Análise sobre a Constitucionalidade do decreto Nº 2.745/98

25 de junho de 2012

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I – Da questão

01. É sabido que o Tribunal de Contas da União vem proferindo decisões em que declara, concretamente, a inconstitucionalidade do Decreto no 2.745/98, que aprovou o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobras.

02. Ato contínuo, o Tribunal determina que as empresas do Sistema Petrobras passem a atuar consoante as regras da Lei no 8.666/93.

03. Considerando os evidentes prejuízos que essa postura traria às estatais que desempenham atividades econômicas, vimos analisar o tema sob a ótica do exemplo mais concreto.

04. Uma vez que já se tratou exaustivamente da incompetência do Tribunal de Contas da União para declarar a inconstitucionalidade de atos normativos à luz das atribuições conferidas pela Carta Magna de 1988 (MS nos 25.888, Rel. Min. Gilmar Mendes; 25.986, Rel. Min. Celso de Mello; 26.783, Rel. Min. Marco Aurélio; 26.808, Rel. Min. Gilmar Mendes; 27.232, 27.337 e 27.344, Rel. Min. Eros Grau), o tema será estudado à margem desse argumento.

05. O foco aqui será outro, até porque o ideal é formular razões que permitam obter do Judiciário uma declaração, ainda que pela via difusa, da constitucionalidade do Decreto, o que está sendo decidido pelo STF na apreciação do RE no 441.280.

II – Do tratamento constitucional à licitação

06. De início, apresentaremos os artigos da Constituição que tratam da obrigatoriedade de a Administração Pública adotar procedimento licitatório prévio às contratações.

II.1 – Do art. 22, XXVII, e da competência para legislar sobre licitação

07. Segundo a literalidade do art. 22, XXVII, é competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação.

08. É mister chamar atenção para o fato de que não se pode olvidar que, a despeito de ser competência privativa da União traçar normas gerais sobre licitação, decorre do Princípio Federativo – autonomia administrativa – que os demais entes da Federação também podem legislar sobre licitação. Sobre o tema, citamos Marçal Justen Filho:

“A interpretação da fórmula ‘normas gerais’ tem de considerar, em primeiro lugar, a tutela constitucional à competência local. É inquestionável que a Constituição reservou competência legislativa específica para cada esfera política disciplinar licitação e contratação administrativa. A competência sobre o tema não é privativa da União.

(…)

A regra do art. 22, XXVII, deve ser interpretada em função do princípio federativo.”

09. Temos a crença de que o limite no exercício dessa competência pode ser encontrado após interpretação sistemática do art. 22, XXVII, com o conteúdo normativo do art. 24 e seus parágrafos.

10. Em sendo assim, temos que os Estados, DF e Municípios podem – e devem, fortalecendo suas autonomias – exercer suas competências suplementares para criar suas leis específicas, adequando as normas gerais às suas realidades.

II.2 – Arts. 37, XXI; 22, XXVII e 173, §1o

11. No que diz respeito à necessidade de promover certames licitatórios, dispõe o seguinte o art. 37, XXI, da Norma Fundamental:

“Art. 37. (…)

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (Grifo nosso)

12. De modo a regulamentar esse dispositivo constitucional, foi editada em 1993 a Lei no 8.666, Regulamento Geral de Licitações, moldado na forma que dispunha à época o art. 22, XXVII, da Constituição:

“Art. 22. (…)

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle;” (redação do inciso XXVII antes da EC no 19/98).

13. E através do seu art. 1o, parágrafo único, a Lei de Licitações subordinou expressamente toda a Administração Pública, Direta e Indireta, ao seu regime.

“Art. 1o  (…)

Parágrafo único.  Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.” (Grifos nossos

14. Com base no Princípio da Harmonização das Normas Constitucionais, tal dispositivo sempre foi objeto de críticas quanto à sua aplicabilidade sobre as estatais que praticam atividade econômica, em vista do art. 173, §1o, da Carta, que antes da EC no 19/98 tinha a seguinte estrutura:

“Art. 173. (…)

§ 1oA empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.”

