Balanço ambiental Positivo

3 de outubro de 2009

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Há pouco mais de um ano como Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc vem mostrando que sabe dialogar com os dirigentes das demais pastas. Em entrevista exclusiva à “Revista Justiça & Cidadania”, ele fez um balanço de sua atuação e constatou que o número de concessões de licenças aumentou desde que passou a comandar o Ministério. Pelas contas que faz, seriam 40% a mais de autorizações do que na gestão de sua antecessora, Marina Silva. Isso não quer dizer, entretanto, que ele tenha arredado o pé em suas convicções para facilitar as negociações.
“Estamos concedendo licenças com mais rapidez, porém de forma mais rigorosa. Isso é uma coisa interessante. Temos 40% a mais de licenças, porém com mais rigor. Acho que esse é um bom caminho. Se não dermos licença nenhuma, acabamos criando conflitos com a área econômica e os outros ministérios”, afirmou o Ministro, comentando como vem, na prática, ocorrendo este “rigor”.
No que diz respeito à terceira Usina Nuclear de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, por exemplo, o Ministro estabeleceu que o monitoramento dos índices de radioatividade deveria ser feito por organismos independentes, ligados a universidades, de modo que qualquer cidadão pudesse ter acesso aos dados, independentemente da necessidade de autorização do órgão competente.
Minc também brigou para que o grupo responsável pelas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), arcasse com os custos do desenvolvimento naquelas localidades. Estima-se a criação de 20 mil novos empregos — o que certamente provocará a migração em massa para a região. As empresas envolvidas terão que investir em saneamento básico, habitação e na elaboração e efetividade de planos de recuperação ambiental.
Chamam atenção ainda os leilões de gado e madeira ilegais apreendidas pelo governo. Apesar dos esforços dos infratores, a medida acabou dando certo e resultando na arrecadação de cerca de R$ 2,5 milhões logo no início da sua implantação. Para o Ministro, no entanto, esse não foi o maior ganho. “Houve uma queda substancial no desmatamento, algo na ordem de 80% a 90%, sendo em alguns casos até de 100%”, constatou.

JC – A regulamentação da Lei do Meio Ambiente é recente, de 2008, e foi alvo de muita polêmica. Principalmente o seu artigo 3º, inciso IV, que prevê a apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais que sejam objetos da infração. Essa previsão legal motivou a criação da Operação Boi Pirata. Quais resultados já foram alcançados com esssa operação?
Carlos Minc – Tínhamos leis ambientais, a de crimes ambientais e várias outras, mas os dispositivos não eram cumpridos por falta de regulamentação. Além disso, estávamos lidando com uma questão, que era a da impunidade. Víamos, em muitos locais, especialmente na Amazônia, o agente econômico entrar em uma terra que não era a dele e não pagar imposto, não assinar carteira, nem pagar multa, e nada acontecer. Então, dava a impressão de que o crime compensa. Por outro lado, para ele fazer a coisa certa — que seria recuperar uma área degradada, pegar um crédito e apoio tecnológico — era complicadíssimo. Então, sempre que o errado for fácil e o certo for muito difícil, perderemos a guerra. Temos que inverter isso, fazer com que o crime ambiental não compense. Ao mesmo tempo, temos que simplificar a vida daqueles que querem fazer o procedimento adequado. Então, preparamos, e o Presidente Lula assinou, o decreto de crimes ambientais, que em um dos seus inúmeros artigos criou a figura do perdimento. Com isso, passamos a promover o embargo, a apreensão e o leilão como uma medida de prevenção administrativa para vedar o crime continuado.
Nessa primeira ação, houve muitos lances e contra-lances. Isso, inclusive, chegou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O caso foi relatado pelo Desembargador Souza Prudente. Era a primeira vez que isso acontecia no Brasil, e o Desembargador manteve, dizendo que havia respaldo jurídico para essa atuação. Fizemos, então, a apreensão na Terra do Meio, que é uma estação ecológica (localizada no Pará) e o leilão foi organizado pela Companhia Nacional de Abastecimento. No entanto, houve um pacto entre os pecuaristas de que ninguém compraria. Eles queriam quebrar a operação. No terceiro leilão, o gado foi vendido. Eram 3.150 cabeças. Se não me engano, isso gerou algo em torno de R$ 2.200.000,00 ou R$ 2.500.000,00. O ganho maior, no entanto, não foi esse. O que verificamos em toda essa área foi que cerca de 40 ou 50 mil cabeças de gado foram retiradas dessa reserva federal. A terra nem pertencia àquele que estava desmatando e colocando o gado lá.
