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Alienação parental Breve reflexão acerca de uma hipótese particularizada

31 de dezembro de 2011

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Dedico o presente trabalho a todas as meninas vítimas de pretenso e falso abuso sexual e que, por força de dissensões entre os pais, acabaram por sofrer um intenso abalo na formação de sua personalidade, crescendo inseguras, infelizes e indefesas.

Ressalvo que a matéria abordada não traz qualquer conteúdo preconceituoso contra a mulher. Ao revés, a meu sentir, as mulheres mães nas Varas de Família sempre demonstram elevada grandeza na criação dos filhos, muitas vezes de forma solitária diante da injustificada recusa de assistência por parte do marido ausente.

Prefiro iniciar estas considerações jurídicas elogiando a Lei no 12.318 de 26/08/2010 que dispõe sobre alienação parental. Quem atuou durante algum tempo no Direito de Família pode constatar que o referido diploma legal soube bem traduzir a realidade de uma prática odiosa vivenciada nas Varas de Família. Dentre tantos outros inúmeros conflitos familiares de índole econômica, financeira e afetiva, o reiterado estratagema da alienação parental passou a exigir regula­mentação específica na Lei, trazendo um avanço concreto há muito desejado. Essa mobilização legislativa foi resultado de inúmeros fatos ocorridos no âmbito familiar, configurando uma situação intolerável. O Direito é feito de uma revelação da história do cotidiano.

A Lei, ao dispor sobre alienação parental, fê-lo de forma concisa, mas abrangente, através de apenas 8 artigos relacionados.  Deu-lhe conceito no artigo 2o, in verbis:

Art. 2o – Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que  tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este.

 

E no parágrafo único do mesmo dispositivo legal relacionou apenas exemplificativamente as hipóteses de alienação parental.  São elas:

I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II – dificultar o exercício da autoridade parental;

III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V – omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

 

Também conferiu ao magistrado amplos poderes para neutralizar os atos do alienador, nos precisos termos do artigo 6o e seu parágrafo único que têm o seguinte teor:

Art. 6o – Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

III – estipular multa ao alienador;

IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

VII – declarar a suspensão da autoridade parental.

Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.

 

A sociedade precisa agora tomar consciência de que dispõe de um instrumento apto a reprimir e, consequentemente, remediar situações verdadeiramente dramáticas vivenciadas no seio da família.

Não é nosso propósito fazer incursões aprofundadas sobre a matéria jurídica, embora reconheça a complexidade nesse campo onde as relações parentais e sócio-afetivas são largamente diferenciadas.

Sob o ponto de vista conceitual, à luz do que dispõe o caput do artigo 2o, o alvo da alienação é o genitor (pai ou mãe) e o interesse primordial a tutelar-se é o do menor (criança ou adolescente).  Ao ler-se, porém, os incisos VI e VII do parágrafo único do mencionado dispositivo legal, é razoável interpretar-se que avós e outros parentes podem incluir-se também como alvo dos atos ilícitos de alienação parental.

Essa proteção, sem dúvida, irá manter a inserção que já existe da criança ou adolescente no seu núcleo familiar. Quero repetir, todavia, que a análise dessa infinidade de atos, visando ao esfacelamento da imagem do outro genitor, transcende os estreitos limites deste trabalho.

Analiso, pois, uma hipótese particularizada recorrente nas Varas de Família, revestida de singularidade, configuradora de trama muito bem urdida no sentido de eclipsar por completo a imagem do genitor. Refiro-me exclusivamente à figura do pai.  É de elementar sabença que a separação sempre acarreta muita dor, dor que poderia ser sentida silenciosamente e dissipada com o tempo, como de resto ocorre com tantas outras dores que nos invadem a alma ao longo da vida. Infelizmente, em muitos casos de separação, a dor não flui naturalmente. Atinge pontos recônditos da mente humana, aflorando sentimentos recalcados.  A dor, então, converte-se em algo antinatural, geradora de ódio e agressão, retomando fluxo difuso a espalhar-se por diversas pessoas da família ou a ela ligadas direta ou indiretamente.  É a dor da separação não resolvida de quem busca aliados no seu sofrimento.

Por força desse dilema é que, não raro, nos deparamos com agressões físicas do homem contra mulher deixando-a lesionada e tomada por um sentimento de impotência e baixa autoestima.  Esses fatos deram origem à conhecida “lei Maria da Penha”. Permito-me fazer uma breve digressão para lembrar que no Direito Penal estudamos os crimes que deixam vestígios, como acontece, em regra, com os crimes falimentares onde os vestígios da prática criminosa ficam documentalmente materializados.

