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Como se faz o Brasil prosperar

5 de agosto de 2004

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Vargas uniu uma elite reformista, sistema tributário eficaz e capitais internos e externos numa mesma proposta desenvolvimentista que deu certo e que hoje continua absolutamente atual.

Vargas chegou ao poder numa época em que se discutia se o Brasil devia abraçar o ideal agrarista e virar as costas para a indústria ou se devia industrializar-se e erguer um parque produtivo vigoroso integrado a uma agricultura também vigorosa.  Foi suficientemente visionário para ficar com a segunda alternativa não se rendendo aos argumentos daqueles que acreditavam poder viver como se estivessem no distante século XIX, exportando produtos agrícolas para comprar bens industriais.

Visto à luz do presente, seria como optar entre falar a língua universal da integração competitiva na economia globalizada ou ficar atrelado ao dialeto nacionalista  que teve a sua época, mas ficou superada no tempo. Mas o que em muito contribuiria para compreender a atualidade de Vargas é a lembrança do modelo que ele seguiu para semear aquela que viria a ser uma das dez maiores economias industrializadas do planeta.

Embora no início não desse grande importância à indústria e nada em sua formação de estanceiro indicasse que viria dar a grande virada, Vargas cedo compreendeu que precisava aliar-se aos empresários e buscou estimulá-los. Subsidiou setores estratégicos como papel e celulose, utilizou o sistema de impostos para proteger o fabricante nacional e ergueu a base para expansão da produção e do consumo. Ou seja, a indústria de aço, a energia elétrica e a siderurgia.

Consumo, renda e emprego

Em “A Industrialização” de São Paulo, o brazilianista Warren Dean anotou que o emissário que Vargas mandou a São Paulo, após a revolução de 30, tinha “uma idéia tão falsa do tamanho do parque industrial paulista que pensou em resolver as pendências trabalhistas convidando o proprietário e um operário de cada uma das firmas para uma reunião. Não sabia que nesse caso os participantes seriam, no caso, 11 mil.” Isto, claro, não passou desapercebido ao líder gaúcho. E logo ele cercou-se de empreendedores do quilate de Roberto Simonsen, Jorge Street, Horácio Lafer e Euvaldo Lodi.

“Já não somos uma nação exclusivamente agrária, esmagada pelo peso das aquisições de produtos industriais no exterior”, afirmou Getúlio Vargas, entusiasmado, em 1936, num dos seus freqüentes discursos pelo rádio. Das crises das elites da República Velha nascia uma nova era. Fogões a gás, aparelhos elétricos, como o ferro de passar roupa e a geladeira, assim como a ampliação do mercado de trabalho, projetavam os horizontes femininos para além, bastante além, das fronteiras domésticas. Sobrava tempo e as mulheres de classe média ocupavam postos de trabalho como empregadas nas fábricas, no comércio, no funcionalismo público.

E as mudanças se sucedem em ritmo acelerado. Máquinas importadas da Alemanha aperfeiçoam o processo de impressão de jornais e revistas, que ditam moda, publicam crônicas da vida cotidiana, discutem política, publicam ensaios fotográficos, discutem se a saída para o Brasil seria exportar os frutos da terra ou tornar-se uma potência industrial. Mesmo os prosaicos rolos de papel higiênico, até então importados, são nacionalizados e têm as vendas democratizadas. A indústria torna-se o “eixo central” do desenvolvimento. Cresce, diversifica suas linhas, concentra quatro em cada 10 dólares do PIB industrial em São Paulo. O emprego, a renda e o salário deixaram de ser inimigos do povo para se tornarem aliados do progresso.

