Combate à fome e mudança de paradigmas

23 de agosto de 2013

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Combateafome1No Brasil, mais de 26,3 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçados ao ano. Esse montante poderia alimentar 35 milhões de brasileiros por mês. Sediada em São Paulo, a ONG Banco de Alimentos tem a missão de transformar radicalmente esse quadro, estendendo sua atuação à mudança comportamental.

Nosso país registra um dos maiores Produtos Internos Brutos (PIBs) e uma das maiores arrecadações de impostos no mundo. É o 4o maior produtor mundial de alimentos, gerando 126% das suas necessidades alimentícias. De toda essa riqueza, se desperdiça 26,3 milhões de toneladas de alimentos ao ano: o que poderia alimentar 35 milhões de brasileiros por mês. Somente em hortaliças são desperdiçadas mais de 7 milhões de toneladas, ou seja, cerca de 35% de tudo o que se produz.

Ao desperdiçarmos toneladas de alimentos diaria­mente, contribuímos para a degradação econômica e social do nosso País, prejudicando a saúde de milhões de pessoas, cidadãos que sofrem com a irracionalidade do desperdício. Somos o 6o país com maiores índices de subnutrição no mundo e contamos com 65,8 milhões de brasileiros (34,2% da população) em situação de insegurança alimentar, o que significa o acesso irregular e inconstante a alimentos em quantidade e qualidade adequadas, comprometendo o estado de saúde em seus diversos aspectos: físico, mental e/ou social.

Diante desse contexto, a ONG Banco de Alimentos, organização não governamental fundada em 1998 pela carioca Luciana Chinaglia Quintão, procura fazer o seu papel para mudar essa dura realidade. Formada em economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e pós-graduada em administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela vive em São Paulo desde o final da década de 1980. Foi a capital paulista, e o bairro do Pacaembu, que ela escolheu para sediar a ONG, que tem como principal objetivo minimizar os efeitos da fome por meio do combate ao desperdício e da promoção da educação e da cidadania. “Meu trabalho nasceu pelas minhas experiências, vivências e observações que me levaram à consciência de que somos responsáveis por tudo que está à nossa volta. Somos nós mesmos que, através de nossos atos, criamos a realidade dentro da nossa casa, dentro dos nossos relacionamentos, da nossa comunidade, cidade, país, continente e planeta.”

Luciana cercou-se de uma equipe que partilha dos mesmos ideais, mais exatamente 13 pessoas, que são os colaboradores da equipe, como a gerente da ONG, a nutricionista Isabel Marçal. Ela explica que a Banco de Alimentos atua de três maneiras distintas e interligadas.

A primeira frente de atuação é “minimizar os efeitos da fome e combater o desperdício de alimentos”. A ONG realiza o trabalho de “colheita urbana”, ou seja, arrecada alimentos que são sobras de comercialização e excedentes de pro­dução, e os distribui para instituições filantrópicas. “Estes alimentos, que teriam o lixo como destino simplesmente por terem perdido seu valor de comercialização, mas estão próprios para o consumo, constituem-se na matéria-prima do trabalho”, diz Isabel. Mensalmente são arrecadadas, em média, 35 toneladas de alimentos.

Tendo como área de abrangência a cidade de São Paulo e a região da grande São Paulo, a ONG atende a uma população de aproximadamente 22 mil pessoas, distribuídas pelas 43 instituições parceiras. São crianças, adolescentes, idosos, portadores de deficiências físicas e mentais, portadores de patologias, como AIDS, câncer e doenças cardiovasculares, além de moradores de rua – portanto, pessoas não economicamente ativas e sob risco alimentar.

Outro foco de atuação da ONG está na “promoção de ações educativas e profiláticas voltadas às comunidades atendidas”. De acordo com Isabel, para que as entidades atendidas aprendam a manipular, aproveitar integralmente os alimentos e a consumi-los adequadamente, a fim de ajudar a combater a desnutrição, subnutrição e outros desvios, a ONG ministra cursos, palestras, workshops e oficinas culinárias. São realizados encontros mensais, tendo como público um representante de cada instituição, cozinheiras, cuidadores ou auxiliares. “Com o objetivo de unir o mundo acadêmico ao das demandas sociais, mantemos parceria com o Centro Universitário São Camilo. Isso permite que alunos do último ano do curso de nutrição realizem estágio curricular, desenvolvendo trabalhos e pesquisas científicas, como avaliações antro­pométricas da população atendida, a fim de traçar intervenções nutricionais para a melhoria do estado nutricional”, diz a gerente.

