Ameaça à democracia

5 de setembro de 2005

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Vivemos um escabroso período de farsas na política. As denúncias feitas pelo deputado Roberto Jefferson, sem as provas que as amparassem, transformaram-se de verossímeis em verdadeiras, à medida que os depoimentos na CPI dos Correios revelavam as fraudes praticadas pela quadrilha que havia tomado conta da direção do PT. A imprensa investigativa tem, por seu turno, contribuído para a comprovação das falcatruas alegadas pelo denunciante.

O presidente da República diz enfaticamente querer que tudo seja apurado e que pague, seja lá quem for, pelos erros cometidos. Ocorre, porém, que na prática o governo dificulta a apuração uma vez que impõe, contra a praxe parlamentar, a presidência e a relatoria da CPI aos petistas ou aliados. Isto nada obstante, o senador petista Delcídio Amaral que foi eleito graças ao empenho do PT – diga-se logo em nome do governo – tem se comportado corretamente, o que tem desagradado o próprio presidente Lula. Assim foi quando, depois da série de cinismo produzida, nos depoimentos, pelo tesoureiro e o secretário-geral do PT, chegou a admitir que o mensalão não é obra de ficção. O próprio presidente chegou a censurá-lo e o senador publicamente pediu-lhe que falasse com sinceridade. Por que a censura? Porque tudo fará o governo para evitar a comprovação dessa imoralidade que se traduz pelo apoio alugado de deputados nas votações de interesse do governo.

Indício claro foi a transferência, para partidos aliados ao governo, de deputados eleitos pelo PSDB e pelo PFL que, em princípio, seriam de oposição. O PTB e o PL cresceram suas bancadas, fazendo parte da base parlamentar de apoio ao governo. O PP, fiel à conduta política de Paulo Maluf, não constituiu nenhuma novidade que se apressasse a aderir ao governo. Teriam os trânsfugas do PSDB e do PFL, para o arraial governista, sido motivados por súbita crise de patriotismo e amor pelos belos olhos do presidente Lula, intermediado pelo então poderoso ministro José Dirceu? As provas que têm surgido, a partir dos documentos que o mecenas Marcos Valério não conseguiu queimar, mas não só elas, falam em favor da compra dos votos de parlamentares desqualificados moralmente, por conta dos milhares de reais mensais e do milhão de bônus anual que os fizeram votar com o governo. Já os ex-tesoureiros do PL e do PP desmascararam a farsa montada por Delúbio e Marcos Valério, consoante a orientação de advogados de grande experiência na área penal.

Tudo para que os delitos sejam pertinentes à caixa dois nas campanhas eleitorais, o que, na entrevista estranha em Paris, não passa de prática sistemática e generalizada em eleições no Brasil. Como ele foi candidato quatro vezes, é de concluir que seu partido recorreu à caixa dois quatro vezes. Aos advogados não cabe, apesar da oração primorosa de Rui ao louvar a nobreza da profissão, negar patrocínio aos meliantes, como se deu no caso corrente. A imprensa chegou a relacionar o próprio ministro da Justiça, talentoso criminalista, como patrocinador oblíquo, em contato com os advogados de Delúbio, para que o dinheiro vultoso, dois anos depois das eleições, decorresse de empréstimos que o magnânimo Marcos Valério se prestasse a avalizar em bancos amigos para o tesoureiro do PT pagar as dívidas da campanha de 2002 e das festas da posse de Lula. Assim, a fraude deixaria de ser um ilícito punível pelo Código Penal e passaria a ser pela Justiça Eleitoral. As vantagens seriam enormes. Cassação de vendilhões da dignidade não mais poderiam perder seus mandatos, protegidos pela prescrição do crime. As penas que poderiam advir seriam muito brandas e talvez até de prestação alternativa.

O cinismo é tão flagrante que Delúbio diz ter feito tudo por sua exclusiva iniciativa. Louve-se, no mentiroso, haver-se ele oferecido em holocausto para encobrir nome mais importantes no partido dito dos trabalhadores. A corrupção é tão palpável que o secretário-geral Sílvio, amparado em habeas corpus, negou-se a revelar na CPI seu patrimônio subitamente aumentado e nutrido pela generosidade de um amigo que o presenteou, não com um modesto Elba, que foi dado ao presidente Collor, mas com um Land Rover caríssimo. Petistas íntegros sentem-se traídos e pedem a cabeça dos deslavados mentirosos, que levaram o novo presidente interino do PT a dizer que sua missão é refundar o PT, juntando, se puder, os cacos que restam daquilo que foi ‘’o partido da ética’’!

Não é por acaso que se chegou ao máximo do despudor: um acordo em que todos os crimes compensassem uns aos outros, anulando-se mutuamente. Não prosperará a torpe manobra, dizem analistas que enxergam a sua inviabilidade legal. Mas não vingará principalmente porque o povo não se permitiria ser sócio da indignidade que compromete não só os princípios republicanos, mas a crença na democracia.