A força do diálogo

Vargas foi o precursor do entendimento com o empresariado industrial, esquecido desde os idos do império e pouco cortejado pelos primeiros  republicanos. Ficou quase duas décadas no poder. Nos primeiros 15 anos, que vão de 1930 a 1945,  entrou em colapso a economia ainda semicolonial, baseada na monocultura do café, com a importação quase irrestrita de bens e o país foi naturalmente conduzido a uma política de industrialização por substituição de importações. Foi uma época caracterizada pelo avanço do Estado nas atividades econômicas em praticamente todos os países do mundo, desde os Estados Unidos, com o New Deal de Roosevelt, à União Soviética, com os Planos Econômicos de Stálin, passando pela Alemanha. Entre nós, o Estado também se agigantou, mas foi esse processo que deu vida e vigor ao empresariado nacional.

Vargas abriu novas e extensas fontes de financiamento. Prontificava-se pessoalmente a conversar com empresários para incentivá-los e investir em campos que consumia gordas divisas, como o setor de autopeças. Era um ímã para jovens trabalhadores atraídos pela fácil colocação na indústria e na construção civil. Dentro do quadro otimista que se formava, surgiam oportunidades para os primeiros e tímidos passos na direção da autonomia tecnológica, sobretudo na estratégica indústria bélica e, mais tarde, nos anos de 1950, na energia nuclear.

O clima favorável levou o escritor austríaco Stefan Zweig, conhecido mundialmente pelas biografias de Napoleão e Balzac, a escrever o célebre Brasil, País do Futuro. Na verdade, o Brasil era o País do Presente. Nos anos de 1940, um país para crescer necessitava de aço, petróleo e energia. Ao final do primeiro governo Vargas, esse tripé estava montado. Mas a economia, a despeito dos avanços, ainda era débil e faltava muito o que fazer. No segundo governo Vargas, conquistado pelo voto direto e democrático, os avanços se tornaram ainda mais intensos.

De qualquer ângulo que se avalie, o período que vai de 1946 (governo Dutra) a 1954, ano do suicídio de Getúlio Vargas, foi a base para o grande salto da industrialização. Durante a Guerra, o país acumulara divisas em ouro e a palavra de ordem era investir. Fabricavam-se rádios, logo se fabricariam televisões. A Probel produzia 450 colchões por dia. A Goodyear nacionalizava a produção. A Antárctica abria filiais em diversas cidades. A Votorantim aumentava a produção de cimento abrindo novas fábricas. A Standard Oil, então a maior empresa americana, autorizou o seu braço brasileiro a fundar a Companhia Nacional de Gás Esso.

A publicidade com anúncios coloridos, cartazes luminosos e propaganda nas rádios fazia o brasileiro consumir. Nas ruas, um sinal de inteligência das crianças era saber reconhecer as marcas e os modelos dos carros – Buick Super 49, Standard Vanguard 50, Hudson Comodore 48, Studebaker Champion 50… Havia 39 tipos de carros europeus, 37 americanos.

O Brasil fazia sua escolha: seria uma nação industrializada. O antigo debate entre industrialistas e agraristas, uns liderados por Roberto Simonsen, outros liderados por Eugênio Gudim, perdeu sentido. Nasciam a indústria do cinema e da televisão. O mais extraordinário nesse processo tumultuado e sedutor foi que a indústria manteve a escalada de expansão até a grande crise do início da década de 80. Voltar os olhos para a Era Vargas é aprender lições de absoluta validade para o presente.  Quanto mais abrangente for a reflexão, mais estaremos próximos da redescoberta do caminho do desenvolvimento, a exigir: uma elite reformista capaz de libertar as forças criadoras da economia, uma estrutura de impostos voltadas para o desenvolvimento e não apenas para a compulsão arrecadadora e capitais internos e externos que alimentem o crescimento duradouro e sustentado. Tudo isso Vargas fez e hoje, seus sucessores teimam em deixar à deriva ou simplesmente esquecer. Não sou varguista nem jamais pertenci a qualquer partido político contudo, entendo que a herança de Vargas, sua visão macro- econômica, é brilhante e está voltada para essa ambição maior e inescapável, do brasileiro que é progredir, florescer, cumprir o seu destino como nação justa, próspera e democrática.