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A possibilidade de inclusão de cláusula de mediação em plano de recuperação judicial

18 de novembro de 2016

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Ana-Tereza-BasilioIntrodução

Os métodos de resolução de conflitos fora do âmbito do Poder Judiciário têm ganhado força e incentivo nos últimos anos. Prova disso é a recente reforma da Lei de Arbitragem e a edição de uma Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), que, juntamente com o novo Código de Processo Civil, representam relevantes instrumentos para a difusão desse método.

No contexto atual de crise econômico-financeira que assola o país, tem sido cada vez mais frequente a utilização do procedimento de recuperação judicial por parte das empresas com viabilidade financeira, mas que atravessam dificuldades momentâneas. É crescente, assim, o número de processos de soerguimento distribuídos em 2015 e 2016 perante os Tribunais de todo o país.

Esse estudo tem por objetivo estabelecer um diálogo entre esses dois importantes institutos com crescente utilização no atual cenário do país, a fim de indagar se a mediação e a recuperação judicial são institutos compatíveis. Busca-se, assim, responder às seguintes perguntas: é possível a instauração de mediação no âmbito de um processo de recuperação judicial? E, ainda, é válida, legal e eficaz a cláusula de mediação prevista em plano de recuperação?

2. A Mediação e a Lei 13.140/2015

A mediação recebeu especial tratamento pelo legislador com a recente edição da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, e do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), que, em seu art. 334, estabelece nova fase impositiva no procedimento comum, para a realização de audiência prévia de mediação ou consiliação, antes da apresentação de defesa pelo demandado.

Trata-se, a toda evidência, de importante iniciativa para incentivar a cultura da medição como solução de conflitos mais adequada, em sociedade com arraigada cultura de judicializaçã. Os efeitos favoráveis, caso o objetivo geral do legislador seja atingido, são muitos, em especial para o Poder Judiciário, que terá diminuída a quantidade de demandas em curso e, sobretudo, para os jurisdicionados, já que a solução consensual é sempre mais rápida e restauradora da paz social.

Esse estudo volta suas atenções apenas à mediação, em especial à sua aplicação ao procedimento de recuperação judicial de empresas, cabendo, assim, inicialmente, traçar as principais características da mediação, dentre as quais o seu conceito, princípios, abrangência, espécies e procedimento.

2.1 Conceito, Princípios e Abrangência

A Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, no parágrafo único de seu art. 1º conceitua a mediação como “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.

A mediação é orientada pelos princípios: (a) da imparcialidade do mediador; (b) da isonomia entre as partes; (c) da oralidade; (d) da informalidade; (e) da autonomia da vontade das partes; (f) da busca do consenso; (g) da confidencialidade; e (h) da boa-fé. Tais princípios estão previstos no art. 2º da Lei de Mediação.

Esse método de resolução de conflitos tem cabimento para toda e qualquer lide, desde que verse sobre direitos disponíveis, ou, no caso de direitos indisponíveis, em seus aspectos passíveis de transação. Nessa última hipótese, a mediação deverá ser realizada por mediador habilitado, e a transação que vier a ser celebrada deverá ser homologada em juízo, após a oitiva do Ministério Público, que atua na qualidade de custos legis. E sobre o mediador recaem as mesmas hipóteses legais de impedimento ou suspeição que se aplicam aos magistrados, previstas no art. 145 do novo Código de Processo Civil.

3. Recuperação Judicial

A recuperação judicial é o instrumento idealizado pelo legislador para a superação de crise econômico-financeira momentânea vivenciada por sociedades empresárias viáveis. O princípio que norteia o processo de recuperação, portanto, é o princípio da preservação da empresa, de cariz constitucional.

Nesse contexto, o art. 47, da Lei 11.101/200 dispõe que “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeiro do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Trata-se, assim, de processo judicial que visa a conciliar os interesses dos credores e das empresas devedoras (recuperandas), sem perder de vista, ainda, os interesses da própria sociedade civil e o interesse coletivo, já que as empresas, como é reconhecido no art. 47 da Lei de Recuperação Judicial, são importantes fonte de geração de emprego e circulação de riquezas.

O soerguimento das companhias em situação de crise, portanto, passa pela conciliação de interesses, sobretudo entre credores e devedores.

3.1 Plano de Recuperação Judicial

O instrumento que materializa o soerguimento da empresa em crise é o plano de recuperação, documento que, de acordo com o art. 53 da Lei 11.101/2005, deverá necessariamente conter: (a) discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados para o soerguimento da empresa; (b) demonstração da viabilidade financeira; e, por fim, (c) laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional ou empresa legalmente habilitados.

Apresentado o plano em juízo pela sociedade empresária (recuperanda) e publicado edital, a fim de cientificar todos os credores, abre-se, para estes, a possibilidade de apresentação de objeção ao plano de recuperação judicial. Assim, o “juiz deve, então, convocar a Assembleia dos Credores para discutir e votar o plano de recuperação judicial da devedora, eventuais planos alternativos, bem como as objeções deduzidas”1.

