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Aborto – interrupção de gravidez negada face impossibilidade de sobrevivência

30 de setembro de 2010

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA – 2ª CÂMARA CRIMINAL
Habeas Corpus nº 0011449-04.2010.8.19.0000
Impetrante:         Dr. LEONARDO ROSA MELO DA CUNHA (DEF. PÚBLICO)
Paciente:             LORRANY FERREIRA DE SOUZA
Aut. Coatora:      JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL – RJ
Relator:               Des. ANTONIO JOSÉ CARVALHO

EMENTA:
HABEAS CORPUS — PLEITO DE INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ POR SER O FETO PORTADOR DE MALFORMAÇÕES CONGÊNITAS QUE INVIABILIZARIAM A VIDA EXTRAUTERINA — LAUDO MÉDICO QUE, EMBORA RECONHEÇA AS PATOLOGIAS E A DIFICULDADE DE TRATAMENTO, TAMBÉM AFIRMA QUE HÁ A POSSIBILIDADE DE SOBREVIVÊNCIA PARA 50% DOS FETOS — GRAVIDEZ QUE JÁ SE APROXIMOU DO SÉTIMO MÊS — AUSÊNCIA DE PROVA NOS AUTOS DE QUE HAJA RISCO DE VIDA PARA A MÃE, ORA PACIENTE — NEGAR-SE AO FETO A CHANCE DE SOBREVIVER FERE A DIGNIDADE HUMANA — OS POSSÍVEIS SOFRIMENTOS SUPERVENIENTES PODEM SER TRATADOS — ORDEM DENEGADA.

Acórdão
Vistos, discutidos e relatados estes autos do Habeas Corpus nº 0011449-04.2010.8.19.0000, que figura como Impetrante Dr. Leonardo Rosa Melo da Cunha, Paciente LORRANY FERREIRA DE SOUZA e Autoridade Coatora o JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL – RJ.
ACORDAM os Desembargadores que compõem a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em DENEGAR A ORDEM, na forma do Desembargador Relator.

Rio de Janeiro, 30 de março de 2010.
Desembargador Antonio José Carvalho
Relator

Relatório
Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado pelo Dr. Leonardo Rosa Melo da Cunha, Defensor Público, em favor de LORRANY FERREIRA DE SOUZA, apontando como Autoridade Coatora o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca da Capital — RJ, sustentando estar o Paciente sofrendo constrangimento ilegal, vez que indeferido pleito de autorização para interrupção de gravidez.
Sustenta, inicialmente, ser o Habeas Corpus o remédio cabível para a hipótese, eis que se traduz em garantia constitucional de acesso à justiça, assegurando o direito à vida, a dignidade da pessoa humana e inafastabilidade de apreciação do Poder Judiciário.
Alega, em síntese, que, de acordo com os laudos médicos, o feto gestado pela Paciente não possui chance de vida, em razão de malformações congênitas, pelo que inviabilizada a vida extrauterina.
Assim, requer a concessão de liminar para que seja autorizada a interrupção da gravidez da Paciente, e, no mérito, a concessão da ordem.
Instruiu a inicial com os documentos de fls. 16/45 e 1 (um) volume em anexo.
Liminar indeferida às fls. 47/47v.
Informações da Autoridade apontada como Coatora às fls. 49/50, relatando que a Paciente afirma se encontrar atualmente grávida, em um tempo de gestação estimado em 19 (dezenove) semanas, considerando-se a data de 3.2.2010.
Esclarece que pleito de interrupção da gravidez, por ser o feto portador de Arnold-Chiari II e defeito de septo atrioventricular, impossibilitando sua vida após o nascimento, restou indeferido.
Aduz que o decisum indeferitório se fundou na perspectiva de vida a ser tutelada, nos termos dos pareceres médicos acostados aos autos, e ainda que a hipótese sub judice não autoriza a aplicação da norma permissiva do artigo 128, incisos I e II, do Código Penal.
Parecer da douta Procuradoria de Justiça às fls. 53/55, pela denegação da ordem.
É o relatório.