15. Contudo, haja vista o princípio da presunção de constitucionalidade das normas e a ausência de declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, o integral respeito de toda a Administração à Lei no 8.666/93 era minimamente sustentável.

16. Era assim, até a publicação da Emenda Constitucional no 19, em 05/06/1998.

II.3 – Da redação atual do art. 22, XXVII e do art. 173, §1o – após a EC no 19/98 – Da clara divisão de tratamento

17. Isso porque, deflagrada por intensa discussão jurídica, a EC no 19/98 promoveu relevantes alterações no art. 22, XXVII e no art. 173, §1o, cujas redações atuais passamos a transcrever:

“Art. 22. (…)

XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1o, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional no 19, de 1998)” (Grifo nosso)

“Art. 173. (…)

§ 1o A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional no 19, de 1998)

(…)

III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional no 19, de 1998)”

18. Percebe-se que a redação do art. 22 revelou muito mais claramente a divisão entre dois cenários distintos, que já podia ser extraída de interpretação sistemática à luz da redação original do art. 173 ou exegese pragmática, se considerada a natureza e o fundamento da atuação estatal em atividade econômica por meio de pessoas jurídicas de direito privado:

a) Estatais que praticam atividade econômica → licitação será regulada pela lei a que se refere o art. 173, §1o, III.

b) Demais entes/órgãos da Administração Pública Direta e Indireta → licitação será regulada pela lei de que trata o art. 37, XXI.

19. Resta assim cristalino que o anseio da Constituição (desejo este manifestado pelo Poder Constituinte Originário e tão somente esclarecido pelo Poder Constituinte Derivado Reformador) é que sejam feitas duas normas, cada uma para o tratamento de licitações a serem promovidas por duas classes diferentes de entes da Administração Pública.

20. Sob o enfoque do art. 22 da CRFB, há necessidade de duas normas, cada uma aplicável exclusivamente, a priori, a uma classe de entes da Administração.

21. Duas normas distintas para dois cenários distintos, entre as quais não haveria qualquer relação de hierarquia ou mesmo de gênero e espécie.

22. Tratar-se-ia, enfim, de duas leis com campos de incidência completamente distintos.

23. O “Estatuto das Estatais” e a Lei no 8.666/93 seriam duas normas federais e gerais. Permitido, logo, o exercício de competência legislativa suplementar pelos demais entes da Federação, editando atos normativos específicos.

25. A lei a que se refere o art. 173, §1o, seria a norma específica para as licitações a serem promovidas pelas estatais que praticam atividades econômicas; enquanto a lei requerida pelo art. 37, XXI (Lei no 8.666/93) seria a norma de aplicabilidade específica às licitações dos outros órgãos/entes da Administração Pública.

26. O professor Celso Antônio Bandeira de Mello ilustra tal entendimento:

“Com efeito, a Constituição, no §1o do art. 173, estabelece que ‘a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica (…)

Sem dúvida, a adoção do mesmo procedimento licitatório do Poder Público seria inconveniente com a normalidade de suas atuações na esfera econômica, isto é, não seria exeqüível em relação aos seus rotineiros procedimentos para operar o cumprimento das atividades negociais em vista das quais foram criadas. As delongas que lhe são próprias inibiriam seu desempenho expedito e muitas vezes obstariam à obtenção de negócio mais vantajoso. Dela não haveria cogitar tais casos.”

II.4 – Da eficácia dos arts. 173, §1o, III e 37, XXI, da CRFB

27. Breve exame dos dispositivos constitucionais nos permite concluir que se está diante de duas normas constitucionais de eficácia limitada e aplicabilidade mediata, seguindo-se a doutrina do eminente constitucionalista José Afonso da Silva.

