Compromisso com o resultado

23 de outubro de 2012

Compartilhe:

Candidata à presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), para o biênio 2013-2014, a desembargadora Leila Mariano demonstra porque está mais do que preparada para assumir o cargo. A magistrada já exerceu praticamente todas as funções de expressão administrativa na corte fluminense. Atualmente é diretora da Escola da Magistratura do Estado do Rio (Emerj), onde promoveu verdadeiras mudanças.

À frente do órgão responsável pela formação inicial e continuada dos magistrados fluminenses, Leila inaugurou cursos e propôs a abertura de outros, sempre com o foco no humanismo. Ela explica por quê: “É muito importante que o juiz tenha uma formação mais ampla, humanística e com conhecimentos de economia. O juiz precisa estar inserido no mundo, precisa conhecer a realidade atual e não apenas a do seu estado”, afirmou a desembargadora, que também fala à Revista Justiça & Cidadania, com exclusividade, sobre temas como morosidade, demandas de massa e especialização de juízes.

Sobre a corrida para a presidência do TJRJ, Leila se limitou a dizer que é candidata. A eleição está marcada para dezembro. Se vencer, a desembargadora será a primeira a mulher a liderar a corte fluminense. O que seria muito positivo, na visão dela. “O que caracteriza a mulher é essa visão de que é preciso ter cuidado com as pessoas, assim como a visão de que é preciso pensar antecipadamente. O homem é mais imediatista… Além do cuidado, também somos apaziguadoras. A mulher em casa, o que faz? Sempre busca a coesão, paz e equilíbrio. A mulher também não se incomoda com a participação. Ela quer resultados, por isso cobra mais”, destacou.

Confira a íntegra da entrevista:

Revista Justiça & Cidadania – A morosidade é atualmente um dos grandes problemas do Poder Judiciário. Uma das causas são as demandas de massa, muitas das quais ligadas à área de consumo. Que medidas podem ser adotadas no âmbito administrativo pelo Tribunal de Justiça para amenizar esse problema?

Leila Mariano – Hoje, pela quantidade de processos e a repetição deles, conseguimos mapear onde está o problema no administrativo das empresas.  Obtemos assim a tipologia das ações. E com isso podemos dizer para a Light, por exemplo, que à medida que o diretor administrativo não mandar cortar a luz por débitos pretéritos, a empresa terá x por cento a menos de ações. Isso tem trazido resultados. De tanto insistirmos e conversamos em encontros, algumas medidas já foram adotadas. A Light é realmente uma empresa que está acordando. E isso é muito importante. As duas maiores empresas de eletricidade do Rio têm cerca de 28,5 mil processos nos juizados especiais por ano. Se cada processo custar R$ 1 mil – e não custa, esse é um número sem qualquer base técnica – o Tribunal de Justiça estará transferindo cerca R$ 28,5 milhões para as duas empresas a cada ano. É verba pública. E isso para que no ano seguinte elas repitam o mesmo comportamento. Muitos desses processos de consumo também são distribuídos às varas cíveis, onde o índice de gratuidade chega a 68,8%. Dividindo o que se gasta no Tribunal pelo número de processos, chegaremos a um cálculo, também sem muita base técnica, de que o processo custaria R$ 1,2 mil. Isso sem contar a hora do juiz e do promotor, além de insumos como luz, etc. Multiplicando isso, a conta daria uns R$ 12 milhões por ano. Então, no mínimo, R$ 40 milhões de verba pública são transferidos para as empresas de energia para que continuem prestando um serviço defeituoso. Isso tem que parar. Tem que haver a conscientização desses empresários. Eles precisam estabelecer pactos com o Judiciário.

JC – Mas eles só mudam esse comportamento quando sofrem no bolso, certo?

LM – Mas este preço está incluído na tarifa. E quem paga é o consumidor. Por isso eles não mudam de comportamento. Precisamos conscientizar a sociedade e o mundo jurídico. É preciso haver uma tomada de posição no sentido da mudança. Hoje, as lojas que essas empresas tinham para atender seus clientes se transformaram nas nossas serventias, nas nossas varas.