Uma entidade importante da Amazônia, chamada Imazon, que todo mês divulga estatísticas de desmatamento a partir de satélites, fez um trabalho em torno dos municípios de São Félix do Xingu e da estação ecológica da Terra do Meio, no Pará. Eles usam os mesmos satélites que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, mas a forma com que organizam os dados é diferente. Eles verificaram que nos meses seguintes houve uma queda substancial no desmatamento, algo na ordem de 80% a 90%, sendo em alguns casos até de 100%, por causa dessas medidas. Temos vários leilões, de madeiras piratas a gado. Muitas vezes, fazemos acordos, por meio do qual doamos esse material ao Município afetado para que construa uma escola municipal, uma ponte ou casas populares, de modo a oferecer um emprego à população que trabalhava em serrarias ou carvoarias ilegais, dando-lhes alguma cobertura social.
Nos próximos dias, vamos assinar um acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, do Ministro Patrus Ananias, para que esse recurso, seja do gado ou da madeira, se converta em um tipo de apoio e alternativa de emprego, enquanto não vem a Operação Arco Verde. Essa sim é uma grande operação, com o envolvimento de dez ministérios; trinta órgãos; recursos do Banco da Amazônia (Basa), do Banco do Brasil e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que dá apoio à agricultura de bom rendimento e baixo impacto; assim como com o Ministério da Pesca, que põe a piscicultura como alternativa contra o boi pirata, já que permite a geração de uma proteína animal oriunda do peixe que não se expande nas florestas, nas terras públicas e nas áreas protegidas; e também com o Governo do Pará, que apoiou a fiscalização.

JC – A situação dos moradores da região desmatada que dependem economicamente da exploração ilegal, de forma direta ou não, é levada em consideração antes da adoção das medidas preservativas?
CM – É levada em consideração. Inclusive, durante todo esse último ano batemos às portas dos ministérios. Alguns prefeitos e governadores se queixavam de que a Operação Arco de Fogo chegava mais rápido e intensamente com as medidas de controle e repressão, em suma, de combate à impunidade e ao crime ambiental; mas que a Operação Arco Verde, não. Essa última é justamente a que contém as alternativas que mencionei anteriormente, para o manejo florestal sustentável, pequenas empresas de tecnologia limpa e de serviços ambientais, assim como para o reflorestamento das matas ciliares de alguns rios. Então, havia um descompasso. Há dois meses e meio, a Operação Arco Verde começou com força total. Desde então, desencadeou-se a Operação Arco Verde Terra Legal, que já cobriu, até o dia 25 de agosto deste ano, 23 dos 43 municípios que são os maiores desmatadores da Amazônia. Incrível, a Amazônia tem mais de 500 municípios, mas apenas 43 são responsáveis por 55% do desmatamento. É claro que temos que começar por aí. Nesse tempo, foram feitos 120 mil atendimentos, que visaram à regularização fundiária; às operações de crédito e pequeno crédito, do Banco do Brasil e do Basa; ao manejo florestal; à instalação de postes da Embrapa, exatamente pra ajudar a agricultura de bom rendimento e baixo impacto, assim como do Ministério da Pesca e do Instituto Nacional de Seguridade Social.
Então, qual é a minha grande esperança? Até agora — portanto, de agosto do ano passado a julho desse ano — conseguimos reduzir o desmatamento da Amazônia em cerca de 45%. Vamos ter, então, nesse ano, o menor desmatamento dos últimos 20 anos. Isso por causa, sobretudo, das ações de fiscalização forte, da destruição de fornos ilegais de carvão, do corte de crédito para os desmatadores e, diria, de apenas 10% de alternativas sustentáveis. Meu grande sonho é que, nesse próximo ano, pelo menos metade das ações que resultem em queda do desmatamento esteja ligada ao implemento e ao incentivo de atividades sustentáveis. Temos vários mecanismos, um deles é o Zoneamento Econômico e Ecológico. Estamos colocando gente e recursos, priorizando, correndo atrás e fazendo reuniões na região. A expectativa é boa. Nossa ideia é a de que até janeiro do ano que vem já estejamos concluindo o Zoneamento Econômico e Ecológico de toda a Amazônia.