Pois bem, as agressões físicas geralmente praticadas pelo homem contra a mulher são facilmente comprovadas ante os vestígios concretos de sua ocorrência, podendo ficar materializadas através do exame de corpo de delito. Nessa atmosfera de violência surge a prática de uma modalidade de agressão sub-reptícia, dotada de sutileza, sem deixar vestígios, onde se aperfeiçoa igualmente o delito de forma cruel e com resultados lesivos.  Na maioria dos casos, irreversíveis.

É comum em Varas de Família mães se valerem de expedientes oblíquos visando ao afastamento entre pai e filho.

Existe, contudo, uma hipótese particularizada de agressão, ou seja, aquela consubstanciada na imputação falsa de abuso sexual do pai contra a filha.

Um objetivo comum, nesse tipo de denúncia, é o desejo da mãe de transferir para seu atual companheiro o vínculo afetivo que a filha naturalmente mantém, ou deveria manter, com seu pai biológico. Essa conduta ardilosa e ilícita tem alcançado êxito, pois permite à mãe constituir novo núcleo familiar, sem a indesejável figura do ex-marido. Por outro lado, é um golpe fatal na própria filha, impondo-lhe a condição de órfã de pai vivo, ou, quando menos, condenando-lhe a viver tomada pela dúvida.

Aí surge, a meu ver, o momento para uma advertência relevante. É que essas denúncias, na sua expressiva maioria são feitas através de declaração unilateral da mãe e aceitas pelos órgãos de apoio psicológico/assistência social, que elaboram laudos sugerindo a imediata suspensão da visitação.

Os magistrados, preocupados com a situação emergencial, acolhem o pedido de suspensão da visitação sem audiência da parte contrária. Enfatize-se que o pai nem é chamado pela equipe de apoio.  Com esse quadro de rematada injustiça, está disparado o golpe fatal. A demora na tramitação do processo, as sucessivas exigências de laudos técnicos, a cessação do convívio, todas essas circunstâncias fazem desaparecer muito rapidamente a imagem paterna. A suspensão ad cautelam do direito de visitação cria um amplo espaço para a guardiã prosseguir na sua atuação de induzir a filha a repudiar o pai, criando os mais diversos obstáculos à manutenção dos naturais vínculos afetivos.  É um ilícito engenhoso que não deixa rastro e, ipso facto, de difícil ou quiçá impossível configuração.

Em muito pouco tempo, sedimenta-se um afastamento entre pai e filha, consolidando-se um vazio na vida da menor.  A reaproximação entre ambos cada vez se tornará mais difícil e somente será possível se a mãe cair em si e perceber o mal que ela vem causando à própria filha.

Em suma, a advertência que se impõe fazer neste momento é no sentido de que os operadores do Direito e seus auxiliares cortem o mal pela raiz, usando o instrumento legal de forma eficaz e imediata, porque, caso venha a demorar a intervenção rigorosa do Estado-juiz, certamente será impossível, após o decurso de algum tempo, juntar os fragmentos da personalidade que se decompôs diante de um litígio, transformando uma menina hígida física e emocionalmente em uma pessoa adulta indefesa e desequilibrada.

Nesse contexto podemos ver as falsas denúncias de acusação de abuso sexual infantil como uma violência psicológica imputada pela mãe ao genitor, com reflexos nefastos à sua própria filha, esta que, além de perder a família paterna, passa a ser alvo de um conjunto de atitudes, expressões e ações dirigidas pela mãe a ela (filha) com o objetivo de deturpar a realidade.

Nos processos judiciais, na sua expressiva maioria, a guarda sobre os filhos é concedida à mulher, olvidando-se que os pais, na atualidade, exercem sobre os mesmos uma assistência em igualdade de condições com as mães.

A mulher que se vale dessa condição para auferir algum benefício pessoal transgride o poder familiar. Assim, a mãe que acusa falsamente o pai de abusar de sua própria filha faz uso desse poder familiar de forma perversa, mostrando um comportamento desviante que exige um limite, seja para submeter-se a um tratamento psiquiátrico ou, quando não for o caso, submeter-se à severa aplicação da Lei.

Como já disse no início do trabalho, o Direito é feito de uma história do cotidiano. Ao juiz, cabe aplicar a lei, modificando a triste história de violência. Um passo inicial para tanto é não admitir no limiar do litígio um afastamento entre pai e filho, evitando o enorme risco de criar um vazio impreenchível na relação entre ambos.