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Atualização das Áreas Prioritárias para Conservação: crescer por crescer? O que significa para o setor elétrico brasileiro aumentar em 2,8 milhões km² as áreas a serem protegidas.

28 de fevereiro de 2007

Secretário Executivo do Comitê de Meio Ambiente da Associação Brasileira de Concessionárias de Energia Elétrica (ABCE , Secretário Executivo do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico.

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A Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) aprovou, recentemente, a minuta do texto da portaria sobre a Atualização das Áreas Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira.

Como resultado prático, dos 8,6 milhões de km² do território nacional, 2 milhões de km²  são referentes às áreas que já fazem parte do Plano Nacional de Áreas Protegidas, 594 mil km² correspondem às áreas que estão em recuperação e 2,8 milhões de km² relacionam-se às áreas novas. Esse total representa 64% do território nacional ou o equivalente a quatro vezes o tamanho do estado do Amazonas. Os resultados do processo de atualização ainda serão consolidados em relatório, durante um seminário nacional previsto para ocorrer em 2007.

Os alvos de conservação indicados na Amazônia, região que representa mais de 75% das possibilidades  de expansão da construção de novas hidrelétricas, são: o habitat de espécies de primatas, entornos de rios, centros de endemismo, área desflorestada e bacias hidrográficas inteiras. Segundo os estudos já concluídos, o Brasil terá de criar 1.196 áreas de preservação.

Entre os dados que causaram certa surpresa, está a cobertura vegetal existente na Mata Atlântica. Ao invés de 6,98% em relação à área original do ecossistema calculado pela ONG SOS Mata Atlântica, o número obtido pelo governo é de 27,44%. Essa diferença, segundo o governo, deve ser creditada ao método usado pelo estudo.

Ainda de acordo com o estudo, o bioma Pantanal conta com 88,7% de remanescentes, seguido pela Amazônia (85%), pela Caatinga (62,6%), pelo Cerrado e pelos Campos Sulinos (41,3%). O Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), instituído pelo Decreto 5.758, de 2006, tem como efeito prático a constatação de que apenas 5,55% da área total da Amazônia estaria disponível para ocupação da atual e das futuras gerações, na hipótese de os compromissos assumidos com a comunidade internacional serem cumpridos na íntegra. No bioma Mata Atlântica, já haveria um deficit de 31,23% da área necessária para honrar os compromissos brasileiros quanto às áreas protegidas. Isso tem um forte rebatimento no potencial hidrelétrico amazônico, considerando que os principais sítios inventariados estariam afetados direta e indiretamente por áreas prioritárias para a criação de unidades de conservação.

Não há dúvida de que a proteção de determinadas áreas seja importante para o Brasil e para o meio ambiente mundial. Entretanto, é importante refletir de qual forma implementar o uso do instrumento de unidades de conser-vação. Faz-se importante considerar as necessidades de alguma utilização dos recursos naturais para projetos de utilidade pública de forma a alcançar o tão buscado desenvolvimento sustentado do país.

Embora a portaria que aprova o mapa das Áreas Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira não gere restrição legal, a simples referência de um sítio como área prioritária para conservação já está impedindo o licenciamento ambiental. Um exemplo concreto é o licenciamento do  Aproveitamento Hidrelétrico Ipueiras, de 480 MW de potência. Apenas 1,48 % da área prioritária para conservação CP-469, que se destina à preservação do Cerrado, seria potencialmente afetada pela futura hidrelétrica.

Entretanto, esse efeito foi usado como justificativa para inviabilizar ambientalmente o empreendimento, apesar de – entre outras medidas mitigadoras e compensatórias propostas pelo empreendedor – estar incluída a implantação efetiva da Unidade de Conservação (UC) de uma área com cerca de 46.000 hectares (equivalente a 43% da área a ser alagada), localizada no município de Paranã (TO). Além dessa área, a empresa apresentou como proposta de custeio da UC os recursos oriundos da compensação ambiental do empreendimento e um financiamento na forma de 50 salários mínimos mensais, durante o período de concessão do empreendimento.

Outro desafio é a inexistência de corredores de acesso da transmissão da energia gerada, impedindo a viabilização de empreendimentos que diretamente não estão afetados por UC´s, mas estão sem condições de conexão com o Sistema Interligado Nacional (SIN) devido ao impacto em Áreas Prioritárias para Criação de UC’s.

Na prática, tais imposições impedem que a União conheça o potencial hidráulco brasileiro pelas restrições de acesso impostas aos sítios, onde se questiona: pode uma Lei (SNUC) impedir a própria União de conhecer o seu potencial hidráulico?

