A soberania brasileira sob ameaça do mercado ilegal

25 de agosto de 2017

Membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB

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(I) Panorama mundial
O mercado ilícito de mercadorias é uma ameaça global, na medida em que afeta diversos países em diferentes medidas, causando impactos negativos para a economia, a segurança, o bem-estar social, a saúde pública e o meio ambiente. Este mercado tem diferentes vertentes mas está invariavelmente associado ao financimento do crime organizado e à perda de bilhões em arrecadação para os cofres públicos, sem contar nas perdas para o mercado formal.

Não é à toa que organismos internacionais e líderes mundiais têm se atentado para a questão. Como exemplo, a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (“OCDE”), que tem como missão promover políticas de desenvolvimento econômico e bem-estar social para a população global, emitiu um relatório especial sobre o tema em 2016 (“Illicit Trade: Converging Criminal Networks”), onde aponta a magnitude e a extensão do problema com vistas a fortalecer e oferecer subsídios a políticas de redução desse mercado. A esse respeito, confira-se o quadro contido no estudo reproduzido na página 34 desta edição.

As cifras envolvidas, por si só, já evidenciam como o mercado ilegal é um verdadeiro veneno para a economia mundial. No Brasil, a situação não é diferente.

(II) Cenário brasileiro
De acordo com levantamento feito pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade – FNCP, só no ano de 2016 o país perdeu cerca de 130 bilhões de reais com o mercado ilegal de mercadorias como vestuário, combustíveis, cosméticos e medicamentos. Esse número vem crescendo rapidamente, haja vista que o mesmo estudo apontou, em 2014, perdas na ordem de 100 bilhões de reais e, em 2015, 115 bilhões.
Todo esse dinheiro não só deixa de beneficiar a economia formal e a sociedade, mas tem o efeito perverso de fomentar organizações criminosas, muitas vezes internacionais, envolvidas no tráfico de drogas, armas e pessoas, e responsáveis em grande parte pela violência urbana. Isso sem contar a verdadeira ameaça à saúde pública, uma vez que esses produtos contrabandeados não respeitam os requisitos técnicos de segurança previstos na legislação sanitária ou mesmo as disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Neste exato momento milhões de reais em mercadorias estão cruzando as fronteiras brasileiras e inundando o mercado, milhões estão sendo sonegados, e os problemas de saúde e segurança pública já tão dramáticos sofrem lentamente os efeitos dessa atividade. De fato, chegamos a um ponto insustentável em que ações efetivas se mostram necessárias, e a imensa proporção do mercado ilegal exige atuação inteligente e conjunta de todos os organismos governamentais e da sociedade civil, na mesma medida.
A boa notícia é que esse parece ser o caminho escolhido tanto pela sociedade civil como por orgãos governamentais no Brasil.

(III) Reação do Governo Federal
Em março deste ano, foi firmada o inédito e histórico Protocolo de Intenções entre o Ministério da Justiça, a Frente Parlamentar Mista de Combate ao Contrabando e à Falsificação e o Movimento em Defesa do Mercado Legal Brasileiro – composto por mais de 70 entidades empresariais afetadas pelo contrabando, coordenado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP).

Os objetivos prioritários desta parceria histórica e inédita são:
• Dar apoio técnico e operacional à execução do Plano Nacional de Fronteiras, com especial atenção às ações econômico-sociais e de fiscalização da fronteira entre Brasil e Paraguai;
• Implementar continuamente ações de inteligência e repressão no combate ao contrabando/ descaminho;
• Identificar recursos financeiros (orçamentários e/ou de fundos) para investimento em recursos humanos e tecnológicos;
• Promover a discussão no campo legislativo de medidas que possam facilitar a execução do Plano Nacional de Fronteiras, fornecendo condições para a atuação das entidades responsáveis e combate à criminalidade;
• Criar grupos de trabalho integrando a sociedade civil, Parlamento, Executivo e Judiciário com suporte técnico-acadêmico para sugestão de medidas que gerem resultados efetivos;
• Fomentar o debate com países vizinhos e construir uma agenda positiva para redução imediata da ilegalidade;
• Sensibilizar a sociedade sobre os impactos da ilegalidade com o objetivo de gerar mudança de comportamento em prol do desenvolvimento do país.

