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A prece de um juiz

30 de novembro de 2007

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Senhor! Eu sou o único ser na terra a quem Tu deste uma parcela da Tua Onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes.

Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz ocorrem; à minha palavra obedecem, ao meu mandado se entregam, ao meu gesto se unem, ou se separam, ou se despojam. Ao meu aceno as portas das prisões se fecham às costas do condenado ou se lhe abrem, um dia, para a liberdade. O meu veredicto pode transformar a pobreza em abastança e a riqueza, em miséria. Da minha decisão depende o destino de muitas vidas. Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento até a morte, à Lei, que eu represento, e à Justiça, que eu simbolizo.

Quão pesado e terrível é o fardo que puseste nos meus ombros! Ajuda-me, Senhor! Faze com que eu seja digno desta excelsa missão! Que não me seduza a vaidade do cargo, não me invada o orgulho, não me atraia a tentação do Mal, não me fascinem as honrarias, não me exalcem as glórias vãs. Unge as minhas mãos, cinge a minha fronte, bafeja o meu espírito, a fim de que eu seja um sacerdote do Direito, que Tu criaste para a Sociedade Humana. Faze da minha Toga um manto incorruptível. E da minha pena não o estilete que fere, mas a seta que assinala a trajetória da Lei, no caminho da Justiça.

Ajuda-me, Senhor, a ser justo e firme, honesto e puro, comedido e magnânimo, sereno e humilde. Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo com os que erraram. Amigo da Verdade e guia dos que a procuram. Aplicador da Lei, mas, antes de tudo, cumpridor da mesma. Não permitas, jamais, que eu lave as mãos como Pilatos diante do inocente, nem atire, como Herodes, sobre os ombros do oprimido, e túnica do opróbrio. Que eu não tema César e nem, por temor dele, pergunte ao poviléu se ele prefere “Barrabás ou Jesus”.

Que o meu veredicto não seja o anátema candente, e sim a mensagem que regenera, a voz que conforta, a luz que clareia, a água que purifica, a semente que germina, a flor que nasce no azedume do coração humano. Que a minha sentença possa levar consolo ao atribulado e alento ao perseguido. Que ela possa enxugar as lágrimas da viúva e o pranto dos órfãos. E quando diante da cátedra em que me assento desfilarem os andrajosos, os miseráveis, os párias sem fé e sem esperança nos homens, espezinhados, escorraçados, pisoteados, cujas bocas salivam sem ter pão e cujos rastos são lavados nas lágrimas da dor, da humilhação e do despreza, ajuda-me, Senhor, a saciar a sua fome e sede a Justiça! Ajuda-me, Senhor!

Quando as minhas horas se povoarem de sombras, quando as urzes e os cardos do caminho me ferirem os pés, quando for grande a maldade dos homens, quando as labaredas do ódio crepitarem e os punhos se erguerem, quando o maquiavelismo e a solércia se insinuarem nos caminhos do Bem e inverterem as regras da Razão, quando o tentador ofuscar a minha mente e perturbar os meus sentidos, ajuda-me, Senhor!

Quando me atormentar a dúvida, ilumina o meu espírito; quando eu oscilar por falta de firmeza, alenta a minha alma; quando eu esmorecer, conforta-me; quando eu tropeçar, ampara-me.

E, quando um dia, finalmente eu sucumbir e já então, como réu, comparecer à Tua Augustia Presença para o último Juízo, olha compassivo para mim. Dita, Senhor, a Tua sentença.

Julga-me como um Deus.  Eu julguei como homem.