Identifica-se uma agenda regressiva entre a geração hidráulica e a área ambiental. A manifestação de interesse por um determinado sítio (desenvolvimento de inventários e estudos de viabilidade) corresponde, ato contínuo, a uma manifestação de interesse pela área do sítio para fins de preservação, de forma a integrar os mapas de áreas preferenciais para preservação. O plano já existe, cabendo ao Poder Público detalhá-lo, implementá-lo, com o objetivo de manter as áreas prioritárias constantemente atualizadas.

No ano de 2005, o Programa 0499 do Ministério do Meio Ambiente (MMA) – “Áreas Protegidas do Brasil” – previa investimentos de R$ 30,5 milhões, dos quais apenas R$ 23,2 milhões foram empenhados. Em 2006, foram orçados R$ 53,5 milhões, quando, aproximadamente, R$ 33 milhões foram empenhados. Em 2007, estão previstos investimentos de R$ 54,1 milhões, sendo apenas R$ 295 mil a serem aplicados na ação “Regularização Fundiária das Unidades de Conservação Federais”.

As unidades de conservação existentes carecem de recursos financeiros e de pessoal necessários para manejá-las adequadamente, estimulando, indiretamente, até mesmo o desmatamento e a ocupação irregular. Questões importantes não têm sido objeto de estudos técnicos e econômicos realistas, tais como o crescimento demográfico das populações tradicionais, dentro de UC´s de uso sustentável, e o desejo de  muitos extrativistas de obterem melhor padrão de vida, expandido suas atividades, demandando mais recursos naturais e, conseqüentemente, aumentando a degradação ambiental.

Como parte da discussão refere-se aos aportes necessários ao meio ambiente, observa-se que não se sabe com clareza quando e onde foram aplicados os recursos compulsórios da compensação financeira e royalties do setor elétrico (totalizaram R$ 550 milhões no período 2003 a 2006), e as Participações Especiais do Setor de Petróleo (totalizaram R$ 2,2 bilhões no período 2003 a 2006) repassados diretamente ao MMA/Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

O Brasil busca permanentemente, principalmente após o evento deletério do racionamento, equacionar o suprimento de energia necessária ao consumo atual e ao crescimento previsto de maneira sustentável. São necessários cerca de 4.000 MW novos de geração elétrica ao ano para um crescimento previsto de 4% do PIB, o que significa adicionar uma Itaipu ao sistema brasileiro a cada três anos. O atendimento dessa necessidade está permeado pela discussão sobre qual fonte utilizar. Vale ressaltar que não existe opção que não tenha nenhum efeito sobre o meio ambiente. Há grande preocupação internacional sobre o aquecimento global. Os países têm procurado incrementar a produção de energia por fontes renováveis tentando substituir, na medida do possível, a produção de energia por fontes emissoras de gás de efeito estufa. O nosso potencial hidroelétrico é, sem dúvida, uma vantagem comparativa neste aspecto. Entretanto, como mencionado, não há fonte que não tenha interferência ambiental.

Dentre os principais impactos das usinas hidrelétricas, destacam-se as áreas inundadas pelos reservatórios, e suas conseqüências sobre o meio físico-biótico e sobre as populações atingidas. As preocupações com essas questões são agravadas pelo fato de a maior parte do potencial hidrelétrico remanescente estar localizado em áreas de condições socioambientais delicadas, por suas interferências sobre territórios indígenas, sobretudo na Amazônia, nas áreas de preservação e nos recursos florestais, ou em áreas bastante influenciadas por ocupações antrópicas.

A “esterilização” dos potenciais hidrelétricos decorrentes da sobreposição com sítios de áreas prioritárias para conservação reduz a vantagem comparativa das usinas hidrelétricas frente às outras fontes de geração do próprio ponto de vista ambiental e econômico. Tal fato torna-se mais um entrave à competitividade da cadeia produtiva nacional e ao desenvolvimento sustentado, engessando investimentos, gerando efeitos inflacionários, drenando a renda que reduz o poder aquisitivo dos agentes econômicos, em especial das populações mais necessitadas, pois promove a instalação de novas usinas mais poluidoras e caras, responsáveis pelo aquecimento global e chuvas ácidas que agridem os aqüíferos subterrâneos.