28. O art. 37, XXI, da Constituição, é regulamentado em termos genéricos pela Lei no 8.666/93, nacional, eis que compete privativamente à União editar normas gerais sobre licitação.

29. Na linha do que já dispusemos, não vislumbramos qualquer óbice a que Estados, DF e Municípios editem suas normas sobre licitação, desde que não violem as regras gerais contidas na Lei no 8.666/93.

30. Deveras, a própria União pode editar norma específica sobre licitação, desde que essa lei se aplique apenas em âmbito federal.

31. Isso não é conjectura acadêmica: a União procedeu dessa forma ao editar os arts. 14 a 22 da Lei no 11.079/04 (que estabelece normas gerais para licitação e contratação de PPPs e normas específicas para a própria União, nos artigos mencionados).

32. A utilidade do argumento acima será percebida quando da análise de constitucionalidade da Lei no 9.478/97.

33. Quanto ao art. 173, §1o, não foi ainda editada a norma geral a ser utilizada quando das licitações nas estatais.

II.5 – Da inaplicabilidade da Lei no 8.666/93 às estatais que praticam atividade econômica

34. Acreditamos, contudo, que mesmo a ausência desta lei não torna a Lei no 8.666/93 diretamente aplicável às licitações das estatais que exercem atividade econômica, haja vista a completa ausência de interseção entre seus campos de incidência.

35. Isso porque a Lei no 8.666/93 não é a norma geral de licitações para toda a Administração Pública. Sua incidência foi expressamente limitada pelo art. 22, XXVII, aos outros entes e órgãos da Administração Pública Direta e Indireta.

36. Nada obstante, acreditamos não haver qualquer óbice a que se utilizem procedimentos análogos ao da mencionada lei quando da condução e normatização dos certames licitatórios pelas estatais que praticam atividade econômica.

37. Mister ressaltar que, em nosso ver, tal prática não decorreria do suprimento de eventual lacuna pela Lei no 8.666/93, por todo o já exposto.

38. Omissões poderiam ser casualmente completadas, deveras, pelo conteúdo normativo da Lei no 8.666/93 que refletisse os princípios do Direito Administrativo expressos e implícitos na Constituição da República, eis que a esses toda a Administração deve obediência.

III – Da necessidade de tratamento diferenciado às estatais que exercem atividade econômica

39. Sobre o caráter dessas estatais e a necessidade de tratamento diferenciado dos demais entes da Administração, José dos Santos Carvalho Filho, é elucidativo:

“(…) no que concerne às empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividades econômico-empresariais, urge conciliar o art. 37, XXI, e o art. 1o, parágrafo único, do Estatuto, com o art. 173, §1o, da CF. É que referidos entes, embora integrantes da Administração pública Indireta, desempenham operações peculiares, de nítido caráter econômico, que estão vinculadas aos próprios objetivos da entidade; são atividades-fins dessas pessoas.”

40. Na medida em que a EC no 19/98 esclareceu essa separação de tratamentos, entendemos (e o tema é controvertido na Doutrina), que o art. 1o, parágrafo único, da Lei no 8.666/93, sobre cuja constitucionalidade já pairavam dúvidas, foi parcialmente não-recepcionado (ou revogado) pela nova ordem constitucional.

41. Não se diga que a natureza de norma constitucional de eficácia limitada do art. 173, §1o, elide a mencionada não recepção, uma vez que toda norma constitucional, mesmo as de eficácia positiva limitada, possuem alguma eficácia (ao menos, eficácias negativa e interpretativa).

42. Nessa linha de raciocínio, não é possível leitura do art. 1o da Lei no 8.666/93 sem uma observação como: “Esta lei não se aplica às empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, na forma do art. 173, §1o, da Constituição da República.”

IV – Da licitação nas estatais prestadoras de atividade econômica: Falta de norma geral

43. Fortes na natureza das normas constitucionais preceituadas no art. 173, §1o, acreditamos que a ausência da norma reguladora a que se refere o §1o gera mais de um efeito.

