Análise de Impacto Regulatório: Ferramenta a serviço da transparência e da eficiência da regulação

11 de setembro de 2012

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A Constituição Brasileira de 1988 dispõe que o Estado Brasileiro se estrutura sob a forma democrática, tendo por objetivo garantir a dignidade e o bem-estar dos cidadãos, valorizando o trabalho, a livre iniciativa e o pluralismo político. Ademais, na sua função reguladora, o Estado deve atuar de forma a promover a fiscalização, o fomento e o planejamento das atividades econômicas. Atua, portanto, preponderantemente sob a perspectiva regulatória.

Atualmente, parte da regulação estatal é exercida por entidades dotadas de certa autonomia em relação ao Chefe do Poder Executivo: as agências reguladoras. Essas agências atuam (ou devem atuar) na busca do equilíbrio sistêmico do mercado regulado, sendo exemplos de setores regulados telecomunicações, transportes, energia elétrica etc. O fenômeno da regulação, todavia, apresenta-se mais amplo do que as atividades exercidas no interior das agências reguladoras, envolvendo desde as Casas Legislativas, os decretos do Chefe do Poder Executivo e demais atos normativos expedidos por entidades e órgãos administrativos, nas três esferas da federação.

Tendo em vista o fenômeno da regulação do Estado sobre a economia, foi desenvolvido no direito comparado um mecanismo que visa avaliar os impactos dessas decisões nos mercados regulados. É a denominada Análise de Impacto Regulatório (“AIR”), cada vez mais em voga no cenário brasileiro. Trata-se de um instrumento voltado ao mapeamento das consequências positivas e negativas que podem advir da regulação de relevantes temas de um determinado setor ou matéria.

A AIR constitui, assim, um mecanismo de auxílio aos reguladores, devendo ser utilizado quando se estiver discutindo a necessidade de se adotar ou não determinada regulação, seja em âmbito legislativo, seja em sede administrativa, que tenham um amplo espectro de incidência. A abrangência dos efeitos de uma decisão, a justificar o manejo de AIR, costuma estar prevista na legislação e ser atrelada a uma expressão monetária (por exemplo, decisões que aumentem os custos acima de um determinado valor), podendo, ainda, ter por consideração a quantidade de pessoas potencialmente atingidas com a normatização (a título ilustrativo, uma decisão capaz de afetar mais de um milhão de agentes ou consumidores).

No Brasil, não há uma lei geral que exija a adoção de AIR ou defina os casos em que sua utilização será mandatória. Isso, no entanto, não tem impedido entidades administrativas federais de iniciarem experiências na sua utilização, a partir das diretrizes sugeridas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE e da experiência dos países que a adotam. Nesse sentido, o Decreto 6.062/07 instituiu o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação – PRO-REG, no âmbito do qual estão sendo realizadas atividades de capacitação dos servidores públicos para implantação dos mecanismos de AIR nas entidades reguladoras federais.

A finalidade da AIR consiste em oferecer múltiplas alternativas ao órgão, entidade ou Poder do qual seja requerida uma decisão, acompanhadas de uma análise quanto aos seus potenciais custos e benefícios, em termos econômicos, concorrenciais, sociais e ambientais, dentre outros. Ao se buscar avaliar, ex ante, os impactos que podem advir da implantação de novas políticas públicas, por meio de atos regulatórios normativos, busca-se evitar a tomada de decisões equivocadas, cujos custos sociais terminem por suplantar os benefícios esperados ou, ainda, cujos efeitos venham a se mostrar contrários ao interesse público que se pretendia originalmente tutelar. O resultado de uma análise de impacto regulatório é a elaboração de um relatório final de caráter orientador, não-vinculante ao órgão competente para a tomada de decisão.