Um terceiro pilar de atuação constitui-se em “expandir suas ações e conhecimentos para fora das áreas circunscritas onde existe o problema concreto da fome”. A proposta, com isso, é atingir a sociedade como um todo, no sentido de promover uma mudança de cultura permanente, incentivando a ação por meio da educação. O principal público-alvo são aqueles definidos como “cidadãos do amanhã”: crianças, adolescentes e jovens, para quem a ONG desenvolveu um projeto pedagógico. “Queremos despertar a responsabilidade de cada um na construção do mundo e de sua interligação com outras pessoas e o meio ambiente; o respeito à humanidade e à natureza; o fim do preconceito e a importância do desenvolvimento autossustentável, incentivando-os ao questionamento”, esclarece Isabel.

Não ao desperdício

O Banco de Alimentos deseja mudar radicalmente o binômio fome/desperdício. E está consciente de que, para isso, é necessário modificar atitudes e costumes que as pessoas cultivam em seus lares. Um dos mecanismos para atingir essa meta é a realização de oficinas culinárias, palestras em eventos, empresas, faculdades, entre outras organizações, para ensinar ao consumidor como aproveitar integralmente os alimentos, utilizando suas partes não convencionais para criar receitas saborosas, econômicas e nutritivas, além de oferecer dicas para compra consciente, como evitar sobras de preparações, bem como higiene e armazenamento adequado dos alimentos para aumentar sua vida útil.

A iniciativa da ONG Banco de Alimentos representa a formação de um ciclo sustentável: ao passo que são arrecadados excedentes de produção e comercialização, diminui-se o acúmulo de lixo orgânico e o desperdício de alimentos próprios para consumo, que complementarão a alimentação de milhares de pessoas em situação de risco alimentar e social. Há também, dessa forma, um favorecimento à inclusão social desses indivíduos, resultante da melhoria da saúde e do estímulo ao desenvolvimento psicomotor. “Isso porque, além de visarmos uma ali­mentação balanceada por meio de realização de ações profiláticas e educativas voltadas às comunidades atendidas, beneficiamos somente instituições que possuam em seu programa ações de inclusão social e conscientizamos a população em geral em relação à cultura do não desperdício, estimulando o abandono do preconceito em relação às partes não convencionais dos alimentos, como cascas, folhas, talos e sementes”, diz a gerente Isabel.

Conjunto de ações

De acordo com Luciana, as ações da ONG procuram tratar, em conjunto, o problema da fome, ou melhor, das várias fomes, na sua origem, isto é, na forma em que a nossa sociedade está organizada e no grau de consciência dos indivíduos que a compõem. “Se o consumidor muda, o fabricante muda. Se o eleitor muda, o político muda, e assim por diante. Acreditamos que todo ser humano é co-criador da realidade, e, portanto, cabe a nós promovermos a mudança que queremos ver no mundo”, diz a presidente do Banco de Alimentos.

A gerente Isabel reforça que não são apenas os políticos que devem dar sua parcela de contribuição para mudar o cenário no País. “Empresários e cidadãos também precisam fazer sua parte. De qualquer maneira, os seres humanos só fazem mudanças quando sentem que têm significado para eles mesmos. Espero que, cada vez mais, pessoas sintam ser significativa a solidariedade entre seres humanos assim como a vontade de criar modelos de sociedade baseadas em justiça e verdade onde o bem comum prevaleça”, declara.

O trabalho da ONG converge para uma iniciativa única por praticar a sustentabilidade e envolver não só apenas questões nutricionais, como a responsabilidade social, econômica e até política, visando uma mudança efetiva de nível de desenvolvimento econômico e social. “Afinal, a sexta economia do mundo não pode mais ter 1/3 de seus cidadãos vivendo em insegurança alimentar, pode? E ser uma das últimas nações em educação e tratamento de águas, pode? A resposta para esta e para tantas outras discrepâncias como esta é: não! Que venha a consciência para acabarmos com tantas fomes!”, sentencia Luciana.