Centrais de relacionamento: uma solução para a judicialização?

26 de novembro de 2013

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Victor-FarjallaEm entrevista, o gerente jurídico da Fetranspor, Victor Farjalla, defende a adoção obrigatória da conciliação pré-processual e fala sobre os excelentes resultados alcançados pelos mecanismos de solução de conflitos de consumo adotados pela entidade.

A Central de Relacionamento com o Cliente (CRC) da Federação das Empresas de Transpor­tes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) superou o índice de 90% de so­luções de reclamações de usuários. A informação foi dada pelo gerente jurídico, Victor Farjalla, que informa que a entidade vem buscando ampliar seus mecanismos para soluções conciliatórias pré-processuais dos conflitos de consumo.

Nesta entrevista à Revista Justiça & Cidadania, o gerente também critica a cultura do litígio que prevalece em nosso País, fazendo com que o Judiciário seja acionado para todo e qualquer conflito de interesses.

Farjalla aponta, ainda, a falta de um modelo de conciliação pré-processual e a necessidade de ampliar o nível de eficiência dos serviços de atendimento a clientes e de alguns organismos oficiais que buscam solucionar os conflitos de consumo. Para ele, toda conciliação pré-processual regulamentada pelo Estado deveria ser uma tentativa obrigatória, como já ocorre em outros países.

Justiça & Cidadania – Quantas reclamações rela­cionadas a conflitos de consumo os sindicatos filiados à Fetranspor recebem, em média, por mês? Qual o percentual de êxito, ou seja, retorno efetivo ao consumidor reclamante, nesses casos? E quantos processos judiciais estão em trâmite atualmente na Justiça fluminense?

Victor Farjalla – Antes de começar a responder a essas perguntas, gostaria de deixar claro que estamos tratando da solução conciliatória pré-processual dos conflitos de consumo, ou seja, da retenção dos conflitos para tentativa de sua solução antes de chegarem ao Judiciário, em busca de celeridade e satisfação na prevenção de litígios, como instrumentos de diminuição do acervo judicial e de paz social. As opiniões estarão, portanto, todas, vinculadas à solução extrajudicial do conflito, não se estendendo à conciliação judicial. Quanto às reclamações dos usuários do setor de transportes da base de atuação da Fetranspor que encontram imediata resposta da Central de Relacionamento com o Cliente (CRC), são superiores a noventa por cento.

JC – O senhor acredita que o grande número de processos judiciais que abarrotam atualmente o Judiciário, principalmente os decorrentes de relações de consumo, poderia ser reduzido com base na disseminação e da cultura da conciliação?

VF – A cultura da conciliação ou o espírito conciliatório são os opostos da cultura do litígio que, lamentavelmente, fomenta no Brasil a busca do Judiciário para todo e qualquer conflito de interesses, independentemente de sua expressão jurídica ou econômica, muito embora se saiba que a solução conciliatória é a que, realmente, pacifica as partes litigantes.

JC – Como o senhor enxerga o atual modelo de conciliação pré-processual?

VF – Não temos, na verdade, um modelo de conciliação pré-processual. O que existe são os serviços de atendi­mento a clientes e alguns organismos oficiais que buscam solucionar os conflitos de consumo, sem, no entanto, um nível de eficiência desejável, provavelmente, por falta de treinamento adequado de mediadores e conciliadores, o que se pode constatar pelo constante aumento do acervo contencioso judicial.

JC – A Justiça, por meio do Conselho Nacional de Justiça, a exemplo de sua resolução 125, editada em 2010, tem buscado cada vez mais implementar programas efetivos e permanentes de conciliação, os quais poderão ser implantados por meio de parcerias com entidades públicas e privadas. O que o senhor acha disso?

VF – A iniciativa, como qualquer outra tendente a desafogar o Judiciário e propor maior e mais célere acesso à Justiça, compreendido esse acesso na sua concepção moderna de acesso a uma solução justa de um conflito e não, necessariamente, acesso ao Judiciário, é louvável, dependente, contudo, de sua efetivação pelos Tribunais.