44. Isso porque a lei de que trata o §1o, que dará eficácia plena ao inciso III, restringirá a eficácia do inciso II, senão vejamos:

“Art. 173. (…)

II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;”

IV.1 – Efeitos da falta de lei em relação ao art. 173, §1o, II

45. O inciso II diz que a lei irá dispor sobre a sujeição das estatais praticantes de atividade econômica ao regime das empresas privadas.

46. Nada mais coerente, consideradas a personalidade jurídica de direito privado, e questões concorrenciais (Ordem Econômica), que demandam tratamento isonômico entre empresas do mesmo ramo, como ilustra o art. 173, §4o.

47. Resulta que a lei a que se refere o §1o, em relação ao inciso II, terá condão apenas de restringir e regulamentar a aplicabilidade do mencionado regime.

48. Em não havendo tal lei, considerada a regra do art. 173, §1o, II, as estatais que praticam atividade econômica deverão regular-se pelo regime próprio de empresas privadas.

49. Nessa linha, seria sustentável até mesmo entendimento de que as licitações dessas estatais poderiam ser normatizadas por simples regulamento interno, obedecidos os princípios expressos no art. 37 da Constituição, por imposição direta do art. 173, §1o, III, in fine.

50. Seguido esse entendimento, qualquer análise sobre legalidade do Decreto no 2.745/98 tornar-se-ia inócua.

51. Obedecida a eventualidade, porém, seguiremos nosso estudo.

IV.2 – Efeitos da falta de lei em relação ao art. 173, §1o, III

52. A leitura do art. 173, §1o, III, ao contrário do inciso II, reflete como evidente a necessidade de lei que discipline o procedimento licitatório, o que torna inviável o exercício pleno e vinculado de seu mandamento sem a lei respectiva.

53. É até possível exigir que uma estatal proceda a uma licitação, assumindo como contível (pela lei a que se refere o §1o) a eficácia da obrigação de licitar (art. 173, §1o, III).

54. Acreditamos, porém, que mesmo tal certame não poderia pautar-se pelo procedimento da Lei no 8.666/93. Essa assertiva encontra abrigo na divisão do art. 22, XXVII.

V – Do caso Petrobras

55. Em 1997 foi editada a Lei no 9.478, dispondo sobre a política energética nacional e as atividades relativas ao monopólio do petróleo, instituindo o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo, além de outras providências.

56. Todo o Capítulo IX desta Lei (arts. 61 a 68) foi dedicado à Petrobras. O art. 67 dispunha sobre o procedimento simplificado, a ser definido em Decreto.

57. Como se percebe, a Lei em questão estabeleceu para o Sistema Petrobras a necessidade de instaurar procedimento licitatório simplificado previamente à celebração de seus contratos. De eficácia limitada, a lei delegou à autoridade máxima da República a edição de decreto para regulamentá-la.

V.1 – Do Decreto no 2.745/98

58. Em 04/08/1998 (ou seja, após a edição da EC no 19, de 04/06/1998), foi publicado o Decreto no 2.745/98, dando plena eficácia à norma do art. 67 da Lei no 9.478/97, como se percebe no item 1.1 do Regulamento.

59. Nota-se, assim, que há todo um arcabouço jurídico adequado para os procedimentos licitatórios realizados pela Petrobras.

60. A Lei no 9.478/97, regulamentada pelo Decreto no 2.745/98, é o próprio Estatuto Jurídico de Licitações da Petrobras.

61. A prática nos demonstra que não é válido qualquer argumento de que o regulamento ser veiculado por Decreto viola a legalidade, já que o Decreto no 3.555/00 (anterior à Lei no 10.520/02) instituiu Regulamento para licitação sob a modalidade de Pregão, consoante dispositivo da sintética MP no 2.026-3, editada em 28/07/2000 (regulamentou o art. 37, XXI, da CRFB instituindo a modalidade de pregão em âmbito federal, e apenas em 2002 foi convertida na Lei no 10.520).

