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A competência para julgamento da reclamação nos Juizados Especiais Cíveis

24 de janeiro de 2018

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Este trabalho busca fazer uma análise sobre a controvérsia jurídica existente acerca da competência para o julgamento das reclamações por violação jurisprudencial (art. 988, II, III e IV, do Código de Processo Civil Brasileiro) impetradas em face de decisão proferida pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis (Lei no 9.099/1995), decorrente da antinomia existente entre a determinação expressa na Resolução no 03/2016 do Superior Tribunal de Justiça e as regras constitucionais e legais. O objetivo do estudo é tentar construir uma reflexão sobre a questão e indicar qual seria o melhor caminho a ser seguido, com vistas à promoção do acesso à justiça dentro do Sistema dos Juizados Especiais.

1- Introdução
Dentre os meios típicos de impugnação das decisões judiciais, a reclamação sempre foi tratada no Brasil como um remédio “menor”, sem uma natureza jurídica muito clara ou um regulamento geral e sistemático. Esse quadro, no entanto, começou a mudar com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – CF, que previu que a reclamação seria o instrumento adequado para a preservação da competência e da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal – STF (art. 102, I, l) e do Superior Tribunal de Justiça – STJ (art. 105, I, f). Posteriormente, este mesmo mecanismo foi estendido para o controle da aplicação das súmulas vinculantes (art. 103-A, § 3o, introduzido pela EC no 45/2008) e para a observância da competência e da autoridade das decisões do Tribunal Superior do Trabalho (art. 111-A, § 3o, introduzido pela EC no 92/2016).

Alexandre Chini, Juiz de Direito do TJRJ

Desse modo, a importância da reclamação no sistema de controle dos atos judiciais foi se avolumando, assim como sua participação nas pautas dos tribunais superiores. Apenas para exemplificar, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em 2008, dentre os 283.291 procedimentos em curso no STJ, apenas 128 eram reclamações. Em 2015, dos 373.534 procedimentos presentes em seu acervo ativo, o número de reclamações no STJ havia pulado para 6.352. Não por outro motivo, o Novo Código de Processo Civil – CPC dedicou um capítulo inteiro ao tema (Capítulo IX do Título I do Livro III da Parte Especial – arts. 988 a 993), visando não apenas unificar o instituto, mas também promovendo a sua sistematização, realçando o seu papel de garantidor da competência e da autoridade das decisões dos tribunais.

Dentre as regras presentes no CPC, merece destaque aquela que estabelece que a competência para julgamento da reclamação é do “órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir” (art. 988, § 1o). Apesar disso, logo após a entrada em vigor do Novo Código, no dia 7 de abril de 2016, o STJ editou a Resolução no 3, que determinou que caberia às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por ­Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a ­jurisprudência do STJ (art. 1o).

O objetivo deste texto, portanto, é analisar a questão da competência para julgamento das reclamações por violação da jurisprudência do STJ interpostas em face das decisões proferidas pelas Turmas Recursais Cíveis e indicar qual seria o melhor caminho a ser seguido, com vistas à promoção do acesso à justiça e à luz das diretrizes presentes na CF, no CPC e no Sistema dos Juizados Especiais.

2 – Algumas considerações iniciais
Apesar do parágrafo único do art. 1o da Lei no 12.153/2009, que trata do Juizado Fazendário, colocar a questão de maneira restritiva, a moderna doutrina aponta que o Sistema dos Juizados Especiais seria formado pela visão integrativa não apenas da Lei no 9.099/1995 (Juizados Estaduais) e da Lei no 12.153/2009, mas também da Lei no 10.259/2001 (Juizados Federais). Esse Sistema seria pautado por um diálogo constante entre os três Diplomas, que formaria um estatuto comum. Não obstante, o entendimento predominante tem sido no sentido de que cada um dos modelos integrantes do Sistema dos Juizados deve se submeter às regras específicas dos procedimentos previstos nas suas respectivas legislações, sobretudo no que toca à forma de uniformização da jurisprudência das Turmas Recursais, tanto internamente, como em relação à jurisprudência dos tribunais superiores.

