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A repercussão geral e os recursos especiais repetitivos

27 de abril de 2015

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Introdução 

O Código de Processo Civil de 1973 sofreu várias alterações importantes. Contudo, duas delas se sobressaem. É dizer: a da Lei no 11.418/2006, que introduziu no mundo jurídico a repercussão geral (art. 543-A–B do CPC) e a sistemática dos recursos especiais repetitivos no art. 543-C, introduzido pela Lei no 11.872/2008, cuja vigência passou a valer a partir de 90 dias após a data da publicação. A primeira atribui competência ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a segunda ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Pois bem. No Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) e com certeza em todos os demais tribunais estaduais, é grande o número de casos que os magistrados enfrentam diariamente nos julgamentos das ações rescisórias, de casos julgados na instrução do feito na primeira instância ou na segunda instância em razão de recursos de apelação. A lógica impunha que viesse ao mundo jurídico fórmulas que pudessem acelerar a prestação jurisdicional.

Contudo, a bem da verdade, é preciso que haja correta interpretação das normas para evitar injustiça. E injustiça é inadmissível no seio do Poder Judiciário, principalmente emanada do STF, do STJ ou dos Tribunais de Justiça dos Estados e Tribunais Federais, quando se trata de coisa julgada formal e material e ato jurídico perfeito, principalmente oriunda de decisão com trânsito em julgado.

A pergunta que não pode deixar de ser feita é a seguinte: pode uma sentença ou acórdão transitado em julgado ter o seu resultado alterado por lei ou leis que vieram ao mundo jurídico muitos anos depois?

A resposta é uma só: não.

Quero com isso dizer que uma lei surgida no mundo jurídico alguns anos depois do trânsito em julgado não pode ser aplicada com efeito retroativo, até porque violaria de morte o art. 5o, inciso XXXVI, da Constituição Federal.

Diante disso, a nosso sentir, qualquer julgamento do STF ao reconhecer que a questão se enquadre na art. 543-A e B do CPC – repercussão geral –, ou julgamento pelo STJ – recursos repetitivos – no art. 543-C do CPC, ao enfrentarem recursos decorrentes das decisões dos Tribunais Estaduais, à evidência, quando se tratar de sentença ou acórdão com trânsito em julgado, não se aplicam as decisões proferidas pelo STF ou pelo STJ, que tomem por base o art. 543, alíneas “a”, “b”, e “c”. É dizer, porque estariam os tribunais violando o art. 5o, inciso XXXVI da Constituição Federal.

Diante disso, a bem da verdade e não criticando a adoção dos sistemas adotados pelas leis acima referidas, torna-se necessário tecer considerações quanto à forma como eles devem ser aplicados, pois a forma hoje aplicada, para este magistrado, está equivocada, como à saciedade irei demonstrar.

O art. 5o e seu inciso XXXVI da Constituição Federal, bem como o art. 6o e seus §§ 1o e 3o da Lei de Introdução ao Código Civil e os arts. 467 e 468 do CPC dispõem de forma bem clara qual o entendimento que se deve ter a respeito da coisa julgada:

Constituição Federal:

Art. 5o […]

Inciso XXXVI. A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Lei de Introdução ao Código Civil

Art. 6o A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1o. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 3o. Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não mais caiba recurso.

Código de Processo Civil:

Art. 467. Denomina-se coisa material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

A Constituição Federal, a Lei de Introdução ao Código Civil e o Código de Processo Civil evidenciam que uma sentença ou um acórdão que a substituiu ou a confirmou, quando há o trânsito em julgado, tornam-se imutáveis e indiscutíveis, principalmente quando no caso do art. 543. A–B, do CPC com a introdução da Lei no 11.418/2006 não existiam no mundo jurídico as diretrizes estabelecidas nos julgados, especialmente da repercussão geral, à época do trânsito em julgado. Em outras palavras, não pode retroagir o que ficar decidido nas decisões sobre a Repercussão Geral ou nas decisões sobre os Recursos Repetitivos do art. 543-C, introduzido pela Lei no 11.872/200. É dizer, atingir tais decisões quase cinco anos depois do trânsito em julgado.

É um desrespeito à Constituição Federal, ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e à segurança jurídica.

Este artigo poderia ser extenso, mas recomenda o bom senso que bastaria o que foi dito acima para se evidenciar que a uma decisão contendo o reconhecimento da repercussão geral e uma dos recursos especiais repetitivos para ficar claro o quanto uma interpretação não criteriosa pode levar a resultados injustos, inclusive balançando a credibilidade não só dos juízes que julgam determinados casos, como também do Poder Judiciário como um todo, porque evidenciam a incerteza quanto à segurança jurídica. Contudo, não posso deixar de tecer as considerações seguintes.