62. A MP no 2.026-3 está para o Decreto no 3.555/00 assim como o art. 67 da Lei no 9.478/97 está para o Decreto no 2.745/98.

63. Situação semelhante se verifica no Decreto no 5.450/05, que, ao regulamentar o art. 1o, §2o, da mesma Lei no 10.520/02, revogou o Decreto no 3.697/00 (que regulamentava o art. 2o, parágrafo único da MP no 2.026-7) e instituiu o Regulamento para o Pregão Eletrônico.

64. Caso também bastante parecido é o da Empresa Brasil de Comunicação S.A., empresa pública de prestação de serviço público com criação autorizada pela Lei no 11.652/08 e com Regulamento Simplificado de Licitação aprovado pelo Decreto no 6.505/08.

65. Logo, não faltam exemplos de decretos instituidores de regulamentos licitatórios. É natural haver um ato normativo sintético que demanda, explícita
ou tacitamente, a edição de regulamento por meio de Decreto.

66. Este fato, somado ao conteúdo normativo do art. 84, IV, da Constituição, nos leva ao entendimento de que o Decreto no 2.745/98 é legítimo, não tendo incorrido em qualquer excesso ao regulamentar o art. 67 da Lei no 9.487/97.

67. Diga-se de passagem, caso o houvesse feito, restaria configurada a hipótese de sustação dos efeitos do Decreto no 2.745/98 pelo Congresso Nacional, por meio da edição de Decreto Legislativo, na forma do art. 49, V, da CRFB.

68. Como se sabe, em quase 15 anos desde a edição do Decreto, tal ato do Congresso não se materializou.

69. Não se observa na relação entre tais atos normativos, igualmente, hipótese de delegação disfarçada, mas de mera regulamentação, eis que o Decreto é mero instituidor de procedimento. Sobre a diferença entre tais institutos, Clèmerson Merlin Clève:

Não há delegação quando o Executivo apenas detalha os conceitos ou categorias referidos pelo Legislador, ou disciplina os procedimentos utilizados pela Administração nas relações travadas com particular em decorrência de lei. Se o Legislador, nesse caso, poderia exaurir o âmbito de regulação da matéria legislada e não o fez, o Executivo pode regulamentar a lei em virtude de competência própria com ou sem autorização legal (regulamentos de execução: art. 84, IV, CRFB).”

V.2 – Do art. 67 da Lei no 9.478/97 como norma especial

70. É com base nestes fatos que, ausente a lei geral de que trata o art. 173, §1o, entendemos que a Lei no 9.478/97, em seu art. 67, funciona como uma lei específica para a Petrobras, estatal que exerce atividade econômica.

71. Todo o procedimento legislativo em questão seguiu dinâmica semelhante àquela refletida no art. 24, §§ 2o, 3o e 4o da CRFB.

72. Enquanto norma específica anterior à norma geral exigida pelo art. 173, §1o, o Decreto no 2.745/98, que regulamentou o art. 67 da Lei no 9.478/97, deverá ser adaptado à nova realidade quando da edição desta norma geral, consoante item 10.2 do Regulamento Simplificado.

73. Como se depreende de todo o exarado, o Decreto no 2.745/98, ao completar a Lei no 9.478/97, regulamentou no ordenamento jurídico uma norma específica, aprovada pelos poderes constituídos e aplicável à Petrobras.

74. É esse bloco normativo que permite a Petrobras a realização de certames em que se demonstra plena vinculação e respeito a todos os princípios da Administração Pública.

VI – Conclusão

75. Em conclusão, acreditamos que o Decreto no 2.745/98 e a Lei no 9.478/97 não padecem de qualquer vício.

76. O Decreto no 2.745/98 consagra mandamento constitucional, contemplando não apenas a natureza privada da Petrobras como estatal que pratica atividade econômica, mas o fato de ser ente da Administração Pública Indireta.