Nesse ponto, necessário sublinhar que a Lei no 9.099/1995 não definiu qualquer mecanismo de revisão das decisões das Turmas Recursais, nem de Uniformização de Jurisprudência ou adequação à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Exatamente por isso, Fábio Lima Quintas e Luciano Corrêa Gomes anotaram que:

É certo que a Lei no 9.099/1995 não estabelece mecanismo de controle externo das decisões dos Juizados Especiais. (…). Essa posição não foi repetida na lei que instituiu os Juizados Especiais Federais (Lei no 10.259/2001). Com efeito, talvez por conta da experiência adquirida com o tempo, talvez por envolver interesses do Estado, essa lei previu mecanismos de controle das decisões proferidas pelos Juizados Especiais Federais. No âmbito federal, a Lei no 10.259/2001 criou a Turma de Uniformização da Jurisprudência, que pode ser acionada quando a decisão proferida pela turma recursal contrariar a jurisprudência do STJ. É possível, ainda, a provocação dessa Corte Superior após o julgamento da matéria pela citada Turma de Uniformização (art. 14). Semelhante sistemática foi também instituída no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, por intermédio da Lei no 12.153/2009, que previu mecanismos para uniformização de jurisprudência e previu a possibilidade de acesso ao STJ quando as decisões proferidas por Turmas de diferentes Estados contrariarem súmula do STJ ou derem à lei interpretações divergentes.

Por certo, a falta dos mecanismos de uniformização presentes nos Juizados Federais e Fazendários dificulta sobremaneira o controle das divergências existentes entre as Turmas Recursais dos Estados, bem como a observância da jurisprudência e das sumulas do Superior Tribunal de Justiça, criando uma “lacuna no sistema recursal brasileiro”.

3 – A resolução no 12/2009 do STJ
Na sessão do dia 26/08/2009, o Pleno do STF, conduzido pela Min. Ellen Gracie, no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário no 571.572/BA, proferiu uma decisão que reconheceu a perplexidade causada pelo fato de o STJ não exercer controle sobre a interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados Especiais (Súmula 203 do STJ), especialmente após a edição da Lei no 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, prevendo o pedido de Uniformização da Jurisprudência para aquela Corte (art. 14). Assim, o Pleno do STF determinou que, enquanto não fosse criada a Turma de Uniformização para os Juizados Especiais Estaduais (medida perseguida, dentre outros, pelo Projeto de Lei da Câmara no 16/2007), o STJ teria competência para julgar as reclamações propostas em face das decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis, quando elas violassem a jurisprudência consolidada sobre a interpretação da lei federal existente naquela corte. Veja-se a ementa dessa decisão:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO EMBARGADO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO ÀS CONTROVÉRSIAS SUBMETIDAS AOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS. RECLAMAÇÃO PARA O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CABIMENTO EXCEPCIONAL ENQUANTO NÃO CRIADO, POR LEI FEDERAL, O ÓRGÃO UNIFORMIZADOR. 1. No julgamento do recurso extraordinário interposto pela embargante, o Plenário desta Suprema Corte apreciou satisfatoriamente os pontos por ela questionados, tendo concluído: que constitui questão infraconstitucional a discriminação dos pulsos telefônicos excedentes nas contas telefônicas; que compete à Justiça Estadual a sua apreciação; e que é possível o julgamento da referida matéria no âmbito dos juizados em virtude da ausência de complexidade probatória. Não há, assim, qualquer omissão a ser sanada. 2. Quanto ao pedido de aplicação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, observe-se que aquela egrégia Corte foi incumbida pela Carta Magna da missão de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional, embora seja inadmissível a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas pelas turmas recursais dos juizados especiais. 3. No âmbito federal, a Lei 10.259/01 criou a Turma de Uniformização da Jurisprudência, que pode ser acionada quando a decisão da turma recursal contrariar a jurisprudência do STJ. É possível, ainda, a provocação dessa Corte Superior após o julgamento da matéria pela citada Turma de Uniformização. 4. Inexistência de órgão uniformizador no âmbito dos juizados estaduais, circunstância que inviabiliza a aplicação da jurisprudência do STJ. Risco de manutenção de decisões divergentes quanto à interpretação da legislação federal, gerando insegurança jurídica e uma prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro meio eficaz para resolvê-la. 5. Embargos declaratórios acolhidos apenas para declarar o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação prevista no art. 105, I, f, da CF, para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional.

