho e doenças profissionais. Num país com enorme deficit de educação para a ocupação de postos de trabalho. Num país com uma desigualdade social no mínimo assustadora. Num país com a maior rotatividade de mão de obra do mundo (média de 2 anos de permanência no emprego) e sem um tratamento diferenciado para as pequenas, médias e grandes empresas. Num país onde persistem notícias e evidências de trabalho análogo ao de escravo.

Atribuo à lei trabalhista e à Justiça do Trabalho a paz social num país com o ambiente adverso e convulsionado. Num país em que em oito das maiores capitais o trabalhador gasta, em média, duas horas para ir e voltar do trabalho e o sistema educacional não o qualifica para a disputa do país no setor quaternário (em 2005, Coreia do Sul, Japão, EUA e Inglaterra exportaram em conhecimento o equivalente a três vezes todas as exportações brasileiras de soja e derivados).

Num quadro adverso como esse, não fosse a Justiça do Trabalho, prevenindo, auxiliando a negociação e compondo conflitos coletivos, viveríamos em meio a greves sucessivas, isso para não traçar um quadro mais pessimista.

Outrossim, como o art.7o, I, da Constituição, protetivo da despedida arbitrária ou sem justa causa não foi regulamentado, boa parte das milhares de ações que tramitam no Judiciário trabalhista dizem respeito a direito rescisórios impagos. Isso sem falar nas ações acidentárias, nas reclamações de assédio moral, falta de recolhimento do FGTS, despedidas discriminatórias, desigualdades salariais, atrasos salariais e ações civis públicas sobre descumprimento da legislação trabalhista.

Enquanto o país cresceu, ninguém reclamou da lei trabalhista e da Justiça do Trabalho. Pelo contrário, ela teve até a sua competência aumentada.

Agora, que o país está às voltas com os efeitos da má administracão econômica e da corrupção, os trabalhadores e aposentados tornaram-se os culpados.

Se 13 milhões de trabalhadores, por conta da corrupção e da má administração que levaram à maior recessão experimentada pelo país não estão empregados, por que agora a Justiça do Trabalho e a lei trabalhista aparecem como Pilatos na Credo ou como Geni?

É lógico que o negociado deve prevalecer sobre o legislado. Mas a Justiça do Trabalho cumpre a lei e a lei não permite porque no Brasil não há pluralidade sindical e os sindicatos não são efetivamente representativos para efeito de negociação.

É lógico que a lei trabalhista precisa ser atualizada. É corporativa no plano coletivo. É excessivamente burocrática e intervencionista no plano individual. Não dedica atenção às novas tecnologias. Não insere o trabalhador na vida empresarial e nas novas formas de produção. Deixa pouco espaço para as negociações. É desatenta à compatibilização dos direitos do trabalhador com as necessidades empresariais. Preocupa-se mais com a remuneração das horas e minutos extras, do que em inibir a sua prestação para oportunizar novos empregos numa mesma ocupação ou em fixar remuneração com base nas produções quantitativa e qualitativa durante a jornada normal de trabalho.

Também é lógico que a prevalência do negociado sobre o legislado por si só não irá gerar empregos. Educação, mobilidade urbana, incentivos à formalização, tratamento diferenciado para as pequenas empresas (que respondem por mais de 60% dos empregos) e inibição da prestação de horas extras é que incentivarão e darão novos empregos. E a motivação para a despedida é que freará essa rotatividade insana que hoje assola o país.

E qualquer que seja o quadro, uma Justiça do Trabalho será sempre necessária. Ela é a garantia da paz social.