O processo de recuperação judicial, assim, estriba-se na ampla negociação entre a coletividade de credores e a empresa devedora, sempre tendo em vista obter o resultado do soerguimento da entidade geradora de empregos, impostos e circulação de riquezas. O plano de recuperação segue, então, para deliberação em assembleia, assim como as demais matérias. Aprovado o plano, nos termos da Lei de Recuperação, ele será submetido à homologação judicial e, finalmente, o período de 2 (dois) anos previsto no caput do art. 61 da Lei de Recuperação para cumprimento do plano.

É relevante destacar, por fim, que, com a aprovação do plano, ocorre a novação e todos ss créditos anteriores a data de instauração do processo (art. 59 da LFR), salvo aqueles de natureza fiscal. Durante o período inicial dos 2 (dois) anos previstos no caput do art. 61 da Lei 11.101/2005, o descumprimento de obrigação prevista no plano de recuperação pela empresa recuperanda acarretará a convolação da recuperação em falência (LFR, art. 61, § 1º). Passado esse período inicial, na hipótese de inadimplemento, terá, então, o credor a possibilidade de exigir a tutela específica, com o cumprimento da obrigação, ou, então, poderá requerer a falência da empresa.

4. Incidência da mediação em recuperação judicial

De acordo com o disposto no art. 3º da Lei 13.140/2015, “pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”. É, pois, compatível com o instituto da mediação as lides relacionadas a processos de recuperação judicial ou falência, ou, ainda, nos conflitos decorrentes dos processos de insolvência.

Essa supressão de limitações materiais específicas tende a evitar, como bem ponderado pelo relator do PL na Câmara, Deputado Sergio Zveiter, “uma interpretação equivocada que impeça a aplicação da mediação”, sobretudo em temas tão férteis à autocomposição, como questões relacionadas ao direito de família e as questões envolvendo empresas, em especial em sede de recuperação judicial. Sobre o campo fértil da recuperação judicial, o tema já foi enfrentado pela doutrina:

A recuperação judicial é constituída por um cenário em que o mercado – representado pelos credores da empresa em dificuldades – tenta encontrar saídas economicamente viáveis como a concessão de prazos, redução de débitos, alienação de ativos ou estabelecimentos etc. não há dúvidas que a incidência de vias criativas e flexíveis incidentais ao próprio processo consubstanciam uma negociação supervisionada. Esta, por sua vez, é iniciada pela apresentação de um plano de recuperação passível de alterações pelos credores e que passará pela votação na assembleia de credores.

A mediação serviria de auxílio para a viabilidade da empresa se oriente por critérios objetivos em conformidade com o mercado, assim como na facilitação de uma troca de informações fecunda, base de possíveis saídas de negociações.2

Não há, de fato, qualquer óbice à aplicação da mediação em sede de recuperação judicial. Aliás, é recomendável que no processo de soerguimento tenha espaço a mediação, para auxiliar e estimular a resolução amigável de conflitos existentes entre a sociedade em recuperação, seus credores, sócios, acionistas, fornecedores, eventuais adquirentes, enfim, todos aqueles que integrem ou tenham interesse no processo de recuperação judicial.

Corroborando esse entendimento, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, na I Jornada “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, editou diversos enunciados sobre mediação, arbitragem e outras formas de resolução de conflitos, com destaque para o enunciado nº 45, que  dispõe:

45. A mediação e a conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais.

Diante desse contexto teórico-normativo, não existe dúvida quanto à aplicação da mediação aos processos de recuperação judicial, sendo o processo de soerguimento, na verdade, espaço profícuo e adequado para a aplicação desse método de resolução de conflito.

5. Inclusão de cláusula de mediação em plano de recuperação judicial

A aplicação da mediação em processo de recuperação judicial, portanto, é absolutamente viável e, sobretudo, recomendável. Trata-se de terreno fértil para a autocomposição, tendo em vista o próprio procedimento peculiar do processo de soerguimento. Resta, no entanto, avaliar se seria viável, legal e possível a prática da mediação não só no curso da recuperação judicial, mas, também, se há impedimento para a inclusão de cláusula de mediação em plano de recuperação judicial.

Como salientado, a mediação tem cabimento em todos os conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou mesmo sobre direitos indisponíveis, que admitam transação, dependendo, quanto a este último, de homologação judicial, com a prévia oitiva do Ministério Público. No caso de conflitos decorrentes do plano de recuperação judicial, esse requisito é plenamente observado, já que, em regra, as discussões ficam restritas a direitos pecuniários dos credores da empresa devedora.

É preciso, ainda, observar, no caso, os princípios previstos no art. 2º da Lei de Mediação, bem como os requisitos da cláusula de mediação, conforme art. 22 do mesmo diploma. Nesse contexto, é preciso que a cláusula de mediação prevista no plano de recuperação tenha expressa previsão quanto ao: (a) prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de mediação; (b) local da reunião; (c) critérios para a escolha do mediador; e, por fim, a (d) previsão de penalidades em caso de não comparecimento por qualquer das partes.

