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A próxima eleição

31 de agosto de 2006

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Eleição de caráter nacional é festa da democracia, ocasião em que o povo manifesta-se em termos daquilo que deseja para o seu futuro, nomeando seus representantes no Poder Político. Este fato deveria se exacerbar, no Brasil, considerando que, por mais de 20 anos, não se podia votar para escolher a pessoa mais importante desse processo, o presidente da República e que, mesmo para os cargos executivos de menor relevância (lembrando-se que, por algum tempo, os governadores e os prefeitos das principais cidades eram nomeados pelo poder militar) e para os postos no legislativo, havia limitações e apenas podiam-se sufragar os nomes de indivíduos ungidos pela autocracia ou aceitos como opositores moderados.

O engajamento da população nesse processo deixa, contudo, a desejar e hoje, encerrada a disputa pela Copa do Mundo de Futebol e efetivamente iniciada a campanha eleitoral, o ambiente é preocupante. Do ponto de vista dos eleitores, há desconhecimento das efetivas características dos candidatos, havendo grande desânimo e a escolha se pautando em critérios contaminados. Por serem conhecidos e por efetuarem trabalho assistencialista junto às bases, os envolvidos em mensalões e procedimentos similares, bem como os anões do orçamento e os sanguessugas, além de novos protagonistas do mesmo naipe, serão eleitos, alguns até de modo expressivo. Enquanto isto, os postulantes com menor poder econômico, não vencerão.

A seguir, a fundamental cristalização das propostas, através dos partidos políticos, ainda não se deu no Brasil, fato que mais ainda dificulta a escolha dos eleitores. Com raras exceções, é quase impossível distinguir as propostas dos candidatos, com promessas assistencialistas (a grande maioria para não serem cumpridas) e com demagogia populista. Nada de substantivo, apenas cores vivas sobre um quadro de material perecível. Nesse contexto, agruparam-se as correntes políticas em volta de interesses localizados e gerou-se profundo divórcio entre as lideranças municipais, estaduais e federais, o que se mostra através das diversas alianças contraditórias e se evidenciou pela renúncia do PMDB, que não postulou a Presidência da República.

O caminho que deveria ser natural, na direção de cristalizar os partidos políticos, não é trilhado, pois prevalecem interesses menores, para os quais basta obter legenda eleitoral que permita atender às exigências da legislação. Para quem olha de fora, com imparcialidade, não é possível definir verticalmente conjunto coerente de candidatos, de presidente da República até vereador, passando pelos senadores, deputados, governadores e prefeitos. Os votos se dão pelos nomes e abre-se um leque de inconsistência. Raros eleitores conseguem votar em todos esses cargos, sufragando nomes de uma só agremiação. Pior de tudo: além de percorrerem diferentes bandeiras partidárias, escolhem pessoas que demonstram absoluto antagonismo ideológico.

A luta pelo poder se releva, sem a preocupação do pós-eleitoral, ou seja, o que importa é vencer e o que virá depois será contornado com manobras e conchavos, sem haver o devido enfoque no futuro do país. Seguindo o espírito individualista que hoje predomina, tende-se ao radicalismo e ao enxovalhamento dos adversários. Como o ambiente leva à dispersão das correntes políticas e há necessidade, para governar, de alianças em volta de propostas visando ao desenvolvimento nacional, fica difícil concretizá-las, pois a execração pública o impede. Acaba-se caindo no fisiologismo de loteamento de cargos e distribuição de verbas, tolhendo a união dos esforços em volta das maiores prioridades da nação que fica adormecida.

Há três fatores perniciosos: o distanciamento dos eleitores em relação ao processo democrático; o cisalhamento das correntes partidárias que se agrupam diferentemente, nos níveis federal, estadual e municipal; e a desagregação dos candidatos, com a exacerbação das acusações. Fica difícil esperar que haja melhorias de modo natural e as intervenções legais, criando camisas-de-força, acabam se materializando e resolvendo pontualmente certos problemas, porém sem nada acrescentar à cultura política. O Brasil precisa de união nacional, em torno das propostas de maior relevo e o debate eleitoral deveria se concentrar dessa forma. Pelo menos aos postulantes à Presidência da República caberia menor ambição e maior atenção ao interesse social.

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