Voto
Pretende-se, através do presente writ, que seja concedida autorização para a Paciente interromper a sua gravidez, que atualmente já deve ser de mais de 6 (seis) meses, quase 7 (sete) meses de gestação. Recorde-se que, segundo os documentos acostados aos autos em 3 (três) de fevereiro passado, já estava com 19 (dezenove) semanas de gravidez.
Alega-se que, conforme atestariam os laudos médicos, em razão de malformações congênitas, o feto gestado pela Paciente não possuiria chance de vida extrauterina.
É induvidoso que o feto é portador de anomalia conhecidas como Arnold-Chiari II e defeito de septo atrioventricular.
Todavia, o laudo médico trazido aos autos e firmado pelo Dr. Gustavo Guida G. da Fonseca – CRM 5282116-0 (fls. 35/37), conquanto informe que a “associação dessas malformações complica sobremaneira seu tratamento”, não afirma ser ele impossível.
Além disso, embora afirme que a patologia existente no feto traga “fortes indicativos, de acordo com a literatura especializada, de óbito intrauterina ou neonatal.” Também estima que as complicações decorrentes de malformação de Arnold Chiari sejam responsáveis pela morte de 50% (cinquenta por cento) dos pacientes.
A contrariu sensu, portanto, 50% (cinquenta por cento) deles têm chance de sobreviver (fls. 36).
Por outro lado, inexiste nos autos qualquer prova que demonstre que a vida da Paciente gestante esteja correndo risco, quando, então, seria aplicável o inciso I do artigo 128 do Código Penal.
Há, in casu, indubitavelmente, uma gravidez de risco, mas há que se reconhecer a possibilidade do nascimento com vida da criança e até mesmo da existência de chance de que venha a sobreviver, pelo que, embora reconheça as dificuldades, entendo que deve a gestação ser mantida.
Vale transcrever o v. acórdão do Des. CAIRO ITÁLO FRANÇA DAVID, da Quarta Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça:

“Habeas Corpus. Requerimento de interrupção da gravidez em razão de ser o feto portador de adramnia secundária, obstrução urinária baixa, apontando, assim, para a inviabilidade de sua sobrevivência. Objetou-se também que fere a dignidade humana obrigar a adolescente a dar à luz um filho que nasceria com graves sequelas, o que provocaria na mãe intenso sofrimento. 1 – O laudo constante do documento 3 afirma que, se levando em conta a afecção do feto, há cinquenta por cento de chances de que ele não tenha sobrevida, por nascer com oligodramnia e hipoplasia pulmonar. Diz mais que do restante, trinta por cento desenvolvem insuficiência renal entre 10 e 15 anos de vida. Conclui-se, então, que vinte por cento dessa metade possuem chances de nascer com saúde normal. E que os trinta por cento só irão desenvolver insuficiência renal depois de dez ou quinze anos, sendo plenamente viável que nesse tempo a medicina já apresente cura ou pelo menos que possa minorar tal afecção. 2 – Temos interesses em conflito, sendo aplicável o princípio da proporcionalidade, lembrando-se que também fere a dignidade humana negar-se ao feto a chance de sobrevivência. 3 – Dentro da ponderação de interesses em litígio, este julgador opta pela vida, lembrando que o pedido não encontra amparo, seja no Código Penal, seja no Código de Ética Médica. 4 – O sofrimento pode ser tratado, e a futura mãe pode ter apoio psicológico, enquanto que a morte é algo definitivo. 5 – Voto, destarte, pela denegação da ordem.”

(0043851-12.2008.8.19.0000(2008.059.04860) — HABEAS CORPUS — DES CAIRO ITALO FRANÇA DAVID — Julgamento: 19/08/2008 — QUARTA CÂMARA CRIMINAL)

VOTO, pois, no sentido de DENEGAR A ORDEM.

Des. Antonio José Ferreira Carvalho
Relator