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A legalidade em questões estratégicas

8 de agosto de 2012

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A Legalidade é um dos baluartes defendidos pela Confraria Dom Quixote e, por extensão, pela Revista Justiça & Cidadania em sua defesa do Poder Judiciário, enquanto baliza do Estado de Direito Democrático. A proposta ao editor é vencer o desafio de colocar sob uma perspectiva estratégica, o Princípio da Legalidade e o papel político do Poder Judiciário.

A atuação das cortes brasileiras nas lides em curso e a jurisprudência acumulada, certamente, terão repercussão nas futuras gerações. Dentro deste enfoque polêmico, temos exemplos recentes de julgamentos perante o Supremo Tribunal Federal que merecem destaque.

Numa palestra promovida na Casa Laura Alvim antes da Conferência RIO + 20, o gerente de relações institucionais do Instituto Ethos, Henrique Lian, diagnosticou que o Brasil possui uma ampla vantagem no cenário internacional para promover a transição para um modelo econômico sustentado. Esta diagnose positiva se faz acompanhar sempre das dúvidas inerentes ao fato de que o Brasil é o “país do futuro”, um futuro que nunca realiza. O Brasil já ocupou, antes, posições estratégicas no cenário internacional, mas não traduziu as mesmas em conquistas, pelo contrário, foi derrotado em duas guerras indiretas de sabotagem. Este é o momento de refletir sobre nosso passado comum e avaliar o contexto destas derrotas.

A primeira oportunidade aconteceu no século XIX, quando a expansão da nossa frota naval ameaçou a Pax Britanica e o império promoveu uma guerra indireta, já que não podia combater abertamente a dinastia dos Braganças que lhe deu apoio contra Napoleão.

A queda da monarquia resultou diretamente da quebra da economia pela abolição da escravatura sem reforma agrária (…), seguida da criação de uma república submissa que fechou o arsenal da Marinha, passou a comprar navios britânicos e se tornou mera coadjuvante no cenário mundial até a quebra da bolsa de Londres em 1930.

O Brasil da revolução de 3 de outubro demorou 15 anos para fazer uma transição formidável de uma economia baseada em monoculturas até a garantia estratégica da implantação de um parque industrial com transferência de tecnologia siderúrgica.

Na cena internacional, outro império já despontava e demonstrou o alcance de seu braço ao tirar do poder o estadista (na opinião de Roosevelt) que guiava nossa nau, com a participação ativa do embaixador Adolf Berle Jr. no golpe de Estado de 1945. Fato ofuscado pela eleição de Getúlio Vargas em 1950.

A 2a oportunidade estratégica brasileira aconteceu do tratado de cooperação entre o Brasil e a China. O primeiro passo do desenvolvimento do comércio bilateral foi o acordo. Entre o Banco do Brasil e o Banco da China, da ordem de 56 milhões de dólares, na data de 21 de agosto de 1961.

Todas as engrenagens da Guerra Fria (a CIA tinha um orçamento de U$ 2 Bilhões) foram acionadas para impedir que tal aliança transformasse o Brasil na 4a potência mundial. Foi em 1961, que o Estado Maior norte americano planificou de fato a invasão do nosso território, mas a intervenção foi adiada pela “cadeia da Legalidade” e superada pelo parlamentarismo, onde o poder de ratificação de tratados internacionais passou às mãos do primeiro-ministro. O acordo não foi ratificado.  Usaram a “Legalidade” contra nós…

Podemos avaliar nossas perdas pelo volume da relação estabelecida, após o dólar deixar de ter lastro em ouro e se desvalorizar 70% na cotação do mercado internacional. Nixon teve que visitar a China em 1971, acabou a guerra do Vietnã e nunca aconteceu a crise do petróleo (a OPEP estava apenas tentando recompor o preço do seu produto).

A “Cadeia da Legalidade” se destaca nos registros republicanos da história da humanidade e levou os “gestores” do Poder executivo norte americanos a incrementar as “cover actions” no Brasil.