O processo de degradação do meio ambiente em pleno andamento não pode ser encarado como fato suficiente para decretar a inviabilidade ambiental de um empreendimento hidrelétrico. Pelo contrário, os fatos demonstram que os empreendimentos do setor elétrico ajudam a reverter essa situação. A criação e a manutenção de UC’s pelos empreendimentos, além de todas as medidas mitigatórias, destinam-se a compensar os impactos não mitigáveis e têm colaborado para evitar que essas áreas em franco processo de degradação desapareçam. A transversalidade do tema ambiental não tem sido abrangida em sua totalidade, sendo que as políticas públicas apresentam um viés preserva-cionista. Consideramos imprescindível a coordenação das prioridades ambientais às sociais e econômicas para o sucesso do país na busca do desenvolvimento sustentável.

 

Sugestões

Todos são a favor do emprego de energia limpa em quantidade suficiente para as necessidades básicas e o crescimento do país. O argumento de se eliminar o desperdício para evitar novos investimentos torna-se frágil na medida em que o Brasil consome menos do que a média anual mundial. Embora a tecnologia tenha avançado bastante, não há mágica que faça as interferências dos empreendimentos desaparecerem. Desenvolvimento não rima com falta de energia elétrica. O princípio da precaução, salvo melhor juízo, tem sido aplicado indiscriminadamente sem a necessária relativização, haja vista que alguns riscos podem ser controlados, mas não eliminados, por serem intrínsecos à atividade humana.

O meio ambiente é composto por bens ambientais de fruição difusa e essenciais à sadia qualidade de vida para  presentes e futuras gerações. O equilíbrio ambiental é dinâmico, indeterminado e difuso – intrinsecamente conflituoso. As normas ambientais necessitam ser harmonizadas em nível federal, estadual e municipal. Devido a isso, tem-se observado a judicialização dos processos de licenciamento dos projetos de infra-estrutura. Considerando a complexidade e a  essencialidade da energia para a sociedade, torna-se necessário preparar o judiciário com peritos altamente especializados para minimizar as dificuldades de convergência técnica e jurídica na aplicação adequada das normas. A criação de Varas Ambientais pode vir a ser uma opção para a resolução de controvérsias ligadas ao licenciamento ambiental de empreendimentos hidrelétricos e para as unidades de conservação.

Igualmente importante é a consolidação do entendimento quanto aos chamados conceitos jurídicos indeterminados (impactos ambientais significativos, relevante interesse…) e o aperfeiçoamento da informação que orienta a tomada de decisão sobre a viabilidade ambiental de empreendimentos. Esse debate requer o envolvimento direto da comunidade científica, além dos segmentos técnicos e jurídicos participantes da gestão ambiental no Brasil. Para tanto, é necessário considerar que são necessárias decisões eficazes que levem a soluções reais, procurando promover uma administração  efetiva, evitando o perigo do desconstrutivismo por um ideal utópico – cultivo da impossibilidade. Isso significa que o “não pode” e o “nada pode” acabam por gerar distorções, além de não assegurar efetivamente o cumprimento dos preceitos constitucionais. É necessário continuar com ações corretivas e reforçar as posturas preventivas e pró-ativas no conserto de políticas públicas – ações de governo, intersetoriais e integradas –, consolidando um processo eficaz de articulação institucional entre as políticas de meio ambiente, recursos hídricos e energia.

Outros pontos fundamentais são:

• perseguir o cumprimento dos ditames expostos no Art. 43º da Lei 9985/00: “O Poder Público fará o levantamento nacional das terras devolutas, com o objetivo de definir áreas destinadas à conservação da natureza, no prazo de cinco anos após a publicação desta Lei” (75% da Amazônia são terras públicas);

• analisar o impacto regulatório da Atualização das Áreas Prioritárias para Conservação (custos, al-ternativas, sobreposições regulatórias e consistência das propostas).

O desenvolvimento de instrumentos jurídico-institucionais mais aderentes à realidade brasileira pode vir a garantir a reserva de áreas para estudos e/ou implantação de empreendimentos hidrelétricos (geração e transmissão), face ao crescimento do número de UC’s criadas ou a criar, com diferentes graus de restrição, especialmente na Amazônia, inclusive com a criação do Sistema Nacional de Reservas Energéticas do Potencial Hidráulico Nacional.

As políticas públicas precisam ser desenvolvidas de forma mais global e menos pontual. É fundamental responder de forma concreta à pergunta: como atender à demanda por
recursos naturais, incluindo a exploração de novos potenciais hidráulicos, fornecimento de energia elétrica, levando em consideração o equilíbrio entre o meio ambiente, o desenvolvimento e o interesse social?