Nota-se que um primeiro passo já foi dado. Além disso, outra iniciativa importante do Governo Federal foi a criação do Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (“PPIF”), por meio do Decreto no 8.903/2016, que prevê uma atuação integrada e coordenada dos órgãos de segurança pública, dos órgãos de inteligência, da Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.

As fronteiras do nosso país são a porta de entrada do contrabando, devido a sua grande extensão, o que constitui grande desafio, mas que não pode ser perdido de vista pelo Governo Federal. Nota-se que a medida é realmente efetiva, a julgar pelos resultados apresentados pela denominada “Operação Ágata”, que consiste em ação de grande escala coordenada pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) com o objetivo de fortalecer a segurança dos quase 17 mil quilômetros de fronteiras terrestres do Brasil com 10 diferentes países.

Parece-nos acertado que na ausência de inimizades ou conflitos com qualquer outra nação, o Brasil direcione suas Forças Armadas não na defesa física de seu território ou de seus recursos naturais, mas da própria economia e saúde pública da população, ao combater em suas fronteiras o contrabando, o tráfico de drogas, armas, pessoas e animais silvestres, além das demais atividades que em última instância representam um verdadeiro ataque à soberania nacional.

(IV) Enfrentamento do tema pelo Legislativo
O Poder Legislativo também possui importante papel no combate à questão, com destaque para a Frente Parlamentar Mista de Combate ao Contrabando, composta por mais de 200 parlamentares e 20 senadores, implementada em maio de 2015.

Já neste mesmo ano de inauguração de suas atividades, foi apresentado o projeto de lei na Câmara dos Deputados (PLC 1530/15), que atualmente aguarda deliberação no Plenário da Câmara dos Deputados.

Essa proposta legislativa visa ao endurecimento das penas para o crime, através de três novos mecanismos: a perda da carteira de habilitação para quem for preso em flagrante transportando mercadorias contrabandeadas; cassação por cinco anos do CNPJ de empresas condenadas por transportar, distribuir, armazenar ou comercializar produtos contrabandeados; e a afixação obrigatória nos pontos de venda de cigarros e bebidas, em local visível, de uma placa com a seguinte advertência: “É crime vender cigarros e bebidas contrabandeados. Denuncie”.

Em 2016, no Senado Federal também foi apresentado projeto de lei (PLS 85/2016) com vistas ao combate ao mercado ilegal, que prevê a pena de 5 a 15 anos para o crime de contrabando. Se aprovado, a pena pode ser aumentada de um sexto a um terço se o crime envolver transporte aéreo, marítimo ou fluvial, o que configura uma pena máxima de 20 anos. Atualmente, a máxima é de 10 anos, posto que a pena é de dois a cinco anos, mas é contada em dobro se o contrabando for realizado por transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Não há dúvidas de que essas alterações legislativas são importantes somas às ações conjuntas de controle e desestímulo ao mercado ilegal no Brasil.

Outro desdobramento desse esforço coletivo ocorreu em junho deste ano com a Criação da Coalizão Estadual de Combate ao Contrabando pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.Segundo dados divulgados na imprensa, uma das primeiras propostas da Coalizão foi o estabelecimento do dia 3 de agosto como o Dia Estadual de Combate ao Contrabando como forma de atacar o problema por meio de campanhas educativas para a população do estado, sem prejuízo das ações de repressão. Sem dúvida, ações conjuntas entre vigilâncias sanitárias e a polícia estadual podem fazer a diferença, sendo que a conscientização da população também se mostra essencial.