A segunda linha é o Fundo Amazônia. Brigamos e conseguimos implantar os critérios e o conselho. Os primeiros projetos já foram enquadrados pelo BNDES. Esperamos que já a partir do fim de setembro e início de outubro os primeiros seis ou oito projetos, com valor de cerca de R$ 60 milhões, já estejam chegando com alternativas para as instituições científicas, como por exemplo, o Museu Goeldi e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, instituições reconhecidas e que remuneram pessoas pelos serviços ambientais de recuperação de áreas degradadas. Uma terceira linha diz respeito à Operação Arco Verde, que tem como objetivo atenuar os efeitos da Operação Arco de Fogo e abrir empregos verdes. Outra ainda é a operação de regularização fundiária, que dá muito mais segurança jurídica para as pessoas e acaba sendo um inibidor da violência no campo. Se a pessoa não tem um título, é muito mais fácil mandar matá-la e dizer que é a dona, mas se ela tem um papel registrado, atual e reconhecido, isso acabará com a violência. Então esses quatro projetos juntos — Terra Legal, Arco Verde, Fundo Amazônia e Zoneamento Econômico Ecológico — nos permitirão combater o desmatamento abrindo alternativas sustentáveis.

JC – Sobre o Zoneamento Econômico e Ecológico, muito se noticia que, nos moldes em que foi aprovado, acabará por aumentar o desmatamento e diminuir a recuperação das áreas degradadas. Qual a sua interpretação para essas notícias e o que elas têm de verdade?
CM – Isso não é verdade. A questão completa é a seguinte: o próprio Código Florestal — não a versão que querem fazer dele em que se diminuem as defesas das florestas — prevê que, em algumas áreas completamente degradadas ou com atividades econômicas consolidadas, há a possibilidade de se continuar a explorar 50% delas, desde que isso seja aprovado no Zoneamento Econômico e Ecológico. Por exemplo, há um mês, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) votou o ZEE das terras em torno da BR 163 e da BR Transamazônica. Essas duas áreas juntas, que são enormes, representam mais de um terço de todas as terras do Pará. Então, esse trabalho foi feito através de oito audiências públicas, com milhares de pessoas. Quem deu o apoio e a base técnica foi o ZEE Brasil, um consórcio composto por quatro instituições: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Embrapa, o Ministério do Meio Ambiente e a Companhia de Recursos Minerais. Portanto, um pessoal seríssimo. Isso foi para o governo, que mandou para a assembleia uma lei, que votou. Então, o Pará passou a ter uma lei. Isso, no entanto, só significa que haverá uma alteração se o Conama aprovar, e isso aconteceu.
O que existe de concreto nesse fato? Para citar outro exemplo, da BR163, de Cuiabá a Santarém, só em apenas duas dessas áreas — uma completamente degradada, com área 100% desmatada, e a outra completamente ocupada com atividade consolidada há mais de 10 anos — definiu-se que poderia ter o aproveitamento de metade delas e a recuperação ambiental da outra metade. Para uma área que está 100% degradada, recuperar metade e intensificar a produção na outra parte não é um mau negócio. Se você pega uma área dessas, usa a tecnologia e intensifica a produção, é uma forma de inibir a expansão da produção em áreas ainda virgens e intocadas do bioma. Então, dobrar ou triplicar a produtividade em uma área garante alimento, emprego e renda numa região menor. Na Amazônia, vivem 24 milhões de pessoas, elas têm que sobreviver. É melhor intensificar em uma região já degradada do que deixar que a expansão ocorra com uma moto-serra em cima do que restou. Por isso, acho que essa interpretação é um equívoco de quem não sabe que isto está previsto no Código Florestal, que existe o ZEE Brasil com a participação da Embrapa e do IBGE, que isso passa pelo Conama e que a recuperação é obrigatória. O balanço ambiental é positivo, porque se recupera uma área que estava completamente detonada, desmatada, degradada e ainda se intensifica a produção.

JC – O senhor continua contrário à energia nuclear?