Assim, apesar de muitas resistências por parte dos ministros, a reclamação contra decisão de Turma Recursal Estadual foi regulada, no STJ, pela Resolução no 12/2009. Desse modo, o STJ definiu que a reclamação seria cabível para dirimir divergência sobre direito material entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e a sua jurisprudência, consagrada em suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais repetitivos. Essa Resolução vigiu até ser revogada, em 16/03/2016, pela Corte Especial do STJ, através da Emenda Regimental no 22/2016, abrindo espaço para a edição da Resolução no 3/2016.

4 – A origem da resolução no 3/2016
A Resolução no 3/2016 foi editada a partir de entendimento firmado pela Corte Especial do STJ, em decorrência da questão de ordem suscitada em 03/02/2016 pelo Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do agravo regimental interposto na Reclamação no 18.506/SP, relatado pelo Ministro Raul Araújo.

Na sessão do dia 03/02/2016, o Ministro Salomão suscitou a nulidade da Resolução no 12/2009 e, por conseguinte, sustentando sua inaplicabilidade a partir daquela data, “ressalvando os atos que já foram praticados com base nela, não mais se admitindo nesta Corte as reclamações oriundas do sistema de Juizados Especiais”. Em seguida, pediu vista o Ministro Felix Fischer. Na sessão de 02/03/2016, o Ministro Fischer acompanhou o voto do Ministro Salomão, mas o julgamento foi novamente interrompido, pelo pedido de vista da Ministra Fátima Nancy Andrighi.

Poucos dias depois, em 16/03/2016 a própria Corte Especial do STJ aprovou a Emenda Regimental no 22, que, dentre outras providências, revogou a Resolução no 12/2009, que tratava das reclamações impetradas para dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e a jurisprudência do STJ. Assim, na sessão do dia 06/04/2016, a Ministra Nancy Andrighi apresentou seu voto, julgando prejudicado o agravo regimental e apresentando uma proposta de edição de uma nova resolução para tratar especificamente da competência para processamento e julgamento das referidas reclamações.

A proposta de resolução apresentada pela Ministra Andrighi previa a delegação da competência ao ­órgão especial ou ao órgão correspondente dos Tribunais de Justiça, para processamento e julgamento das reclamações oriundas das Turmas Recursais. Nas palavras do relator, o Ministro Araújo:

Seguiu-se profícuo e enriquecedor debate acerca dos termos da resolução proposta, tendo a Corte chegado a um consenso sobre a questão, do qual decorreu a retificação de voto do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão e deste Ministro Relator, decidindo esta eg. Corte Especial, por unanimidade, em questão de ordem, aprovar a proposta de resolução sobre a delegação da competência às Câmaras Reunidas ou Seção Especializada dos Tribunais de Justiça, para processamento e julgamento, em caráter excepcional, até a criação das Turmas de Uniformização, de Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência desta Corte.

Destarte, foi encerrado o julgamento do agravo regimental interposto em face da Reclamação no 18.506/SP, que restou assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. JUIZADOS ESPECIAIS. RESOLUÇÃO No 12/2009-STJ. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. PREJUDICADO. POSTERIOR ADVENTO DA EMENDA REGIMENTAL 22/2016-STJ REVOGANDO A RESOLUÇÃO No 12/2009-STJ. DELIBERAÇÃO DE EDIÇÃO DE NOVA RESOLUÇÃO SOBRE A COMPETÊNCIA PARA DIRIMIR DIVERGÊNCIAS ENTRE TURMA REGIONAL ESTADUAL E A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. AGRAVO PREJUDICADO. 1. Com o advento da Emenda Regimental no 22-STJ, de 16/03/2016, ficou revogada a Resolução no 12/2009-STJ, que dispunha sobre o processamento, no Superior Tribunal de Justiça, das reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência desta Corte. 2. Com isso, fica prejudicado o incidente de inconstitucionalidade que ataca a Resolução no 12/2009-STJ. 3. A matéria passará a ser tratada por nova resolução, editada à luz do novo Código de Processo Civil, nos termos debatidos pela Corte Especial. 4. Agravo regimental prejudicado.