(V) Setor de cigarros e sonegadores contumazes como parte do mercado ilegal
Dentro do mercado brasileiro não se pode deixar de enfrentar outra face perversa do mercado ilegal, que se caracteriza pela concorrência desleal por meio da sonegação e inadimplência contumaz de tributos.
Observa-se a existência de empresas que garantem vantagem competitiva artificialmente no mercado por não pagarem os tributos devidos, gerando a elas uma grande margem financeira indevida, permitindo-lhes a venda de mercadoria a valores bem abaixo do preço de custo. Em setores da economia onde a carga tributária é alta, a exemplo de cigarros, o não pagamento de impostos propicia que essas empresas inundem o mercado com produtos até 50% mais baratos do que os da concorrência legal.

– Operação “Ex-Fumo”
A formação de forças-tarefas entre instituições públicas vem se mostrando uma excelente via de combate a esse mercado, também sob o viés da sonegação. Recentemente , isso foi demonstrado com a operação conjunta entre a Polícia Federal, Receita Federal e o Ministério Público Federal, denominada “Ex-Fumo”, que teve como alvo empresas que deixaram de recolher cerca de R$ 2,3 bilhões aos cofres públicos com a produção ilegal de cigarros e a sonegação fiscal.
Por meio da interação entre esses órgãos foram cumpridos mandados de prisão temporária e busca e apreensão nas Regiões Sudeste e Sul do país. Segundo informado pela Polícia Federal, os envolvidos são investigados pelos crimes de associação criminosa (art. 288, CP), falsificação de papéis públicos (art. 293, §1º, ‘a’ e ‘b’, CP) e sonegação fiscal (arts. 1º e 2º da Lei 8.137/90).

As investigações apontaram o que o mercado legal há muito sente no dia a dia: empresas que adotam a prática reiterada de sonegação fiscal como seu verdadeiro modelo de negócio, justamente para obter vantagens competitivas em relação aos concorrentes e garantir fatia considerável do mercado de cigarros de menor preço.
Observa-se ainda sofisticada estratégia jurídica por trás dessa atuação, posto que até ter o seu registro especial para produzir cigarros cassado pela Receita Federal essas empresas sonegadoras acumulam dívidas tributárias vultosas. E, não obstante, uma vez cassado o registro especial, a operação é migrada para outra empresa do mesmo grupo societário, ainda que de forma disfarçada, que mantém a mesma estratégia de sonegação.

No ano passado, uma dessas empresas não pagou sequer um real em tributos federais, embora tenha apresentado faturamento milionário, e, de acordo com as informações do fisco, os valores sonegados pelo grupo criminoso, até janeiro de 2017, alcançaram 2,3 bilhões de reais. A estratégia consistia em declarar suposta compensação destes tributos devidos com créditos “podres” de títulos da dívida pública do ano de 1916. Ao fazer isso, a empresa “criava” processos administrativos perante a Receita Federal, que, por força de lei, deveria analisar as supostas compensações e obedecer os princípios de ampla defesa e contraditório, de forma que somente após todo o trâmite de recursos na esfera administrativa (que pode levar anos) a empresa poderia ter esses créditos executados.

Restaram apuradas ainda evidências de diversos outros subterfúgios utilizados para dificultar a ação repressiva dos órgãos estatais, como a criação de diversas empresas e a utilização de interpostas pessoas para titularizar o maquinário para produção, que é arrendado às fábricas, o que cria obstáculos a eventuais apreensões. Além disso, a Receita Federal constatou até a existência de linha paralela de produção de cigarros, produzidos e comercializados, portanto, fora dos seus controles e da Vigilância Sanitária, isto porque a comparação do estoque de matéria-prima e insumos da fábrica operada pelo grupo, informado ao Fisco, com a produção da empresa nos anos anteriores indica que foram adquiridos insumos que possibilitariam produzir uma sobra de 15 milhões de maços de cigarro, ou seja, quase um terço da produção anual da empresa. Assim, somente considerando essa produção paralela, renderia ao grupo criminoso em torno de R$ 50 milhões por ano.

