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Comitês da cidadania na campanha eleitoral

31 de maio de 2006

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Defesa da Constituição

“Quero inicialmente saudar, em nome do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, os novos presidente e vice-presidente desta Corte Eleitoral, respectivamente ministros Marco Aurélio Mendes de Farias Mello e Antonio Cezar Peluso.

Dispenso-me de nomear-lhes títulos e méritos, sobejamente conhecidos das comunidades jurídica e política, como de resto de toda a nação. Atenho-me ao fato de que ambos estão à altura da missão que acabam de assumir – o que não é pouco.

Sabemos da delicadeza do momento político-institucional vivido pelo país, que reclama, em instâncias decisórias como esta, a presença de homens públicos íntegros e tarimbados, que associam saber jurídico a dedicação ao bem comum. Numa palavra, reclama por homens republicanos.

Aproveito o ensejo para frisar que a OAB preza e valoriza estas ocasiões – as solenidades de posse no Supremo Tribunal Federal e nos tribunais superiores – para vocalizar os anseios da sociedade civil brasileira.

É nessa condição, afinal, que aqui estamos. O Estatuto da Advocacia e da OAB, que é lei federal – e não norma interna de nossa entidade – nos compromete, em seu artigo 44, inciso I, entre outras coisas, com a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, das instituições jurídicas e da boa aplicação das leis.

A Constituição, por sua vez, em seu artigo 133, diz que o advogado é indispensável à administração da justiça.

Ambas estas leis foram aprovadas por assembléias eleitas pelo voto direto da população, delegando-nos papel representativo da sociedade.

Por essa razão, nos comportamos não apenas como representantes da corporação dos advogados, mas também – e sobretudo – como porta-vozes da sociedade civil brasileira.

Não é uma condição de que nos auto-investimos, mas em que fomos investidos por força de lei – e que muito nos honra e nos impõe deveres e responsabilidades.

E é por esta razão que estamos aqui, num ato que não é de congraçamento social, de mera troca de gentilezas, mas solenidade institucional, ato público que constitui rara oportunidade de a sociedade civil se dirigir às autoridades dos três Poderes da República – autoridades que rotineiramente se manifestam à sociedade, sem dela ouvir o contraditório.

Com isso, prestamos um serviço público, a governantes e governados. Nossa preocupação não é a de agradar, mas vocalizar anseios e pontos de vista da sociedade civil brasileira diante da realidade político-institucional que lhe é dado viver.

Há quem, por desinformação, ou orgulho partidário ferido, suponha que cerimônias como esta deveriam se restringir a troca de amabilidades, o que seria frustrante para a sociedade, que desperdiçaria ocasião de falar de igual para igual a seus governantes.

Amabilidades sociais temos oportunidade de trocar nos eventos de confraternização, subseqüentes a estas cerimônias. Aqui, desta tribuna, cumprimos dever cívico.

Faço este preâmbulo para mais uma vez esclarecer publicamente o papel institucional da OAB e seu comportamento nestas solenidades, nem sempre compreendido.

Não há desrespeito a qualquer autoridade, em qualquer grau hierárquico, quando, em linguagem decorosa – ainda que veemente em alguns momentos – se diz a verdade.

Nada mais – e nada menos – que a verdade. E é o que mais uma vez me disponho a fazer. Estamos às vésperas de mais uma eleição aos mais altos cargos da República, sem que os vícios e distorções que caracterizaram as anteriores tenham sido efetivamente sanados.

A crise que se abateu sobre nossa República – e que é das mais graves de sua história, por seu avassalador conteúdo moral -decorre basicamente dos desvios que se iniciaram na eleição passada”.

Campanha contra a corrupção

“A crise do Mensalão está intimamente associada ao caixa dois eleitoral.

A denúncia-crime ao Supremo Tribunal Federal, encaminhada pelo eminente procurador-geral da República, Dr. Antonio Fernando de Souza, menciona como objetivo da ‘organização criminosa’ que se estabeleceu dentro do Estado, lesando os cofres públicos, a perpetuação de facções políticas no poder.

A formação de um vultoso caixa clandestino, amealhado do modo como o demonstraram as denúncias investigadas por três CPIs no Congresso Nacional, destinava-se a financiar candidaturas comprometidas com a ordem estabelecida.

Diante das denúncias – que o procurador-geral considerou comprovadas pelas CPIs e por investigações do próprio Ministério Público -, esperava-se um movimento consistente dos legisladores no sentido de suprir vazios legais que permitem e induzem àqueles desvios – e, simultaneamente, medidas que dotassem a Justiça Eleitoral de meios efetivos de exercer plenamente sua missão institucional.

Nada disso, porém, ocorreu. Estas eleições, excetuadas algumas medidas tópicas, serão regidas basicamente pelas mesmas regras da anterior, sujeitas, pois, em tese, a repetir-lhes os graves desvios.

Com os meios de que dispõe – insuficientes para o volume das demandas -, a Justiça Eleitoral brasileira tem feito milagres. Merece, por isso mesmo, nossos louvores.

Mas, para impedir desvios de rota nas eleições em um país-continente como o nosso, não bastam milagres. É preciso mais. É preciso a presença e vigilância da cidadania ativa.