Sabemos do financiamento da eleição de centenas de parlamentares em 1962, do “arrendamento” de 85% das redações dos jornais (CPI do IBAD), da produção de um filme de propaganda golpista a cada 3 dias durante 2 anos (Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe, 2001, Editora Mauad, da jornalista Denise Assis), dentre outras “ações encobertas” (O Grande Irmão – Da Operação Brother Sam aos Anos de Chumbo do Professor Carlos Fico, Editora Civilização Brasileira) que levaram à ruptura da Ordem jurídica e solaparam as bases da então única potência emergente no hemisfério Sul.

A CIA, além de bombardear durante 2 anos os oficiais da ativa com boletins do IPES, tachando o governo de comunista, enviou o capelão Peyton para organizar passeatas usando um slogan que teve a adesão de muitos em defesa de Deus, da Família e da Pátria! Registre-se que as gravações de Kennedy apontam que inexistia ameaça comunista no Brasil, pois seu número era insignificante e o problema era a resistência dos nacionalistas; contudo iam usar o comunismo como plataforma de propaganda para atacar o governo Jango.

Por fim, surpreende verificar que o objetivo do golpe de Estado em 1o de abril de 1964 era uma “guerra civil sangrenta”. Realmente, o governo Jango terminava em 6 meses e JK era o favorito para assumir a presidência em 1965.

Para quem pensar que estamos tratando de “arqueologia política”, lembramos que o desenho da estratégia usada contra João Goulart com o financiamento externo e direto de 3 governadores de oposição (Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar de Barros) objetivando o separatismo foi usado na Bolívia. O historiador Moniz Bandeira previu, com um ano de antecedência, os problemas enfrentados por Evo Morales, quando da transferência para La Paz do embaixador que presidiu o fim da Iugoslávia. Os 3 governadores das províncias mais ricas, receberam financiamento externo para fazer oposição e pregando a divisão do país!

Uma “sabotagem” mais sutil que o patrocínio direto e o envolvimento da CIA no golpe de estado de 2002 na Venezuela.

Os fatos podem revelar mais do que as opiniões e notícias divulgadas na imprensa. Na balança dos interesses internacionais prevalece a vontade imperial em detrimento dos princípios da Revolução Norte americana de 1706 que moldam o Estado de Direito democrático. Como confiar na posição dominante publicada nos principais meios de comunicação da imprensa sul-americana, quando sabemos que estes foram reunidos nas décadas de 50/60 sob a SIP, sob a batuta da CIA? O que é informação? Propaganda?

Os gestores do Poder Executivo de 24 países europeus violaram o Estado de Direito permitindo os vôos noturnos da CIA transportando prisioneiros para a base de Guantánamo e a comunidade internacional assistiu a invasão do Iraque sob a alegação da necessidade da destruição de um arsenal de armas que não existia. O patrocínio do golpe no Brasil em 1964 também violou a constituição norte-americana! O Estado de Direito no hemisfério norte é uma farsa!

Podemos afirmar que nada mudou quanto à dicotomia entre o discurso e os gestos da política externa norte-americana desde a época dos irmãos Dulles. O chefe do Departamento de Estado, John Foster Dulles, refletia a ética norte-americana: o mundo como gostaríamos que ele fosse. Enquanto assumia publicamente essa posição, seu irmão (Allen Welsh Dulles) ficava à vontade para lidar com as realidades mais desagradáveis, para derrubar governos e executar manobras clandestinas em todo o mundo, usando os fundos praticamente ilimitados do CIA.

O fato é que o Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos aprovou uma resolução em 1948 autorizando as “covers actions” desde que as operações fossem secretas, e permitissem que o governo pudesse negar, com foros de plausibilidade, sua participação nas mesmas. (The Invisible Government, Thomas B. Ross do Chicago – Sun Times e David Wise do New York Herald Tribune, 1964).

A importância deste processo histórico cresce quando analisamos a diagnose de Henrique Lian de que o Brasil possui novamente uma posição estratégica privilegiada no cenário internacional, mas nos deparamos com as denúncias de que estamos sofrendo um processo de manipulações externas por meio de ações encobertas sob a bandeira do ambientalismo! (Máfia Verde – Capax Dei Editora).

Estas denúncias resultaram na instauração de uma CPI das ONGs no Senado Federal em maio de 2001 e o relatório final aponta a natureza da ameaça ao Estado Nacional: “O acúmulo de interesses contrários, de monovisões, típicos das ONGs, não pode substituir a voz única e forte do Bem Comum, que só o Estado pode prover.”