Ocorre que, embora na teoria inquestionável – pois ninguém advogará contra a importância de serem evitadas políticas públicas cujos custos suplantem seus benefícios – na prática a mensuração e o sopesamento desses custos e benefícios envolvidos no equilíbrio de um sistema regulado pode se apresentar uma tarefa bastante complexa, já que essa medição é, em si, uma dificuldade, além de poder ser questionado se todos os benefícios advindos da adoção de uma determinada política pública podem ser objetivamente mensurados. A inexatidão de informações, a disparidade de técnicas de mensuração, a utilização de diferentes taxas de desconto, ademais da sempre difícil resposta acerca de quanto vale, em termos econômicos, uma política de maior segurança para o consumidor, uma vida salva etc., são elementos que apontam no sentido de que a análise de impacto regulatório não seja um instrumento infenso a ressalvas, não tanto em sua concepção teórica, mas no que tange às diferentes formas com que pode ser implementada na prática.

Como forma de suplantar essas limitações, deve-se promover o maior engajamento possível dos diferentes segmentos da sociedade, atuar com transparência e buscar sempre a objetivação das considerações que sejam realizadas ao longo do processo.

De fato, a principal virtude da AIR reside em abrir espaço para que sejam esclarecidos os elementos que estão sendo levados em conta na discussão que culminará na decisão ao final adotada, permitindo um debate público e dotando o processo decisório de maior racionalidade e transparência, de modo a promover a eficiência administrativa e, simultaneamente, preservar a liberdade individual e a autonomia privada. Por isso, necessariamente deve haver um período de submissão das propostas que estejam em análise ao escrutínio público, mediante processos de consulta e audiência públicas.

Do ponto de vista jurídico, AIRs a serem desenvolvidas no âmbito da Administração Pública serão formalizadas em processos administrativos, tendo início com o diagnóstico de um problema que, na visão inicial do regulador, estaria a requerer uma resposta normativa. A partir da identificação dessa demanda, tem início um processo de obtenção e análise de documentos e informações que permitirão uma tomada de decisão mais racional, pois que objetivamente embasada.

Para que a AIR funcione adequadamente, mostra-se fundamental que o órgão ou ente que a esteja desenvolvendo receba o máximo de informações sobre o tema, dos mais diferentes grupos que potencialmente possam ser (positiva ou negativamente) afetados pela medida e, inclusive, de outras áreas do próprio governo. Para esse fim, será relevante prever mecanismos institucionalizados de participação da sociedade civil, dos agentes econômicos, assim como das demais esferas governamentais, em suas específicas áreas de expertise, as quais deverão fornecer subsídios ao órgão que estiver realizando a análise.

Uma relevante colaboração/previsão nesse sentido foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela nova lei concorrencial brasileira, que entrou em vigor no último mês de maio de 2012. Preocupada com a possibilidade de que excessos ou omissões regulatórias possam permitir a distorção das condições de concorrência nos mercados, a Lei 12.529/2011 previu expressamente que a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF), um dos dois órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, especialize-se na função de cooperação institucional com outros órgãos na promoção dos valores concorrenciais. Nesse sentido, seu artigo 19 atribuiu à SEAE a competência de “promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade”, especialmente para as seguintes finalidades:

• opinar, nos aspectos referentes à promoção da concorrência, sobre propostas de alterações de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, de consumidores ou usuários dos serviços prestados submetidos a consulta pública pelas agências reguladoras e, quando entender pertinente, sobre os pedidos de revisão de tarifas e as minutas;

• opinar, quando considerar pertinente, sobre minutas de atos normativos elaborados por qualquer entidade pública ou privada submetidos à consulta pública, nos aspectos referentes à promoção da concorrência;

• opinar, quando considerar pertinente, sobre proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional, nos aspectos referentes à promoção da concorrência;

• elaborar estudos avaliando a situação concorrencial de setores específicos da atividade econômica nacional, de ofício ou quando solicitada pelo CADE, pela Câmara de Comércio Exterior ou pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça ou órgão que vier a sucedê-lo;

• elaborar estudos setoriais que sirvam de insumo para a participação do Ministério da Fazenda na formulação de políticas públicas setoriais nos fóruns em que este Ministério tem assento;

• propor a revisão de leis, regulamentos e outros atos normativos da administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal que afetem ou possam afetar a concorrência nos diversos setores econômicos do País;

• manifestar-se, de ofício ou quando solicitada, a respeito do impacto concorrencial de medidas em discussão no âmbito de fóruns negociadores relativos às atividades de alteração tarifária, ao acesso a mercados e à defesa comercial, ressalvadas as competências dos órgãos envolvidos;

•  encaminhar ao órgão competente representação para que este, a seu critério, adote as medidas legais cabíveis, sempre que for identificado ato normativo que tenha caráter anticompetitivo.

