A qualidade que faz a diferença

5 de outubro de 2004

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Muito se discute no Brasil o desempenho das universidades privadas em relação às universidades públicas.  Se o tema for instalações, professores e currículos, as diferenças não são muito grandes e, em muitos casos, a balança da qualidade tende a favorecer as instituições de ensino privado. Os problemas começam quando se avalia o desempenho dos alunos.

Nesse momento é que a universidade pública começa a ganhar terreno. As razões ocultas pelas estatísticas são facilmente explicáveis, a começar pela origem dos estudantes. Nas universidades privadas, eles são em sua grande maioria trabalhadores que estudam. Pessoas que trabalham durante o dia, estudam à noite. Pessoas que infelizmente não tiveram acesso a ensino básico de qualidade ou que sempre enfrentaram insuperáveis dificuldades financeiras.

E mais. Na universidade privada, com exceção dos centros de excelência, é comum o estudante ter pouco tempo para a leitura, pouco tempo a pesquisa e o estudo em grupo. Isto porque vivem numa eterna, e desgastante, corrida pela sobrevivência e, claro, economizar para as mensalidades. Se comparados com os colegas da universidade pública, é como se estivessem pilotando carros de segunda linha na competição com autênticas Ferrari.

A comparação pode parecer excessiva, mas não é. Para entender o que acontece, existe um antes e um depois. Historicamente, o ensino universitário no Brasil é como um corredor que chegou atrasado na pista.  Numa visão retrospectiva, vamos encontrar a América espanhola semeando as primeiras universidades já no século XVI. A Universidade de São Marcos, em Lima, por exemplo, data de 1551 e, à época, exibia padrões de ensino que rivalizavam com a famosa Universidade de Salamanca. No caso do período colonial, existiam na América espanhola 23 universidades, entre elas, seis de primeira categoria.

Entre nós, a universidade ganha seu primeiro esboço com a vinda da família real para o Rio de Janeiro, tangida pelas tropas napoleônicas, mas só passa a existir, de verdade, na década de 20 do século passado. E quando isso ocorre não perde o seu caráter excludente, elitista, de acesso tão difícil quanto nos tempos coloniais quando a Coroa considerava ser aqui apenas um lugar de passagem para governos e súditos.

Depois veio a massificação dos anos 70. Em uma década, o número  de  matrículas multiplicou-se por cinco – de 300 mil para 1,5 milhão. Nas décadas seguintes, os números continuaram a escalar pontos expressivos nos gráficos, porém no conjunto os erros de origem, em especial a escassez de renda, não foram superados. Ou seja, houve o crescimento positivo da oferta de vagas sem que acontecesse o necessário planejamento para atender as carências dos estudantes e as exigências de uma economia que se moderniza, exigindo crescente mão de obra qualificada para a indústria, a agro-indústria e os serviços.

Não há dúvidas. Têm ocorrido avanços. Houve um salto quantitativo, inquestionável. Mas falta fazer a revolução da qualidade. Estamos muito atrás dos países do primeiro mundo, nesse campo, e também muito atrás dos chamados Tigres Asiáticos – Cingapura, Coréia do Sul… É um modelo que precisa ser repensado, redefinido, reavaliado.  As soluções começam contudo, no ensino básico, para que se estabeleça uma linha coerente de qualidade, igual para todos. Assim, é que se democratizará verdadeiramente o ingresso da população em idade escolar ao ensino universitário.

Há muito o que fazer. A despeito dos progressos, as condições do ensino universitário no País estão longe de constituir um fator apreciável de natureza coletiva. Não vivemos mais os tempos da colônia. Aqui, não é mais um simples local de passagem. É justamente o contrário. Temos uma economia integrada, atraímos capitais internacionais em escalas crescentes e contamos com um empresariado muito ativo constantemente empenhado em criar um dinâmico ambiente produtivo.

Existam muitas disigualdades, mas existe também muita mobilidade e progresso social. Igualmente, o país representa um grande mercado, dispõe de boa infra-estrutura e gente determinada a estudar. O que precisamos é construir um ensino universitário de classe mundial. Criar uma infra-estrutura técnica e científica que corresponda às exigências de uma economia produtiva e de serviços, avançada. Que possa desenvolver papel determinante no desenvolvimento nacional e regional. Tudo isso significa pessoas qualificadas. Uma sólida base de ensino. Um rumo bem definido de política educacional que se propague harmonicamente em meio ao ensino público e privado.

Caso contrário continuaremos como se o país desejasse “colher o fruto sem plantar a árvore”, para citar uma feliz expressão de Sérgio Buarque de Holanda no clássico Raízes do Brasil. Por essas razões é que a base de comparação exclusivamente numérica é frágil. O Programa Universidade para Todos, em apreciação no Congresso Nacional, precisa debruçar-se sobre tais nuanças. Se entendidas, estará aberto o caminho para a desejada democratização do ensino universitário.