CM – Veja como é que se coloca essa questão. A crítica à energia nuclear vem de alguns pontos. Essa é uma atividade muito concentrada e cara, e não há uma solução segura para os rejeitos radioativos. Houve grandes problemas e acidentes no mundo, como o caso de Trimailai, nos EUA, e o caso de Chernobyl, na União Soviética. Chernobyl, por exemplo, afetou milhares de pessoas em oito países. Então, no episódio do Brasil, sempre critiquei porque nosso País é a terra do sol, do vento e da biomassa. Estávamos usando uma energia que era duas vezes mais cara e não sabíamos o que fazer com o lixo atômico (o Césio, o Xenônio, o Urânio, o Plutônio), que tem um ciclo de 400 a 500 mil anos. É verdade também que, nesse período, vários dos acidentes ou incidentes que detectamos não foram passados para a sociedade pela Eletronuclear, mas sim por engenheiros lá de dentro que tinham um nível maior de consciência. Assim descobrimos 18 pequenos ou médios acidentes, ou incidentes. O mais grave deles ocorreu em julho de 1986, que foi o vazamento de água do circuito primário do núcleo do reator de Angra Um que poderia levar à fusão daquele reator da matéria nuclear, depois queimar e se enterrar na terra, contaminando enormes áreas e provocando muitas mortes.
É verdade também que, nos últimos anos, alguns ambientalistas, em vista da questão do efeito estufa e de estarem ocorrendo menos acidentes na proporção de Chernobyl ou Trimailai, mudaram um pouco. Como a questão que mais preocupa é o aquecimento global, alguns passaram a ser muito menos críticos e outros até favoráveis. Não é o meu caso. Acho que temos energias mais seguras e mais baratas. Diferentemente de países que não têm essas alternativas, nós temos. Então, por que usar uma que custa o dobro do preço, e não resolver, entre outros, o problema do lixo atômico?
Quando houve o licenciamento de Angra Três, a então Ministra Marina Silva tinha uma posição bem semelhante à minha. Isso foi a voto no Conselho Nacional de Política Energética, o CNPE, e a Ministra perdeu por 12 x 1. Quando cheguei ao Ministério, o licenciamento de Angra Três estava 90% realizado. Então, o que fiz? Declarei que tinha a mesma posição, que não era favorável. Como isso já tinha sido votado, dei prosseguimento, mas introduzi algumas novas questões. Por exemplo, introduzi a questão de que o monitoramento não poderia ser feito pela Eletronuclear, mas por um organismo independente — uma fundação universitária como a Coppe ou a Unicamp —, de tal maneira que não fosse a operadora a dizer se tinha ou não acontecido algum vazamento. Isso já é feito na Espanha e em outros países. Lá há um local com vários computadores ligados a sensores em terra, ar e mar; qualquer cidadão comum — um juiz, parlamentar ou jornalista — pode chegar a qualquer hora e verificar como está a radioatividade, independentemente de a operadora liberar ou não essa informação. Isso é uma inovação.

JC – Que outra medida o senhor adotou em relação a isso?
CM – Eu disse que não haveria licença de operação — que é a última etapa, daqui a cinco anos — sem que houvesse uma solução de longa duração para o lixo atômico. Não disse uma solução definitiva, porque ela não existe; uma das razões das críticas. Logo dessa decisão, disseram que não cabia ao órgão ambiental dispor sobre isso, que era algo exclusivo da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Eu falei que não. A Comissão Nacional tem o poder de definir como deve ser o transporte, a disposição, etc. Por exemplo, hoje em dia o lixo atômico de Angra Um e Dois está em uma piscina ao nível do mar, a cem metros do mar, no núcleo do reator em frente à Ilha Grande, que é uma das pérolas da Mata Atlântica do Brasil. Como o nível do mar, daqui a 30 anos, deverá subir de 15 a 20 centímetros, isso não é admissível. Provei que essa era uma questão ambiental. Não estava discutindo como seria transportado ou armazenado, mas dizia que tínhamos que ver qual a solução encontrada pelos países desenvolvidos que há mais tempo utilizam isso. Lacrar e enterrar em uma mina de sal estável geologicamente a 1000 metros, por exemplo.