A nossa legislação, que era a mais avançada na década de 80, conforme observação do Mestre Barbosa Moreira em sala de aula, sob o impulso de influências externas se tornou a mais restritiva do planeta na década de 90 com criminalização determinante de iniciativas que retardam ou bloqueiam empreendimentos na área de infraestrutura energética e viária.

Um relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica apontou que 24 projetos de usinas hidrelétricas que receberam concessão entre 1998 e 2005 não tinham iniciado as obras por falta de aprovação dos estudos ambientais. No mesmo ano de 2005 o Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, destaca a dificuldade com licenciamentos ambientais até para fazer o recapeamento de estradas existentes. Todas estas dificuldades poderiam ser explicadas pelo zelo excessivo dos agentes do Poder Público, mas neste mesmo ano é criada contra a vontade da população do Estado de Roraima, a reserva Raposa/Serra do Sol com 1,7 milhão de hectares que abrange 10 % daquele território.

Vale reproduzir o depoimento sobre a inspiração de origem externa da medida pela resposta do governador Ottomar Pinto à Folha de São Paulo (24/4/2005): “O presidente Lula disse na minha frente e da bancada (de RR) que toda vez que ia ao exterior recebia pressões e reclamações favoráveis à homologação da reserva. Disse que ele tinha pressa em atender a essas demandas.”

O Valor Econômico (24/2/2005), registra o teor da palestra “As lições da Europa para a Governança Global” de Pascal Lamy, na época comissário de Comércio da União Européia, onde diz que a floresta amazônica e as demais florestas tropicais do planeta deveriam ser consideradas “bens públicos mundiais” (cit. pág. 19 – Máfia Verde 2).

Novamente poderíamos afirmar que se trata de uma nova “Teoria da Conspiração”, caso o país inteiro não tivesse lido a notícia vazada na imprensa de que a Amazônia era um dos alvos estratégicos para intervenção militar na lista dos “falcões” do governo Bush, depois do Iraque, Afeganistão, Síria e Irã. Também é necessário pesar que 30% da economia norte-americana é voltada para a indústria bélica e que U$ 1,5 trilhão de dólares do orçamento anual está comprometido com a indústria da guerra. Eles precisam e vivem da guerra.

Neste sentido, a estratégia de resistência soberana à maior potência militar da História humana é a mesma ditada por João Goulart – pacífica, ordeira e civil – mediante a defesa da Legalidade e do diálogo democrático. É preciso atuar de maneira política e consciente.

Os gestores dos 3 Poderes precisam atuar de maneira soberana. No caso do Poder Judiciário, a jurisdição é exercida nos mesmos limites da soberania e ainda que não se possa concluir pelo acerto ou desacerto das decisões já prolatadas, afastando qualquer pretensiosa revisão, é evidente a necessidade de despertar a atenção dos nossos operadores jurídicos para vários aspectos essenciais à defesa das nossas futuras gerações brasileiras.

A primeira questão estratégica é a defesa dos interesses brasileiros. Posso ouvir questionamentos sobre a validade de pregar qualquer tipo de nacionalismo cuja ideia está associada ao facismo, mas no novo paradigma se reconhece a membrana como um fator evolutivo que engendrou a evolução e a complexidade dos seres na natureza. Tal como um organismo vivo, o Estado Nacional necessita usar suas fronteiras para marcar sua soberania e se desenvolver administrando de uma forma saudável este filtro nas trocas com o meio externo.

O ambientalismo está impregnado por uma visão fundamentalista e obscurantista que contaminou toda a administração pública, inclusive o Ministério Público. Um exemplo é a promoção de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o STF contra o Decreto Estadual 41.921 de 10 de junho de 2009. O Decreto garante o uso de 10% de certas zonas para desenvolver projetos turísticos no âmbito da APA TAMOIOS.

O INEA, órgão responsável pelo licenciamento ambiental no Estado do Rio de Janeiro, simplesmente ignora a vigência deste Decreto fazendo valer outro Decreto, o de no 20.172/94, que é mais arbitrário e sem fundamento técnico (nunca foram realizados estudos de capacidade) e não permite o uso sustentado de uma propriedade dentro do âmbito de uma APA.