Por fim, a gravidade dos fatos se torna ainda mais danosa quando se percebe que o cigarro é mercadoria que possui preço mínimo de R$ 5,00, definido por decreto do Poder Executivo com a finalidade exatamente de desestimular o consumo e desse valor, a grosso modo, R$ 0,50, podem ser considerados custo, e outros R$ 0,50, lucro planejado, o restante é composto pela carga tributária, sendo R$ 2,00 de tributos federais (PIS/COFINS, IPI) e R$ 2,00 de ICMS. No entanto, como os investigados não pagam os tributos devidos, acabam tendo condições de comercializar o produto aos distribuidores com preços predatórios, potencializando suas vendas.

Leading case sobre o reiterado inadimplemento tributário como forma de concorrência desleal
A jurisprudência dos tribunais sempre rechaçou a adoção de sanções políticas pelo Poder Público como instrumento de coerção capaz de compelir o contribuinte a pagar tributos. É reputada, pois, ilícita a restrição excessiva e desproporcional ao direito de livre exercício de atividade lícita, instituída com a intenção de pressionar o devedor de tributos a quitar seus débitos. Em suma, é vedada ao Estado a utilização de meios coercitivos oblíquos com a finalidade meramente arrecadatória. É inegável, no entanto, que a construção de toda a jurisprudência acerca do conceito do tema, notadamente do Supremo Tribunal Federal, refere-se a restrições unilaterais impostas pelo Estado às atividades empresariais ordinárias.
Instaurou-se, recentemente, em vários tribunais do País, a polêmica a respeito do caso específico do setor de cigarros. A discussão refere-se ao disposto no art. 2o do Decreto-Lei no 1.593/77, que prevê a possibilidade de cancelamento do registro especial de empresas de cigarros pela Receita Federal do Brasil por, reiteradamente, deixar de cumprir com as obrigações tributárias.

Especificamente em relação ao mercado de produtos de tabaco, é relevante salientar que se trata de atividade singular tolerada pelo Estado (CF, art. 170, Parágrafo Único). Nesse contexto, a atividade de fabricação de cigarros é submetida a rigorosas regras de controle estatal, e para citar algumas, a necessidade de registro prévio de marcas na Anvisa, com obrigatoriedade de informar os ingredientes que compõem o produto; inclusão de imagens e advertências nas embalagens, as quais devem ser aprovadas pela agência; a restrição à publicidade fora dos pontos de venda; a proibição de uso de produtos fumígenos em ambientes coletivos, obrigatoriedade de instalação pela Receita Federal do Brasil nos estabelecimentos industriais de contadores de produção.

Destaca-se que a carga tributária dos cigarros é elevadíssima (quase 80%), representando substancial parcela do preço final do produto. Nesse contexto, distorções na carga tributária, decorrentes do reiterado não pagamento de tributos, terminam por ocasionar vantagem indevida aos agentes sonegadores, gerando desequilíbrio de mercado que prejudica as demais empresas de competir, de modo isonômico e leal.

A este propósito, o Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 22.3.2013, por meio de sua composição plenária, julgou o mérito do leading case sobre a matéria, envolvendo fabricante que possuía débitos históricos superiores a 2 bilhões de reais (Recurso Extraordinário no 550.769), entendendo pela constitucionalidade da norma que possibilita o cancelamento do referido registro especial pela Receita Federal.

Por ocasião do referido julgamento, a Suprema Corte enfrentou diversos aspectos envolvidos no caso, como o fato de que o não pagamento reiterado de tributos não decorria de dificuldades financeiras momentâneas, mas sim de estratégia comercial deliberada, no sentido de não pagar tributos. Reconheceu, ainda, o caráter nitidamente extrafiscal da tributação de IPI incidente sobre a produção de cigarros, os potenciais impactos nas políticas de saúde pública e de seguridade social, diante dos riscos associados ao consumo do cigarro, bem como sopesou o fato de que o não pagamento reiterado de tributos implica em dano à concorrência nesse competitivo mercado, pela possibilidade de adoção de preços predatórios por aqueles que não cumprem com as suas obrigações tributárias, e, portanto, concluiu que a prática seria violadora da livre concorrência no setor.