A segurança jurídica deve nortear os magistrados de qualquer instância ou de qualquer tribunal, seja ele estadual ou federal.

Em todos os casos, para melhor compreensão, irei citar como exemplo duas situações distintas: a primeira, quando o objeto de determinada ação – a rescisória – enfrenta a coisa julgada; a segunda, quando não obstante já haja nos autos uma sentença de primeira instância, mas fora objeto de recurso de apelação, o que implica poder seu julgamento ser modificado por ainda não ter transitado em julgado a sentença ou o acórdão.

Pois bem. No que diz respeito à ação rescisória cuja sentença ou acórdão já transitaram em julgado, como se depreende das normas acima transcritas, leva-se à conclusão óbvia da manifesta impossibilidade jurídica do pedido ser acatado quando à época do julgamento não existia no mundo jurídico norma que permitisse que decisões interpretativas de jurisprudência pudessem legitimar sua aplicação, principalmente quando se trata de novidade processual, e não é o caso do art. 462 do CPC. É dizer porque tal decisão interpretativa jamais pode sobrepor-se à Constituição Federal.

E mais, considerando que a decisão com trânsito em julgado fora proferida quando no seio da jurisprudência havia interpretações divergentes, o que inviabiliza a ação rescisória nos termos do art. 485, § 2o do CPC.

Passo a citar um exemplo. Um acórdão transitou em 2005 quando não havia no mundo jurídico a lei que instituiu a Repercussão Geral. Pois bem. Mesmo que a matéria de fato ou de direito seja objeto de várias ações, mas se uma delas veio a transitar em julgado antes da lei da repercussão geral, à evidência que a decisão permanece incólume, em respeito à Constituição Federal.

Da mesma maneira há de se entender no que diz respeito às decisões preferidas nos recursos especiais reconhecidos repetitivos quando houver sentença ou acórdão transitado em julgado.

Ora, é inconstitucionalmente inaceitável que a Corte de Justiça de um País descumpra a Constituição Federal como se legisladores fossem os senhores magistrados e ignorem a Constituição Federal adotando posições que a contrariem.

 Aliás, diz a Constituição que a lei não pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. É dizer, com maior razão, não pode o entendimento jurisprudencial surgido no mundo jurídico quase cinco anos depois do trânsito em julgado do acórdão objeto de rescisória retroagir e violar o princípio da segurança jurídica.

Assim, se a lei não pode retroagir, a não ser em situações muito especiais, com maior razão não podem os juízes da Corte e de qualquer delas decidirem, passados mais de cinco anos do trânsito em julgado do acórdão, que uma decisão posterior surta efeitos retroativos para alcançar a coisa julgada.

Diante disso, para que um Tribunal seja respeitado, é necessário que ele seja o primeiro a respeitar a Constituição Federal, para, aí sim, serem acatadas suas decisões. Dessa forma, é de todo em todo inaceitável a aplicação do art. 543- A–B do CPC no caso de uma Ação Rescisória contra a coisa julgada.

Mais a mais, como as normas modificativas do art. 543 A–B do CPC, foram inseridas no CPC no ano de 2006, mais precisamente pela Lei no 11.418/2006, publicada no DOU de 20/12/2006, cuja vigência tão somente ocorreu em data de 3/2/2007, pudessem aplicar o contido no art. 543 A–B, como se ela existisse no mundo jurídico no dia, mês e ano de 2005.

No segundo caso, isto é, de recursos repetitivos, à evidência que, já tendo transitado em julgado a sentença ou o acórdão, o entendimento é o mesmo acima exposto.

Por outro lado, caso não haja sentença ou acórdão transitado em julgado, à evidência cabível, há aplicação de decisão proferida em repercussão geral como também nos recursos adotados à sistemática dos recursos repetitivos.

Em conclusão, se a lei não retroage, com maior razão não pode o entendimento jurisprudencial retroagir para alcançar situação consolidada no tempo.

Com essas considerações e com o devido respeito a entendimento em contrário, concluo pela inadmissibilidade de leis posteriores alcançarem uma decisão anterior já transitada em julgado.

Legislação consultada

– Constituição Federal – art. 5o, inciso XXXVI.

– Lei de Introdução ao Código Civil – art. 6o, § 3o.

– Código de Processo Civil – arts. 462, 467 e 468.

– Lei no 11.418/2006 e Lei no 11.872/2008, que introduziram no mundo jurídico a repercussão geral (art. 543-A–B do CPC) e a sistemática dos recursos especiais repetitivos no art. 543-C do CPC.