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A Moradia como um Direito Social

5 de dezembro de 2001

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O artigo 6° da Constituição Federal de 1988, contemplava como direito social a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e a infância, a assistência aos desamparados.

Em que pese a amplitude dos direitos amparados constitucionalmente, as constituintes esqueceram de contemplar um direito dos mais essenciais a vida do cidadão, que é a moradia.

Oriundo do Senado Federal, a proposta de emenda constitucional n° 601 – A de 1998, que visa alterar o artigo 6° da Constituição, para que nele fosse incluído o direito a moradia.

Chegando na Câmara, a PEC, fui designada relatora do projeto. Ao analisar a matéria para emitir parecer, certifiquei-me que a nível internacional o direito à moradia e reconhecido internacionalmente desde 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 25,I, nos seguintes termos.

“Artigo 25 : I – Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis, e direito a segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda de meios de subsistência em circunstancias fora de seu controle.”

Em 1976, a conferencia das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos denominada Habitat I, realizada em Vancouver, indicou como consenso internacional relativo as políticas publicas acerca dos assentamentos humanos, apontando a responsabilidade dos governos as ações que assegurem tal direito a todas as pessoas. Tendo sido levado pela conferencia a criação do Centro das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, sediado em Nairobi, no Quênia, objetivando manter permanente a discussão dos assuntos relacionados a Assentamentos Humanos, além de prestar assessoramento e financiar projetos ligados ao setor urbano e habitacional em países em desenvolvimento.

A segunda Conferencia das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II, foi realizada em Istambul em junho de 1996, onde o tema principal foi o direito a moradia como direito fundamental do homem, patrocinados pelos Estados Unidos, Japão e Coréia.

Dessa conferencia resultou a Declaração de Istambul sobre os Assentamentos Humanos na Agenda Habitat, que mesmo sem a força de tratado internacional, serviu como referencia para a formulação das ações governamentais e não governamentais no enfrentamento das questões dos assentamentos humanos. Destacando como objetivos essenciais a moradia adequada para todos, afirmando que desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito a moradia tem sido reconhecido como um importante elemento do direito a um padrão de vida adequado.

Os países signatários reconheceram sua responsabilidade no setor habitacional e sua obrigação de proporcionar a população o suporte necessário para conseguir moradia, bem como, proteger e melhorar as condições habitacionais. E que a provisão de moradia adequada, não exija apenas medidas de governo como também, de toda a comunidade internacional e de todos os setores da sociedade, entendendo o documento que a moradia adequada é levada a efeito no sentido amplo, englobando não só a habitação, mas também, a infra-estrutura e o acesso aos serviços públicos essenciais.

Alem das conferencias das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, muitos outros acordos versaram sobre o tema e reconhecem o direito a moradia como um direito social, inclusive, países como a Argentina, Bélgica, Colômbia, Equador, Espanha, Guine Equatorial. Finlândia, Haiti, Honduras, Irã, México, Peru, Portugal, Rússia, São Tomé e Príncipe e Suécia, os mais variados em termos sócio econômicos, culturais, e políticos contemplam em suas constituições o direito a moradia bem como o dever do Estado de manter uma política habitacional.

A nossa Carta Magna antes do advento da emenda 26, de forma superficial e indireta fazia referencia ao direito a moradia como por exemplo as artigos 7° inciso IV ,23° inciso IX e 183. Em que pese a crise do setor habitacional, que apontam um déficit em torno de 5 milhões de novas moradias, segundo estudos da Fundação João Pinheiro em 1995. Alem da pesquisa apontar ainda, 8,5 milhões de habitações consideradas inadequadas pela deficiência de infra-estrutura básica, como energia elétrica, abastecimento de água, esgotamento sanitário etc.

Diante desse quadro assegurar esse direito ao cidadão brasileiro como sendo um direito social, constitucionalmente previsto, além de ser um reconhecimento e um tratamento isonômico em relação a tantos outros países, representa uma correção da lacuna existente na carta constituinte, um ato de justiça e um dever que se impõe ao Legislativo.

Assim, é que relatei a PEC 601-A/1998, apresentei parecer favorável, que foi aprovado pela comissão especial destinada a apreciar a matéria, também, no plenário da Câmara e promulgada pelo Congresso Nacional, resultando na emenda constitucional n° 26 de 2000, publicada no Diário Oficial de 15 de fevereiro de 2000, dando nova redação ao artigo 6° da Carta Magna que vem hoje assim estampado:

“Artigo 6° – são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Mesmo reconhecendo que somente a alteração do texto constitucional sem que sejam adotadas medidas circunstanciais de ordem pratica, não e capaz de mudar o quadro deficitário da habitação no Pais, porem, não posso deixar de reconhecer que é um passo importante para a implementação de políticas voltadas para a construção de moradia.