Arnaldo Sussekind, um apaixonado pelo Direito do Trabalho

31 de agosto de 2007

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NOTA DO EDITOR
O Ministro Arnaldo Sussekind é o último dos legisladores vivos que colaborou com as grandes obras jurídicas produzidas no governo do Presidente Getulio Vargas, entre as quais se destaca a Consolidação das Leis do Trabalho, sancionada em primeiro de maio de 1943, da qual foi integrante da comissão elaborada.

A Revista Justiça & Cidadania se orgulha da convivência e ensinamento do magno jurista Arnaldo Sussekind, e, em especial, de sua participação no Conselho Editorial, e aproveita o momento em que esse jovial operador do direito completou 90 anos, além de realizar um feliz casamento com a digna e estimada senhora Olga Pugachlov, para renovar a estima com homenagens a esse merecedor de efusivos cumprimentos e importante personalidade das letras jurídicas brasileira.

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Arnaldo Sussekind não pára. Apesar de ter completado 90 anos de idade, na última segunda-feira, ele demonstra que cada vez mais é um apaixonado pelo Direito do Trabalho. E que está atento às principais mudanças ocorridas no mundo das relações entre empregado e empregador. Tanto que é com firmeza que ele cobra uma solução para o fato de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não abarcar a todos. E é com nostalgia que ele relembra o tempo em que proteção dada ao trabalhador não era considerada sinônimo de prejuízo ao desenvolvimento.

A biblioteca particular, com mais de 5 mil obras, foi o local escolhido pelo jurista para falar ao JORNAL DO COMMERCIO. Diante de uma mesa repleta de condecorações e homenagens, prestadas por órgãos brasileiros e internacionais, Sussekind analisou a situação do País frente a temas como a reforma sindical, a flexibilização e a atualização das leis trabalhistas. Analisou-os com propriedade. Afinal Sussekind, além de ter sido ministro do Trabalho e da Previdência Social no governo Castelo Branco e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é o único integrante da comissão responsável pela elaboração da CLT, instituída por Getúlio Vargas, ainda vivo.

Jornal do Commercio – Diante de tantas pressões para que seja flexibilizada, o senhor acha que a CLT ainda é aplicada?
Arnaldo Sussekind – Aplicada, é. O problema é o seguinte: a CLT foi feita para reger as relações entre empregador e empregado. Hoje há muitos trabalhadores que não são empregados, mas sim autônomos, que trabalham em um tipo de contrato que não é o de trabalho. Quando se diz, então, que a lei não é aplicada a 50% dos trabalhadores, é verdade. Mas é uma verdade também que isso resulta de um desenvolvimento histórico e econômico, do Brasil e de outros países. Esses trabalhadores realmente precisam de uma proteção, porém que é fácil de ser elaborada, visto que eles não têm patrão. Então, tem que ser uma proteção dada pelo Estado, não só (no que diz respeito) à parte de previdência social, que já se aplica a eles, embora muitos não tenham se inscrito. Agora a CLT cumpriu realmente uma função importantíssima, porque fez parte, conforme Getúlio Vargas assinalava, de quatro medidas fundamentais para o desenvolvimento do País e, portanto, seu desenvolvimento econômico. Primeiro, ele desapropriou a Vale do Rio Doce e criou uma empresa pública para explorar o minério. Era preciso transformá-lo em aço. Criou, então, a Volta Redonda. Depois, percebendo que, terminada a guerra, vários direitos dos trabalhadores teriam que ser reconhecidos, concedeu-os para que eles não os reivindicassem por meio de greves e ajudassem, portanto, a produção. A quarta ação foi a criação do Senai, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, para ensinar e profissionalizar os trabalhadores. Essas quatro medidas foram tomadas simultaneamente, visando à industrialização do País, o que realmente aconteceu. Devo acentuar que a CLT inovou muito, mas manteve duas inscrições jurídicas, que não cabiam mudar. Uma delas é a parte sindical, que começou em 1939, continuou em 1941, e foi transplantada para a CLT sem qualquer modificação. E que perdura até hoje.

JC – De acordo com sua avaliação, o que a reforma sindical deve abordar?
AS – A meu juízo, deve ser assegurada a liberdade individual, o que já existe hoje. Há também o problema da pluralidade sindical, que é fundamental. Claro, que a representação da categoria é do sindicato mais forte, mas nada impede que haja outros que lutem para serem mais fortes.

JC – E a questão do imposto sindical?
AS – O imposto sindical teria que acabar. O sindicato tem que viver da contribuição dos trabalhadores. Há algo que a Organização Internacional do Trabalho admite, e que sempre defendi, que se chama cota de participação. É o seguinte: sempre que um sindicato fizer uma convenção ou acordo coletivo, ele poderá incluir uma taxa para ser paga pelos beneficiários dessa convenção ou acordo coletivo. O sindicato trabalhou para ele (trabalhador), obteve uma vantagem e, na convenção feita entre empregado e empregador, estipulou uma taxa. Para isso, a legislação pode estabelecer limites. A OIT considera que isso não viola o princípio da liberdade sindical. Agora o imposto sindical viola.