Verifica-se, assim, um exemplo recente no direito brasileiro de introdução de previsão legal a exigir que as tomadas de decisões concorrencialmente relevantes sejam objeto de prévia análise por um órgão especializado (SEAE/MF), visando a um melhor planejamento das políticas públicas setoriais que estejam sendo gestadas ou revisitas no âmbito de outras esferas governamentais. Pense-se, por exemplo, nos amplos impactos concorren­ciais que podem advir de projetos normativos de liberalização de setores da economia; que aumentem ou reduzam barreiras à entrada em um mercado; que introduzam direitos comercialmente relevantes (p.ex., normas relativas a direitos de propriedade intelectual); normas setoriais que busquem implementar objetivos de políticas públicas regionais, econômicos ou ambientais.

Como visto, o órgão que estiver realizando uma AIR deve preocupar-se em mapear os possíveis setores que serão afetados pelo problema vislumbrado e as possibilidades de solução que estejam sendo discutidas. Uma dessas alternativas, inclusive, deve ser a de não editar uma nova regulação (“não fazer nada”), ou seja, o órgão que estiver conduzindo a análise deverá questionar quais são os custos e benefícios de não modificar o ordenamento jurídico, e quem ganha e quem perde com essa solução.

Do prisma do direito comparado, merece menção que o Presidente dos Estados Unidos, em Ordem Executiva intitulada “Melhorando a Regulação e a sua Revisão” (Executive Order 13.563,/2011) apresentou cinco instruções aos órgãos administrativos, todas voltadas aos impactos que podem ser gerados pela regulação. Nesse sentido, observou que:

(1) a Administração Pública somente deve propor ou aprovar nova regulação quando haja uma “determinação embasada de que seus benefícios justificam seus custos”, embora reconhecendo que alguns desses custos e benefícios podem ser de difícil quantificação;

(2) reguladores devem moldar as normas de modo a impor “o menor custo possível à sociedade”, e que seja consistente com os objetivos regulatórios visados, devendo considerar, sempre que aplicável, os custos decorrentes de um (excessivo) acúmulo de normas;

(3) deverão ser selecionadas as soluções que maximizem benefícios líquidos em termos de potenciais impactos econômico, ambiental, para a saúde e segurança públicas, dentre outras finalidades conforme aplicável, além de impactos distributivos e de equidade;

(4) os  reguladores devem privilegiar a determinação de objetivos a serem atingidos, ao invés de enfatizar os comportamentos ou formas para cumprimento das obrigações impostas aos entes regulados; e

(5) os reguladores devem se preocupar em identificar e considerar as alternativas que estejam disponíveis à “regulação direta” de um determinado problema, devendo ser consideradas também hipóteses como a outorga de incentivos econômicos para encorajar comportamentos desejados (como, por exemplo, a cobrança de taxas ou de licenças, ou a determinação de publicização de determinadas informações, a partir das quais o público possa tomar suas próprias decisões).

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, por sua vez, estabeleceu um guia de orientação para países que desejem realizar AIR (OCDE, Building an institutional frameowrk for regulatory impact analysis, 2008). De acordo com este documento, o processo de AIR, para ser exitoso, deve se preocupar em:

• verificar se o problema se encontra corretamente definido;

• se há necessidade de intervenção governamental para sua solução, tomando em consideração a natureza do problema identificado, os prováveis custos e benefícios da atuação governamental, as alternativas disponíveis (não tomar qualquer medida, promover a autorregulação, atuar direta­mente no mercado, dentre outras);

• a partir das considerações acima, verificar se a regulação é realmente a melhor forma de intervenção;

• se há amparo legal para a atuação;