Em seguida, a Resolução no 3/2016 foi editada, prevendo aquilo que fora proposto pela Ministra Andrighi, ou seja, que a competência para julgar as reclamações oriundas das Turmas Recursais dos Juizados Especiais seria do Tribunal de Justiça correspondente, valendo destacar:

Art. 1o Caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para ­garantir a observância de precedentes.

5 – A antinomia existente entre a resolução no 6/2016 do STJ e o ordenamento jurídico
Durante o período de vacatio legis do Novo CPC, a doutrina começou a construir o entendimento de que diversos aspectos da Resolução no 12/2009 do STJ seriam invalidados e a disciplina da reclamação impetrada contra as Turmas Recursais passaria a ser feita pelo seu art. 988. Uma questão, entretanto, se manteria inalterada: a competência para julgar essas reclamações permaneceria no STJ, pois, tanto na Resolução no 12/2009, como no art. 988, §1o, do CPC, apontavam nesta mesma direção.

Não obstante, como visto, antes mesmo do debate ser aprofundado, o próprio STJ revogou a Resolução no 12/2009 (art. 4o da Emenda Regimental 22/2016) e editou a Resolução no 3/2016, que deslocou para as Seções Especializadas ou Câmaras Reunidas dos Tribunais de Justiça a competência para julgar as reclamações oriundas das Turmas Recursais. Diz a referida Resolução:

Art. 1o Caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção ­Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes.

No plano formal, é preciso considerar que a regra ­citada contém não propriamente uma determinação de organização judiciária, o que estaria entre as atribuições do STJ (art. 96, I, a, da CF), mas de definição da competência judicial, matéria eminentemente processual e de regulamentação privativa do Congresso Nacional (art. 22, I, da CF). Além disso, a ­regra disciplina o tema de forma diferente daquela prevista na Lei Federal (CPC). In verbis:

Art. 988. (…)

§ 1o A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.

Portanto, num primeiro momento, a Resolução no 3/2016 parece ser simultaneamente inconstitucional (por vício formal de competência legislativa – art. 22, I, da CF) e ilegal (por contrariar as regras previstas no CPC – art. 988, § 1o).

Felippe Borring Rocha, Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro

6. Os impactos da revogação da resolução ­
n
o 12/2009 e da edição da resolução no 3/2016
Em decorrência de suas peculiaridades, o legislador optou por dar uma sistemática recursal diferenciada aos órgãos do sistema dos juizados especiais. Os ­recursos em face das sentenças proferidas pelo juiz do Juizado serão julgados pela Turma Recursal e não pelo Tribunal de Justiça. A Turma Recursal compõe-se de um colegiado formado por três juízes de primeira instância e está instalada na estrutura dos Juizados Especiais. As decisões monocráticas proferidas pelos relatores (art. 932 do CPC) desafiam agravo interno e as decisões colegiadas abrem caminho para a interposição de embargos de declaração e recurso extraordinário, não sendo cabível a interposição de Recurso Especial. A impossibilidade, no caso, decorre da previsão exclusiva do art. 105, III, da CF, a qual atribui ao STJ a competência para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quanto à decisão recorrida. Por outro lado, o recurso extraordinário é cabível contra causas decididas em única ou última instância por qualquer órgão jurisdicional (art. 102, II, da CF).

Por outro lado, o acesso ao STJ está expressamente garantido nos Juizados Federais e nos Juizados Fazendários. De fato, a Lei do Juizado Especial Federal (Lei no 10.259/2001) prevê que a parte poderá formular pedido de Uniformização de Jurisprudência para a Turma Regional de Uniformização – TRU ou para a Turma Nacional de Uniformização – TNU (art. 14). A Lei dos Juizados da Fazenda Pública também adotou a possibilidade de pedido de Uniformização de Jurisprudência quando as Turmas de diferentes Estados derem à lei federal interpretações divergentes ou a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do STJ (arts. 18 e 19). Em ambos os casos, quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização contrariar a jurisprudência do STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Na seara dos Juizados Especiais Estaduais, entretanto, como a Lei no 9.099/95 não previu uma forma de fazer prevalecer a jurisprudência adotada pelo STJ, era a Resolução no 12/2009 que possibilitava à parte ajuizar reclamação no STJ contra a decisão de Turma Recursal quando esta afrontasse a sua jurisprudência. A revogação dessa resolução, pela Emenda Regimental no 22/2016, portanto, recriou a lacuna que existia nos Juizados Estaduais antes de 2009, com o agravante de que, agora, os dois outros modelos de Juizados Especiais integrantes do Sistema tinham mecanismos próprios de acesso ao STJ.