JC – O problema dos sindicatos também não passa pela questão da representação?
AS – Esse é um problema e, ao mesmo tempo, um paradoxo. A Constituição de 1988, ao repetir a Constituição de 1937, não dispôs sobre as centrais sindicais. Elas, pela Constituição brasileira, são associações civis. Quer dizer que elas comandam o movimento sindical, mas não são entidades sindicais. Isso precisa ser concertado. Agora, o governo respeita as centrais como se fossem entidades sindicais. E já vem anunciado que as confederações devem atribuir a elas uma parte do imposto sindical, forçando até um pouco a lei.

JC – Como era falar em consolidação das leis trabalhistas na década de 1940?
AS – O Brasil sempre apoiou, nessa fase inicial, tanto a Justiça do Trabalho como a organização sindical. A TJ cresceu de maneira enorme. Hoje talvez seja o órgão que tenha maior número de ações judiciais, com cerca de dois milhões de processos por ano. Recebe isso tudo porque a legislação brasileira, depois da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, acabou com a estabilidade. A Constituição de 1988 fala em proteção contra despedido arbitrária, mas em seguida põe uma vírgula e diz: “mediante indenização”. Ora, mediante indenização é uma proteção que não existe. Nesse ponto, a Carta Magna vulnerou o sistema que vinha da CLT. Com isso, os empregadores fazem aquela renovação da mão-de-obra. E toda vez que manda embora o empregado, o empregado vai para a JT reclamar alguma coisa.

JC – Como o senhor avalia as propostas que visam à flexibilização das leis trabalhistas?
AS – A flexibilização nasce com a globalização da economia, com o casamento de uma evolução técnico-científica e com a queda do Império Soviético. Após isso, os países ocidentais, mais o Japão, passaram a não ceder mais ao comunismo. Afrouxaram a proteção dada aos trabalhadores, que até então era mantida em um nível mais alto como forma de se contrabalançar as promessas do comunismo. Com isso, tornou-se mais selvagem, por assim dizer, o sistema de proteção aos trabalhadores. Mas é claro que isso não foi no mundo inteiro. Na América do Sul, porém, a flexibilização tomou vulto.

JC – Em sua opinião, que importância a Emenda Constitucional 45 teve para a consolidação da JT?
AS – Foi positiva porque valorizou a JT. A Justiça do Trabalho passou a ser competente não apenas para julgar a relação de emprego, mas toda relação de trabalho, sendo relação gênero: pega os contratos de Direito Civil, de prestação de serviço, os de representação comercial, entre outros. A competência em matéria envolvendo a Previdência Social também passou para a JT. Não o controle da Previdência, mas os recursos de matérias de contribuição devidas pela Previdência. Há também a parte sindical, que erradamente não era da JT, e passou a ser dela.

JC – Quanto aos pontos que não foram abordados pela emenda, como que prevê a competência para julgar crimes no âmbito do trabalho?
AS – Isso está certo. A Justiça Criminal é específica. O conhecimento da configuração do crime justifica que (a competência) continue sendo da Justiça Penal.

JC – Quais pontos o senhor acha que deveriam ser tratados pela EC – 45 e não foram?
AS – Acho que a Emenda 45 esgotou (todos). Não ficou nada de fora. Acho até que alguns pontos não devessem ser (da JT).

JC – Que pontos seriam esses?
AS – Matéria de previdência. A JT já está com muita coisa, e o número de empregadores que não contribuem para a Previdência não é pouco. Não é que a JT não possa julgar bem isso. É que há uma hipertrofia da JT.

JC – O senhor não concorda que as empresas também são oneradas?
AS – Os encargos trabalhistas não são elevados. E vou dizer por quê: 36% do que incide sobre a folha de trabalho não deveria incidir. Acho que Sesi, Sesc e Senai, por exemplo, são órgãos que fazem um trabalho belíssimo, mas que deveriam ter outra fonte de custeio. Devia ser custeado com o lucro das empresas. Além disso, acho que não deveria entrar no cálculo as despesas para despedida do empregado. Então, se retirarmos esses 36% mais as despesas decorrentes de indenização e aviso prévio, já reduziremos bastante (a folha de pagamento).

JC – Com o tempo, surgiram novos contratos de trabalho que podem ser usados para fraudar as leis. É o caso da terceirização. Como analisa a fiscalização dessas contratações?
AS – A fiscalização é algo que sempre falta. O Brasil é muito grande. Tem muita atividade, muita empresa. O número de inspetores, auditores e fiscais não é suficiente para cobrir tudo. Outra coisa que não é comum, mas deveria ser, é o sindicato comunicar o fiscal do trabalho quando verificada uma anomalia. Isso não é praxe. Nesse ponto, a fiscalização pode melhorar.

JC – O senhor não acha que, depois de tanto tempo em vigor, a CLT deveria ser modernizada?
AS – Eu defendo isso. Inclusive já escrevi artigos com sugestões, que encaminhei para o ministro do Trabalho, o antigo e o atual. Acho que há vários pontos que precisam ser atualizados e até flexibilizados. Flexibilizar, no entanto, sem vulnerar direitos fundamentais e básicos. É o caso do salário. A Constituição de 1988, no artigo 7º, inciso 6º proíbe a irredutibilidade de salário, salvo acordo ou convenção coletiva. Acho isso possível, mas em determinadas hipóteses. A CLT, atualizada, deve regular quais situações e por qual prazo. Acho que esse dispositivo constitucional está sendo aplicado sem limite, porque não há uma lei regulamentando.

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*Jornal do Commercio de 16 de julho de 2007