JC – No encontro de Conciliação e Mediação organi­zado pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), na última semana de outubro, o senhor apresentou proposta para implementação de programas de conciliação nas questões relativas ao transporte coletivo de passageiros. Fale-nos, resu­midamente, sobre essa proposta.

VF – Não foi uma proposta minha, mas da Fetranspor, que é uma entidade sindical atenta para o desempenho da pluralidade de papéis que a missão constitucional de defesa dos interesses individuais e coletivos da categoria econômica exige, nos termos do inciso III do artigo 8o da Constituição da República. Mais especificamente, as entidades sindicais patronais estão expressamente inseridas entre os agentes de composição de conflitos de consumo pelo artigo 107 do Código de Defesa do Consumidor. Daí a proposta de parceria com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para a extensão à rede de Sindicatos da base territorial da Fetranspor de centros de conciliação, inclusive, itinerantes por meio de ônibus devidamente guarnecidos da estrutura necessária, cabendo ao Judiciário indicar, tão somente, os conciliadores e homologar os acordos.

JC – A tentativa de conciliação, no formato proposto, seria obrigatória?

VF – O ideal seria que toda conciliação pré-processual regulamentada pelo Estado fosse de tentativa obrigatória, como o é em outros países. Uma espécie de condição especial para qualificar o interesse de agir judicialmente, na frustração da composição amigável do conflito. As Comissões de Conciliação Prévia para os conflitos trabalhistas surgiram com esse viés de obrigatoriedade que, no entanto e lamentavelmente, foi afastado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.160-5 do Distrito Federal, a pretexto de se dar interpre­tação conforme à Constituição Federal ao artigo 625-D da Consolidação das Leis do Trabalho, para não se incidir em ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Digo, lamentavelmente, porque posiciono-me a favor do voto vencido do então ministro Cezar Peluso, ao considerar que a tentativa preliminar de conciliar e resolver pacificamente o conflito, com a vantagem de uma solução não ser imposta autoritariamente, não bloqueia, nem impede, nem exclui o recurso à universalidade da jurisdição. E o que se viu, como consequência da decisão suprema, foi o total esvaziamento das Comissões de Conciliação Prévia, em paradoxal prejuízo do acesso à Justiça e a inocuidade de uma ferramenta destinada a desafogar o Judiciário.

JC – E, para sua efetividade, seria necessária a homo­logação judicial?

VF – Já sem a obrigatoriedade, a tentativa de solução pré-processual dos conflitos de consumo estaria fadada ao insucesso sem a homologação judicial do acordo que viesse a ser celebrado. Isso se não quisermos ficar, apenas, no cumprimento de obrigações reconhecidas pelo devedor, mas, para alcançarmos o patamar dos acordos prévios por via de transação em que os litigantes cedem, cada qual, em parte seus interesses, ao encontro de uma solução que, ainda que não os satisfaça integralmente, ponha fim a um conflito cuja perpetuação não seja da vontade das partes. Sem a homologação judicial, não haveria a segurança de uma quitação plena e recíproca, judicialmente reconhecida, especialmente em se tratando de uma relação jurídica em que uma das partes recebe da lei tutela especial, como o consumidor. Assim sendo, sem a obrigatoriedade e sem a segurança jurídica de uma quitação plena homologada judicialmente, não haveria como se estimular as partes, especialmente, o fornecedor a transigir ou mesmo a comparecer perante o centro de conciliação. A designação do conciliador pelo Tribunal de Justiça asseguraria a necessária imparcialidade, possibilitando a homologação judicial posterior pelo juiz togado competente.

JC – Como o senhor pensa em regulamentar a padro­nização e a implantação definitiva de tal sistema? Seria por meio de legislação especial?

VF – A proposta foi lançada, mas a necessidade de parceria com o Poder Judiciário e de regulamentação estatal transfere para uma segunda etapa, posterior à análise de eficácia do meio proposto, a definição de procedimentos e da fonte normativa.