• esclarecer quais serão os órgãos de governo que deverão estar envolvidos nessa regulação e, quando for o caso, dispor sobre as formas de sua coordenação;

• analisar se os benefícios esperados com a regulação justificam seus custos, e se está clara a distribuição dos seus efeitos entre os diferentes segmentos da sociedade;

• se a regulação pretendida está redigida de forma clara, coerente e acessível aos destinatários da norma;

• se houve oportunidade de efetiva manifestação por parte de todas as parcelas da sociedade possivelmente interessadas (geralmente esta exigência é atingida mediante consultas e audiências públicas);

• se a regulação, uma vez implantada, será realmente cumprida, ou seja, se existem mecanismos efetivos para garantir o compliance.

Corroborando o quanto já foi anteriormente exposto, não se deve perder de vista que o sucesso da AIR depende, em grande medida, do momento em que o processo é deflagrado. Quando se inicia a AIR após o tema já estar muito avançado internamente no âmbito do órgão, ente ou Poder que deverá tomar a decisão – de modo que pré-concepções já tenham sido construídas – torna-se mais difícil que a AIR possa realmente atingir os objetivos a que visa. Assim, é muito importante, para a sua aplicação exitosa, que o procedimento seja iniciado tão-logo o problema, que em tese demandaria uma solução regulatória, tenha sido identificado.

Outra observação relevante consiste em que, tendo em vista que a atividade de regulação não se cinge ao âmbito das agências reguladoras, a Análise de Impacto Regulatório não constitui uma ferramenta à disposição apenas das agências reguladoras, mas pode ser de grande utilidade a todos os órgãos governamentais que tenham que tomar decisões regulatórias com elevado impacto potencial. Portanto, a edição de decretos, atos de conselhos interministeriais, assim como a gestação de novos marcos regulatórios no âmbito do próprio Poder Legislativo podem se beneficiar da realização de AIR.

Por outro lado, a legislação deve se preocupar em esclarecer as situações que necessariamente necessitarão de AIR, pois, do contrário, corre-se o risco de criar excessiva burocracia no âmbito do desenvolvimento das políticas públicas. Apenas matérias de elevada envergadura, em razão do impacto financeiro esperado ou quantidade de pessoas potencialmente afetadas, deve suscitar o manejo desse instrumento.

Em razão da complexidade envolvida no processo de elaboração da regulação, alguns países constituíram um órgão de melhoria da sua qualidade (o “oversight body”). Na origem, este órgão tem por finalidade colaborar e garantir a coerência e aperfeiçoamento da atividade regulatória, podendo, dentre outras funções, auxiliar os órgãos competentes na realização das AIRs. Não se pode desconsiderar, no entanto, o potencial risco de que esse órgão de supervisão termine, na prática (apesar de não ser essa a sua concepção teórica), transformando-se em verdadeiro órgão de controle ou revisor da regulação por parte do Poder Executivo, o que deve ser de todo evitado.

Faz-se importante mencionar, por fim, que a AIR deve ser realizada não apenas no momento de edição de novas normas, mas ser considerada um processo periódico, devendo os órgãos reguladores ser igualmente estimulados a revisar cotidianamente a qualidade da regulação em vigor, de modo a promover a revogação de normas sobrepostas, contraditórias ou desnecessárias, além da consolidação dos textos normativos, de modo a facilitar o acesso e a sua compreensão por parte dos diversos segmentos interessados da sociedade, inclusive daqueles que não tenham formação específica na matéria.

Entretanto, numa sociedade com crescente demanda por bens e serviços, em que se prevê que o poder aquisitivo das classes menos abastadas sustentará o PIB do país nos próximos anos, cabe às empresas em geral, especialmente as de livre atuação no mercado e que geram milhares de demandas para o Judiciário, o dever de assumir rapidamente suas responsabilidades corporativas e atuar de forma contundente e profunda nas causas dos problemas originados em suas atividades, permitindo que nossos Magistrados se dediquem a perseguir sua real e nobre vocação, qual seja, o ideal de Justiça, para o bem da sociedade em geral.