Abandono afetivo e Indenização decorrente

13 de agosto de 2013

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A priori, faz-se necessário esclarecer o que a doutrina vem entendendo como relação inter familiar.

Devemos esquecer a ciência neste momento e passar a considerar que laços familiares são construídos não somente pela herança genética, de forma que, pouco nos interessa, para esta questão, o DNA de cada membro da família.

Recentemente a jurisprudência vem entendendo que, família é um tema muito mais complexo, onde o estado de espírito, envolvimento, solidariedade, convivência, sentimento de pertencimento e a afetividade fortalecem e estabelecem a relação familiar.

O art. 1593,cc, nos traz a definição de parentesco,

“O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.”

Portanto, a questão da socioafetividade se apresenta como uma das fontes geradoras do parentesco, no qual o reconhecimento da paternidade passa a ser de suma importância na atual sociedade brasileira.

O vínculo decorre sempre de ato de vontade do agente, gerando, assim,  a quem contribuiu com o nascimento ou adoção a responsabilidade por suas ações e escolhas.

Entendido isto, passamos a analisar a importância e consequências reais do tema aqui abordado, ou seja, o abandono afetivo e indenização.

É possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais, isto porque, conforme abordaremos mais adiante, este ato traz demasiadas consequências no desenvolvimento daquele ser que está submetido aos cuidados de quem detém o poder familiar.

A relação socioafetiva não envolve apenas direitos e deveres, mas questões mais abrangentes, tal qual a moral e a ética, que revestem o consciente e o inconsciente de cada indivíduo, sem que, para isto, houvesse a necessidade de provocação da parte mais fraca, qual seja, a prole.

O artigo 227 da Constituição Federal nos traz que,

“é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Há, portanto, um amplo dever nesta relação, que deve ser de substancial observância, havendo a possibilidade de se enquadrar como ilícito civil a ser indenizado, qualquer lapso na criação dos filhos.

Entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança.

A boa fé objetiva pode ser efetivada nas relações familiares por meio da responsabilidade civil, tendo por pressuposto o ato ilícito.

É de suma importância ter consciência da repercussão dos atos praticados, sendo detentor do poder familiar.

Os cuidados e a atenção dada às crianças e adolescentes, são fatores essenciais para ser alcançado um processo saudável no desenvolvimento do ser humano.

De modo que, os pais assumem obrigações jurídicas em relação à sua prole, que vão além daquelas necessárias a sobrevivência.

Não é à toa que a Constituição Federal protege o direito da criança em ter uma família e o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 19) que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família.

Se formos mergulhar no tema, a psicologia pode nos explicar o porquê este tema é de essencial conhecimento e gerador de tal responsabilidade civil, pois, a carência de afeto deteriora princípios na formação de uma criança. É o afeto o formador do caráter. A falta de estrutura normalmente conduz os indivíduos aos desatinos criminosos, ao desequilíbrio social. É de fundamental valoração a manutenção dos vínculos com os filhos e a sua ausência pode desencadear prejuízos muitas vezes irreparáveis ao ser humano em constituição.

O abandono afetivo desencadeia feridas que não cicatrizam e, muitas vezes, alimentam uma personalidade destrutiva e autopiedosa, baseada na ampla destruição da auto-estima, sentimento infinitamente necessário para a convivência do ser humano com as demais pessoas.

Os juristas, percebendo a valoração do prejuízo causado na construção do caráter e da personalidade do menor, vêm coibindo o abandono afetivo e super-responsabilizando um dos pais.

Para isso, não são necessárias a convivência ou a atribuição forçada de estima e carinho. No entanto, vêm-se admitindo decisões com ressarcimento moral desse dano à auto-estima da criança e do adolescente, não como forma de abonar o trauma e a decepção gerados nos filhos, porque estes têm valor inestimável, mas para, de uma certa forma, gerar no genitor faltante um dever de restauração do que foi perdido e corrompido.

Estes aspectos e entendimentos de forma a indenizar aquele que comete um ato ilícito vêm sendo observados pelo prisma do principio da dignidade da pessoa humana.

O equilíbrio do privado e do público pauta-se exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar. No que tange à dignidade da pessoa da criança, o art. 227 da Constituição expressa essa concepção, ao estabelecer que é dever da família assegurar-lhe com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Concluindo, infere-se que a responsabilidade não se baseia apenas no dever alimentar, mas se insere no dever de possibilitar o desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana.