A rebelião das elites e a demosclerose

5 de novembro de 2005

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Christopher Lasch, em “A Rebelião das Elites”, argumenta que a democracia está hoje ameaçada não pelas massas, mas pelos extratos econômicos denominados elites.

Estas elites – móveis e com perspectivas cada vez mais globais – recusam-se a aceitar limites ou vínculos com nação ou lugares.

Lasch sustenta que, ao se isolar em suas redes e enclaves, elas abandonam a classe média, dividem a nação e traem a idéia da existência de uma democracia para todos os cidadãos.

O autor mostra como a meritocracia – a elevação altamente seletiva da elite – gradualmente substituiu o ideal democrático de competência e respeito por todos os homens.

Entre outras tendências culturais, ele critica com vigor a moda do sucesso alcançado por meio da auto-estima como um falso remédio para problemas sociais mais profundos, e ataca o pseudo-radicalismo superior da esquerda acadêmica.

Brilhantemente, ele revela por que não surpreende o fato de os americanos estarem apáticos quanto à sua cultura comum e não virem sentido em discutir política ou votar.

Na última parte, Lasch traça a crise espiritual da democracia.

As elites tendo se descartado das normas morais e éticas que a religião lhes proporcionava, agarram-se à crença de que através da ciência é possível dominar seus destinos e escapar dos limites mortais. Na busca desta ilusão, eles ficaram fascinados pela economia global.

Sua rebelião, alerta, está acabando com tudo que vale a pena na vida, no caso a americana.

Grande parte dos trabalhos mais recentes do autor volta, de uma forma ou de outra, à questão de sabermos se a democracia tem futuro, ou não.

Penso que muita gente tem se perguntado a mesma coisa. Estamos menos otimistas quanto ao futuro do que antes, e com razão.

O declínio das indústrias, com a conseqüente diminuição de empregos; o encolhimento da classe média; o número cada vez maior de pessoas pobres; a ascensão do índice de criminalidade, com ênfase naquele de “colarinho branco”; o florescente tráfico de drogas; a decadência das cidades – as más notícias não param aí. Ninguém tem uma solução plausível para esses problemas incuráveis, e quase tudo que passa por discussão política nem mesmo se refere a eles. Travam-se violentas batalhas ideológicas em torno de questões periféricas. As elites que definem as questões, perderam o contato com o povo.

O caráter artificial e irreal da nossa política reflete o seu isolamento da vida comum, junto com uma secreta convicção de que problemas reais são insolúveis.

Seriam tais ocorrências além do que fenômenos espontâneos de mudanças, protagonizados por nossas elites, verdadeiros fatos portadores de algum futuro divergente do atual? Estaria a própria democracia, ou seu exercício, em estágio de mutação? Vivenciaríamos uma contemporaneidade que fundamenta a possibilidade de uma esclerose no mais tradicional sistema político idealizado ainda na Grécia antiga? Estaria em curso a demosclerose? Teria sido esta prenunciação a prova de acusação de Sócrates? Estaríamos vivendo o momento previsto pelo filósofo condenado à morte por identificar rumos divergentes daqueles dos seus contemporâneos, como muito bem comprova o jornalista americano Isidor Stone? Nossa democracia está em perigo?

Considerações histórico-filosóficas à parte nos preocupamos com a possibilidade de assistir, com imensuráveis prejuízos para parcela considerável da população, em pleno regime democrático (em claro processo esclerótico) e com surpreendente aplauso de respeitáveis figuras de homens públicos, ao declínio do Direito Constitucional, ao desprestígio de seus mandamentos e, em especial, ao menoscabo de suas cláusulas imutáveis: a dorespeito ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito. Quem viver verá.