Por meio da ponderação dos valores constitucionais em discussão, o Supremo concluiu que a norma prevista no Decreto-Lei no 1.593/77 não caracteriza sanção política, porquanto, no caso peculiar da fabricação de cigarros, a regularidade fiscal é requisito essencial para o regular desempenho da atividade e para a isonomia concorrencial.

Na verdade, o Supremo Tribunal Federal não mitigou a aplicação dos verbetes de sua Súmula que vedam a prática de sanção política (súmulas nos 70, 323 e 547), já que as hipóteses neles previstas não se aplicam às regras especiais, previstas no Decreto-Lei no 1.593/77. Esse fato, inclusive, foi salientado pelo Ministro Ricardo Lewandowski: “Não seriam aplicáveis à espécie, por aludirem a devedores inseridos no regime geral de atividades econômicas, o que difere da atividade específica de produção e comercialização de cigarros.”

A decisão do STF no mencionado leading case não tratou, por conseguinte, de interpretação modificativa da sua consolidada jurisprudência acerca da proibição de prática de sanções políticas pelo Estado, mas, tão somente, do reconhecimento das particularidades de setor dotado de inúmeras peculiaridades, até então não submetidas ao crivo da Corte Constitucional.

Conclui-se, pois, que, se à autoridade fazendária fosse vedado cancelar o registro especial de fabricantes de cigarros devedores contumazes de quantias vultosas, perderiam as empresas concorrentes, obrigadas a competir com empresas que adotam práticas comerciais desleais; a União Federal, que teria a sua arrecadação diminuída e seria onerada com altos custos relacionados ao sistema público de saúde e à Previdência Social; e a própria sociedade que teria redução da oferta de serviços públicos já deficitariamente prestados, aliado à possibilidade de maior penetração dos cigarros no mercado dado o menor custo de produção dos fabricantes que não pagam reiteradamente seus tributos.

Recentemente, a Ministra Presidente Carmen Lúcia pautou para a sessão plenária do dia 17.8.2017 o retorno do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 3.952, ocasião em que definirá – agora em controle concentrado – a constitucionalidade do Decreto-Lei no 1.593/77.

Como a discussão já foi tratada pelo Supremo Tribunal Federal à exaustão por ocasião do julgamento envolvendo um caso concreto, mesmo com a alteração de alguns Ministros da Corte, não se espera alteração da posição anteriormente firmada pela Corte Constitucional. Isto é, acredita-se que por ocasião do julgamento da ADI ocorrerá a reafirmação da jurisprudência da Suprema Corte sobre a matéria, no sentido de que a ratio iuris do requisito de regularidade fiscal imposta para a atividade de produção de cigarros provém de norma inspirada não apenas pela finalidade de composição dos cofres públicos para fazer frente às políticas públicas e ao custeio do aparato estatal, mas, sobretudo, pelo caráter de regulador do mercado e da concorrência leal entre os atores econômicos.

Assim, a Suprema Corte terá a oportunidade de ratificar o entendimento de que não há incompatibilidade do arcabouço normativo do setor que prevê o cancelamento do registro especial de fabricante de cigarro com a Constituição em caso de reiterado inadimplemento tributário.

(VI) Nota de conclusão
O mercado ilícito possui efeitos nefastos inclusive em escala internacional, sendo que no Brasil destacamos como suas principais facetas o contrabando e a sonegação fiscal, especialmente no setor de cigarros. O caminho para a sua redução é árduo e as medidas de combate requerem esforços conjuntos, e cada vez mais sofisticados, por parte dos três Poderes da República e da sociedade civil. Já temos boas evidências, mas esse esforço não deve esmorecer, visando principalmente à proteção da sociedade e do Erário Público.