Depois de certa queda de braço, eles aceitaram, e assim será. Com Angra Um e Dois vieram muitas pessoas para a região. Não havia casa nem saneamento. Houve poluição do mar, construções nas encostas e favelização da Mata Atlântica. Então, cravei a ideia de que eram necessários recursos para a habitação popular. Ficaram definidos
R$ 50 milhões para o saneamento e a adoção de um parque federal, que é o Parque Nacional da Bocaina. Não gostaram muito, mas assim será. Não tem sentido se não aprendermos com os erros. Fiz a mesma coisa pelas hidrelétricas do Rio Madeira (em Jirau e Santo Antônio, em Rondônia), que vão provocar a ida de milhares de pessoas para lá. Inclusive, estabe­lecemos que a prioridade seria para as pessoas da região. Mesmo assim, essas hidrelétricas vão empregar 20 mil pessoas cada uma. E a habitação delas? Vão jogar isso para cima do poder público? E o saneamento? Então os consórcios de Santo Antônio e Jirau tiveram que bancar a adoção de unidades de conservação, o monitoramento de terras indígenas, R$ 30 milhões para o saneamento de Porto Velho, R$ 30 milhões para a habitação, além de preparar programas com duração de 20 anos para salvar a fauna ameaçada de extinção na bacia do Rio Madeira. Estamos concedendo licenças com mais rapidez, porém de forma mais rigorosa. Isso é uma coisa interessante. Temos 40% a mais de licenças, porém com mais rigor. Acho que esse é um bom caminho. Se não dermos licença nenhuma, acabamos criando conflitos com a área econômica e os outros ministérios. Não é que a (ex-ministra) Marina Silva não concedesse licenças. Ela concedia muitas. Mas uma das principais razões do desgaste que sofreu no ano anterior à saída dela estava ligada ao licenciamento ambiental. Então, optamos por esse caminho de fazer com que ele fosse mais ágil e mais rigoroso.

JC – Uma questão que ficou muito batida na mídia foi a dos 89 containeres encontrados no porto de Santos. Quais as medidas punitivas adotadas e o que pode ser feito para   impedir novas remessas de lixo ao Brasil pelos países desenvolvidos?
CM – Essa é uma questão emblemática. Assim que detectamos que havia chegado o lixo — nesse caso basicamente lixo domiciliar — no Rio Grande do Sul e em Santos, imediatamente falamos com o Presidente Lula. Dissemos que isso era inadmissível, que os países desenvolvidos tinham discursos de salvação do planeta e que mandar o seu lixo doméstico, hospitalar ou químico para países em desenvolvimento, tendo eles, os ricos, muito mais recursos financeiros e tecnológicos para dar uma destinação final adequada, não era jurídica e eticamente adequado. Recebemos multas violentas, entramos junto com o Itamaraty na Convenção da Basiléia, que no artigo 9º diz que os países são co-responsáveis por erros como esses — de enviar ilegalmente lixo químico —, cometidos por empresas. Ou seja, ainda que os países não tenham estimulado, permitiram (as empresas a enviar o lixo). Também estive pessoalmente nos portos de Santos e do Rio Grande do Sul. Armazenamos, selamos e mandamos o lixo de volta para a Inglaterra. Não somos xenófobos. Queremos parceria comercial e cultural, mas o lixo, por favor, que cuidem do seu, porque já temos dificuldades de cuidar do nosso.
Agora, não fiquei contente com isso. Tive reuniões com os órgãos da Receita, Polícia Federal, Administração do Porto, Vigilância Sanitária, Ibama, tanto em Santos quanto no Rio Grande, que tem um grande porto. E depois, no Ministério, já por ordem do Presidente Lula, fizemos uma reunião com cerca de 40 dirigentes de todas essas áreas: Ministério dos Portos, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Alfândega, Receita, Ibama. A visão era a seguinte: identificar o erro e tomar medidas para que isso não se repetisse. Essa não era a primeira vez. Quando eu era Deputado Estadual, fiz uma lei no Rio de Janeiro, em 1991, que proibia o Rio de receber lixos químicos de outros países. Em 1992, chegou um navio da Bélgica trazendo lixo químico e dois portuários ficaram intoxicados. Fomos para o porto, acampamos lá por uma semana, com os sindicatos e as autoridades, e mandamos o navio de volta para a Bélgica. Depois, no final dos anos 90, descobri a existência de lixo químico da Alemanha e dos Estados Unidos enterrados na baixada fluminense, em Belford Roxo, Queimados e Nova Iguaçu. Esse assunto é antigo. Na África, infelizmente, é muito pior. Há países que estão se transformando literalmente em lixeira.

JC – Por que esse fenômeno existe?