Evidentemente, esses requisitos podem ser substituídos pela menção expressa ao regulamento da instituição prestadora dos serviços de mediação, que irá regular esse procedimento de resolução de conflito pela busca da autocomposição, ou mesmo pela estipulação no sentido de que a mediação será conduzida no âmbito do mesmo Tribunal no qual o processo está em curso.

Quanto aos princípios, vale destacar, especialmente, a observância à autonomia da vontade das partes. O instrumento para a materialização da recuperação judicial é o plano de recuperação, que pode ser amplamente debatido pelos credores, seja com a apresentação de objeção, seja pela própria votação do plano em assembleia. O plano, portanto, converge, claramente, para um acordo de vontades e, como tal, observa, a toda evidencia, o princípio da autonomia das vontades e da isonomia.

A cláusula de mediação, portanto, não seria imposta por qualquer das partes, mas, como o plano, em si, é resultado de um acordo de vontades, posteriormente homologado pelo Juízo da recuperação, a mediação entre credores e recuperanda nele prevista estará em consonância com o principio da autonomia da vontade.

Incluída a cláusula de mediação no plano de recuperação aprovado em assembleia e homologado pelo Juízo, as questões relativas ao cumprimento do plano, notadamente aquelas que surgirem após o prazo bienal previsto no caput do art. 61 da Lei 11.101/2005, serão objeto de mediação, aplicando-se, tanto quanto possível, as normas do arts. 16  e 23  da Lei de Mediação. O procedimento de mediação poderá, de igual modo, ser realizado antes da assembleia de credores, justamente para viabilizar a aprovação do plano de recuperação que a contemple.

É, pois, válida e eficaz a cláusula de mediação prevista em plano de recuperação judicial, aprovado em assembleia de credores e homologado pelo Juízo da Recuperação Judicial. Trata-se, ademais, de medida elogiável, seja para reduzir eventuais demandas decorrentes da recuperação judicial, seja, ainda, para permitir uma decisão consensual entre devedor e credores.

6. Conclusão

Pelo exposto, conclui-se que os institutos da mediação e da recuperação judicial são absolutamente compatíveis entre si, sendo a recuperação judicial campo fértil para a utilização do instituto da mediação. A previsão de cláusula de mediação em plano de recuperação judicial, de igual modo, é iniciativa legitima, na medida em que eventual conflito surgido do plano de recuperação tratará de direitos disponíveis ou que admitam transação e a mediação será resultado da autonomia da vontade das partes.

Notas____________________________________________________

1 Art. 16.  Ainda que haja processo arbitral ou judicial em curso, as partes poderão submeter-se à mediação, hipótese em que requererão ao juiz ou árbitro a suspensão do processo por prazo suficiente para a solução consensual do litígio.

§ 1o É irrecorrível a decisão que suspende o processo nos termos requeridos de comum acordo pelas partes.

§ 2o A suspensão do processo não obsta a concessão de medidas de urgência pelo juiz ou pelo árbitro.

2 Art. 23.  Se, em previsão contratual de cláusula de mediação, as partes se comprometerem a não iniciar procedimento arbitral ou processo judicial durante certo prazo ou até o implemento de determinada condição, o árbitro ou o juiz suspenderá o curso da arbitragem ou da ação pelo prazo previamente acordado ou até o implemento dessa condição.

Parágrafo único.  O disposto no caput não se aplica às medidas de urgência em que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o perecimento de direito.

 

Referências bibliográficas____________________________________________________

CABRAL, Trícia Navarro Xavier; HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Comentários à lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. São Paulo: Atlas, 2016.

COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação judicial de empresas. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

MEDEIROS, Pedro Paulo de. Mediação em essência.  In: Arbitragem e mediação: a reforma da legislação brasileira. Coordenadores: Caio Cesar Vieira Rocha e Luis Felipe Salomão. São Paulo: Atlas, 2015.

NOGUEIRA, Ricardo José Negrão. O papel do judiciário na homologação do plano. In: 10 anos de vigência da lei de recuperação e falência: (Lei n. 11.101/2005): retrospectiva geral contemplando a lei n. 13.043/2014 e a Lei Complementar n. 147/2014. Coordedores: Fátima Nancy Andrighi, Sidnei Beneti, Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2015.

PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. Os desafios para a integração entre o sistema jurisdicional e a mediação a partir do novo código de processo civil. Quais as perspectivas para a justiça brasileira. In: A mediação no novo código de processo civil. Coordenação: Diogo Assumpção Rezende de Almeida, Fernanda Medina Pantoja, Samantha Pelajo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

REIS, Adacir. Mediação e impactos positivos para o judiciário. In: Arbitragem e mediação: a reforma da legislação brasileira. Coordenadores: Caio Cesar Vieira Rocha e Luis Felipe Salomão. São Paulo: Atlas, 2015.