O Estado do Rio de Janeiro até hoje só contratou um estudo técnico para zoneamento desta APA, mas que não agradou aos integrantes do Conselho Consultivo da Unidade de Conservação, fundamentalistas que comungam o tal “princípio da precaução”. Quanto mais restritiva a regra melhor! Em termos práticos, as APAS, que devem garantir o uso sustentado das áreas degradadas mediante a recuperação ambiental, se tornam Áreas de Preservação Permanente porque ninguém consegue licenciamento necessário.

O Brasil necessita de uma ampla infraestrutura para o Turismo que é a atividade sustentada por excelência, com a melhor relação investimento/criação de empregos e com menor impacto ambiental. Investimos fortunas para estimular o crescimento deste setor trazendo grandes eventos para o País, Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, mas o setor privado não consegue expandir a rede hoteleira. Angra dos Reis é um exemplo do que acontece no resto do País.

A primeira regra para instalar um hotel é a localização. Os turistas querem visitar lugares paradisíacos, bonitos e/ou relevantes. A indústria do Turismo no Brasil é ainda incipiente e se revela uma alternativa estratégica para desenvolver atividades sustentadas e preservar o meio-ambiente.

A retórica de que o zoneamento restritivo busca preservar a floresta e a mata intocada cai diante do histórico da Ilha Grande que durante 400 anos foi explorada e o solo está empobrecido pelas monoculturas. A regeneração das matas se deve principalmente aos proprietários que investiram na recuperação e/ou preservação das áreas, objetivando desenvolver projetos sustentados.

A revisão do plano de manejo da APA produzida dentro do Conselho Consultivo não contemplava Zonas de Interesse Turístico na Ilha Grande que recebe 400 mil turistas por ano. O local carece de hotéis e pousadas por força de um zoneamento restritivo sem base técnica. O turismo é de baixa qualidade, poluente e predatório. As embarcações não possuem infraestrutura e/ou meios de atracar legalmente nas praias e são comuns os acidentes com morte de banhistas.

A inexistência de “Zonas de Interesse Turístico” no Decreto de Revisão do Plano de Manejo da APA Tamoios foi questionada numa reunião na sede do INEA no dia 4 de agosto de 2011. Um dos mais conceituados ambientalistas do País, o secretário de Meio-Ambiente Carlos Minc asseverou de forma enfática que o decreto substitutivo que levaria ao Governador para ser assinado contemplava a existência de “Zonas de Interesse Turístico”. Para reforçar esta posição, Carlos Minc consultou o Diretor responsável, André Ilha, que assegurou a existência dessas zonas.

Ambos, o Secretário Estadual de Meio Ambiente, Carlos Minc e o Diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas (Dibap) do INEA, André Ilha, desconheciam o conteúdo do decreto que iam apresentar ao Governador!

Angra dos Reis é um dos pólos turísticos estratégicos e emblemáticos do País e as autoridades responsáveis por presidir os processos de licenciamento desconhecem as regras de zoneamento que estão impondo aos cidadãos e proprietários. Ao impor restrições para o desenvolvimento de projetos sustentados na área do Turismo torna-se notória a falta de compromisso da administração com as futuras gerações!

Qualquer dificuldade em perceber como é vergonhoso o uso do ambientalismo como slogan merece uma leitura da denúncia do advogado Fernando Pinheiro Pedro no ensaio “A quem interessa embargar o Brasil?” Além de nossa população ser privada das benesses que o desenvolvimento da infraestrutura do país engendrará, fica a constatação de que os ambientalistas deixam de lado os principais problemas ambientais do nosso país: a poluição dos cursos d’água, a ausência de uma rede eficaz de escoamento e tratamento dos esgotos e o fornecimento de água tratada.

É importante chamar a atenção para o papel político e relevante que os operadores jurídicos podem exercer por formarem uma ampla rede de uma comunidade não-linear, que se relaciona por múltiplos laços que podem realimentar o debate do que é ambientalismo superficial e o que é ecologia profunda/essencial.  Precisamos impedir que a “Legalidade burocrática” nos faça perder a posição estratégica que o País precisa desenvolver em direção à Sustentabilidade!