Essa lacuna, por sua vez, não foi suprida pela edição da Resolução no 3/2016, que manteve a inacessibilidade do STJ ao prever que a competência para processar e julgar as reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal e a jurisprudência do STJ seria dos próprios Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.

Além disso, diante das questões apontadas, alguns Tribunais já estão declinando da competência das reclamações que lhes são dirigidas, com fulcro na Resolução no 3/2016, ou suscitando conflito negativo de competência para o STF daquelas reclamações declinadas pelo STJ. Neste sentido, veja-se o seguinte aresto:

Direito processual civil. Direito constitucional. Reclamação contra decisão de Turma Recursal por divergir de decisão proferida pelo STJ em sede de recurso especial repetitivo. Decisão do STJ declinando da competência para este Tribunal de Justiça, por força da Resolução no 3/2016 daquele Tribunal Superior. Impossibilidade de ampliação da competência de Tribunal de Justiça por ato normativo infraconstitucional. Disposição contida na Constituição da República estabelecendo que as competências dos Tribunais de Justiça dos Estados devem ser estabelecidas pelas Constituições Estaduais. Expressa previsão, no CPC/2015, do cabimento de ­reclamação contra decisão que contraria tese firmada em REsp repetitivo, atribuindo ao STJ a competência para dela conhecer. Conflito de competência que se suscita, a ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (TJRJ – 2ª Seção Cível – Rcl 0048611-23.2016.8.19.0000 – Rel. Des. Alexandre Freitas Câmara, j. em 24/11/2016)

De sorte que o quadro atual é de absoluta incerteza, onde não se sabe qual o juízo competente para julgamento das reclamações referentes à divergência entre a decisão da Turma Recursal e a jurisprudência do STJ.

7 – Considerações finais
De todo o exposto, conclui-se que o STJ não poderia ter delegado aos Tribunais de Justiça, por meio de resolução, sua competência para analisar por meio de reclamação se a decisão da Turma Recursal afrontou ou não sua jurisprudência. De fato, a Resolução no 3/16 não apenas desconsidera a determinação oriunda do STF (ED Rext 571.572/BA), como também viola a competência legislativa constitucional para legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CF) e o art. 988, § 1o, do CPC, que regula a competência para julgamento da reclamação.

Assim, apesar da citada Resolução, parece correto afirmar que as reclamações referentes à inobservância pelos órgãos dos Juizados Especiais das teses jurídicas consagradas pelo STJ deverão ser julgadas neste tribunal, como já ocorria durante a vigência da Resolução no 12/2009, mas agora sob o regulamento do CPC (arts. 988 a 993).

Nesse sentido, necessário sublinhar que o julgamento da reclamação oriunda dos Juizados Especiais não pode ter a sua competência delegada, uma vez que ela representa um instrumento fundamental para a preservação da eficácia e da autoridade das decisões proferidas pelo STJ, que é o guardião da lei federal no País. Esse papel não é de um tribunal ­estadual ou distrital. E, ainda que fosse, restaria ­indagar: caso a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça ofendesse a jurisprudência do STJ, caberia reclamação da reclamação?

Por fim, necessário reconhecer que a melhor maneira de resolver a questão, em caráter definitivo, seria promover uma alteração na Lei no 9.099/1995 para introduzir um incidente de uniformização da jurisprudência nos Juizados Especiais Estaduais, aos moldes do que já existe nos Juizados Federais e nos Juizados Fazendários, para preservar a uniformidade da jurisprudência entre as Turmas Recursais Estaduais e entre estas e a jurisprudência do STJ na interpretação da legislação infraconstitucional.