CM – Muito simples, nos países ricos as leis são rigorosas. Dar a destinação adequada para o lixo doméstico, hospitalar ou químico é caríssimo. Não basta enterrar, é preciso fazer dupla impermeabilização. Não basta incinerar, porque os produtos com furanos e dioxinas têm que ter tratamentos secundários e terciários da fumaça que sai da chaminé para impedir que as pessoas em torno fiquem intoxicadas. Os custos disso chegam a US$ 100 a tonelada para o lixo doméstico, US$ 250 para o hospitalar e US$ 500 para o lixo químico com metais pesados. É fácil entender o porquê (do envio do lixo) do ponto de vista econômico. Para eles, é muito mais barato botar no navio e mandar para a África, para o Caribe, para o Brasil ou até para uns países pobres da Ásia. Isso acaba saindo por US$ 100 ou mesmo US$ 80, assim mesmo contando com todas as propinas de hábito. Se comparar US$ 500 com US$ 100, ainda há um lucro de US$ 400. Se multiplicar por 100 mil toneladas, dá US$ 40 milhões. Daí, vemos qual é a base econômica dessas autênticas máfias e quadrilhas do lixo químico.
Verificamos que o nosso sistema estava muito falho: 85% da mercadoria passava no chamado Canal Verde sem ser aberta e escaneada, sem deixar a documentação nos portos. Rapidamente, com a Receita e a Polícia, mudamos os procedimentos. Agora menos de 85% passarão. Teremos mais scanners e aparelhos de raios X para comparar a carga declarada com a carga observada. Realmente, não temos condições de abrir tudo, toda hora chega e sai navio, cada minuto custa milhões.
Agora é curiosa a exigência dos EUA de que todo material que sair daqui destinado àquele país seja escaneado, porque eles não fazem o mesmo com o material que mandam para cá. Outra questão que percebi, também curiosa, é que a lei atual, que tem que ser mudada, diz que no caso de uma carga ilegal a pena é o perdimento. Ora, uma carga valiosa, de computadores, por exemplo, tem sentido. Pegamos esses computadores e damos para a Receita, para uma escola, leiloamos e ficamos nós com o produto que era ilegal. Agora, no caso do lixo químico, essa lei é perversa e cruel porque ficamos com o ônus. A lei tem que ser modificada. Chamamos a atenção dos nossos parlamentares para o fato de que essa lei nos punia duplamente, primeiro porque falsificaram e mandaram o que não devia para cá e depois porque somos nós que temos que arcar com o ônus de neutralizar os agrotóxicos. Em suma, é um assunto muito complexo. Quando, depois desse fato, vieram ao Brasil os ministros do Clima da Inglaterra e dos EUA, cobramos deles. Também vamos alertar os países da África e outros para que, unidos, impeçamos que os países em desenvolvimento se convertam em lixeira de qualquer um dos países ricos.

JC – Como o senhor interpretou as decisões do STF em relação à reserva indígena e à importação de pneus?
CM – Com muita alegria. Acho que o STF está avançando muito. Tanto no caso da Raposa Serra do Sol quanto no caso (da importação) dos pneus, acho que foram boas as decisões. No caso dos pneus, isso é pré-lixo. As empresas, por lei, têm que recomprar 25%, mas não o fazem. Então, ao invés de importar sucata de pneu, deveriam organizar uma rede coletora e captar o nosso que está jogado no meio ambiente se convertendo em piscina do mosquito da dengue. No caso da Raposa Serra do Sol, também fiquei contente porque, na verdade, havia seis grandes arrozeiros, que estavam lá há 40 anos, sendo que alguns já tinham sido indenizados. Temos uma dívida com as nações indígenas. Há 500 anos eram cinco milhões de índios. A população foi decrescendo até chegar a 300 mil. Agora, por força da demarcação e de investimentos, voltaram a crescer e passaram de 300 para 480 mil. Isso graças à demarcação e homologação de medidas que impedem que os agrotóxicos contaminem suas águas, por exemplo. No próprio Ministério do Meio Ambiente, abrimos uma carteira de apoio à escola dos indígenas. Então, vi com muita alegria essa decisão. Se o direito de seis arrozeiros tivesse sido considerado maior do que o do povo que habitava essa terra indígena, seria uma absoluta inversão de valores. O STF foi sábio porque falou que não há vedação do Exército em defender fronteiras, mesmo quando a terra é indígena, porque aquilo é Brasil. Então, achei que foi uma decisão equilibrada, pois garantiu o contínuo das terras que permitem as condições de existência digna; mas, por outro lado, garantiu que a soberania nacional fosse exercida, quer pelas Forças Armadas, quer pelos órgãos ambientais da Fundação Nacional do Índio – Funai.