Não basta reclamar da escuridão. É preciso que se acendam luzes para clareá-la. E foi com esse propósito que nós, da OAB, em parceria com a CNBB e mais 18 outras entidades da sociedade civil brasileira, deflagramos, há um mês, a Campanha Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral.

Enunciamos, na ocasião, nossos princípios de defesa da ética e da moralidade na política e nos comprometemos a denunciar, com toda a veemência, eventuais transgressões.

Fomos além: para auxiliar o TSE na árdua tarefa de fiscalizar o cumprimento da legislação eleitoral, OAB e CNBB colocam suas respectivas estruturas físicas, de expressiva capilaridade, a serviço da cidadania.

Estamos nos dispondo a ser, com muita satisfação, braço auxiliar da Justiça Eleitoral ao longo dessa campanha.

A OAB fará com que suas 27 seccionais e quase mil subseções, que alcançam os mais longínquos pontos do território nacional, se transformem em comitês da cidadania, no curso da campanha eleitoral.

A CNBB, por sua vez, já anunciou que fará o mesmo com suas mais de 10 mil paróquias, igualmente espalhadas por todo o país.

Lisura eleitoral, entre outras coisas, é fator de soberania nacional.

Governantes eleitos a partir de expedientes duvidosos, que os depreciam e desacreditam perante os governados, carecem de força moral para os embates não apenas da política interna, mas também para os da externa.

Para afirmar perante outras nações fundamentos da soberania nacional, é preciso lastro ético. E as eleições são o ponto de partida para que essa respeitabilidade entre governantes e governados se estabeleça.

Não podemos admitir como padrão a promiscuidade eleitoral. E o que vemos, hoje, no horizonte não apenas de nosso país, mas no de nosso combalido continente sul-americano é a transgressão cada vez mais descarada de normas do Direito Internacional e de referências éticas elementares”.

Soberania ferida

“Quando um chefe de Estado de um país se intromete no processo eleitoral de outro – seja para pedir a reeleição de um presidente amigo aqui no Brasil, seja para condenar a eleição de um candidato que considere desonesto lá no Peru – está ferindo a soberania daquelas nações.

Quem decide é o eleitor nacional. Nada pode se antepor entre ele e a urna eleitoral. Se algum candidato é inapto para o cargo que almeja são as instituições de seu país que se devem manifestar – não um chefe de governo de outro país.

Isso é tão absurdo, repito, como a expropriação de bens de país amigo, resguardado por contratos e compromissos, à luz dos mais rigorosos fundamentos do Direito Internacional.

Gestos dessa natureza – e aí me refiro, mais uma vez, às impertinentes manifestações do presidente da Venezuela a propósito das eleições brasileiras e peruanas – merecem repúdio tão veemente quanto a ocupação militar de refinaria da Petrobrás na Bolívia.

Na essência, expressam a mesma transgressão, o mesmo desrespeito a direitos e compromissos éticos.

Quebra-se assim a confiança, premissa fundamental à construção da unidade continental que tanto se busca.

Não podemos permitir que se instale esse ambiente de anomia e transgressão em nosso continente. E aqui repito o que disse em recente discurso no Supremo Tribunal Federal, já agora estendendo minha preocupação não apenas ao nosso país, mas ao âmbito do convívio continental: não podemos perder a compostura.

E é disso que se trata, tanto no caso do procedimento do presidente da Venezuela, Hugo Chavez, metendo-se onde não é chamado, provocando gratuitamente políticos de países vizinhos e amigos, pondo em risco a paz social, e no caso do presidente da Bolívia, quebrando compromissos e contratos.

E o que se espera do governo brasileiro, em ambos os casos, é uma manifestação clara e firme nesse sentido.

Com a responsabilidade que nossa expressão geoeconômica nos impõe, não podemos ser tíbios, tímidos ou ambíguos, quando nossa soberania é afrontada. E é dela que temos que nos ocupar, na interlocução internacional, já que da soberania alheia há quem cuide.

A promiscuidade eleitoral em nosso continente, a partir do comportamento leviano de alguns chefes de Estado, inconscientes da dimensão de seu papel institucional, nos assusta, pelos danos que sinalizam.

Cabe aí também uma ação da Justiça Eleitoral brasileira, indicando à nossa cidadania os limites da ética e da soberania.

Repudiamos interferências externas não apenas no financiamento de campanhas, mas também no que diz respeito à propaganda política. A OAB deixa aqui, em nome da cidadania brasileira, lavrado o seu protesto contra essas aberrações.

Concluímos reiterando nossa confiança nesta Corte, renovando votos de êxito a seus novos dirigentes – ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso – e reafirmando compromisso de com eles lutar, lado a lado, o bom combate pela lisura e transparência do processo eleitoral.

Que o eleitor brasileiro aprimore cada vez mais o seu senso crítico e capacidade de separar o joio do trigo, exercendo com eficiência cada vez maior seus direitos de cidadania são os nossos votos.

Queremos que, independentemente de facção ou ideologia, triunfem os melhores, os efetivamente comprometidos com a ética e o bem comum. Que assim seja – e que Deus ilumine o Brasil!”