JC – O Tribunal de Justiça está funcionando como serviço de atendimento ao consumidor?

LM – Sim. E quem é o gerente? Somos nós. Um gerente caro, que tem outras coisas pra fazer e que não pode ficar tomando conta de quantos impulsos de telefone, kilowatts e metragem cúbica da água foram utilizados ou não. Essas empresas precisam ser empoderadas novamente, no sentido de serem mais responsáveis pelo serviço que colocam nas ruas. Também é preciso maior atuação das agências reguladoras. A morosidade não é um problema só do Judiciário. Temos 8,9 milhões de ações esperando para serem julgadas por 600 juízes. Como se faz isso?

JC – São quantas ações por mês?

LM – Atualmente um desembargador cível recebe 230 processos por mês. Isso é impossível. Considerando uma semana de cinco dias, são mais de 10 processos por dia. Não há como dar conta. Há um processo que o juiz até tenha uma visão antecipada, mas há outros, às vezes aquele fininho, que o leva pesquisar por um ou dois dias para conseguir fechar uma decisão. O juiz tem que ter um tempo, primeiro o de conhecimento, depois o de amadurecimento. O juiz não pode ser precipitado. Temos que pensar nas consequências das nossas decisões, pois às vezes elas chamam mais demandas. Ou seja, nós mesmos – os juízes – criamos um nicho para que as demandas se multipliquem. Hoje, só o direito não basta para o juiz. A jurisprudência entende que o limite para o endividamento é de 30%. No entanto, um decreto do Governo do Estado permite até 40%. Para o policial, o percentual é muito superior a isso. Então, o que a gente mais vê são ações movidas por esses profissionais cujo nível de endividamento em muitos casos chega a 120%. Como se deixa pôr no contracheque 120% de desconto? Que fosse ainda 70% ou 60% de desconto…

JC – A Emerj oferece algum curso sobre essas questões?

LM – Conseguimos incluir na grade do nosso curso de formação, e também nos de aperfeiçoamento, matérias humanísticas. O mesmo foi feito no curso de preparação para o ingresso na magistratura, que é agora uma pós-graduação lato sensu. Então, o aluno que sai da faculdade, quer se preparar para o concurso de juiz e vem fazer nossa especialização, já encontra na grade de ensino matérias como sociologia e psicanálise jurídica. Esta última é muito importante porque mostra os princípios da psicanálise jurídica, ou seja, como se forma uma decisão judicial e onde entram nossos preconceitos e mitos. Também oferecemos matérias na área de política, para que o aluno entenda que Estado é esse que atualmente temos e que difere do Estado Absolutista, que mostram o que é um Estado Democrático de Direito e o que se espera de um magistrado nesse contexto. Essas são disciplinas que as universidades não enfrentam. Por isso, acho necessária uma grande reforma dos cursos de bacharelado em Direito. O que tem sido oferecido muitas vezes não atende nossas necessidades. E hoje para ser juiz basta ser bacharel.

JC – O curso também oferece uma disciplina que trata da vida particular do juiz?

LM – Sim, se chama o Lugar da Ética na Função Judicial e na Vida Particular do Juiz. O juiz é juiz 24 horas. Então, como pode querer ser ético na profissão se é aquele que paga propina para passar na frente? Não se é juiz apenas quando se chega ao Fórum.

JC – Seguindo essa linha de pensamento, existe algum tipo de interferência por parte do Tribunal na vida privada do juiz?

LM – Não é interferência, mas procuramos mostrar como determinada ação pode repercutir, seja na forma de vestir, se apresentar ou tratar as pessoas. Somos juízes por opção. Logicamente essa opção traz bônus e ônus. Temos que ter consciência. E é isso o que passamos para os juízes.  Orientamos. Dizemos: “quando se apresentar em seu Facebook, tome cuidado. Veja ao lado de quem você está tirando retrato. Será que não é daquele que está respondendo a uma ação criminal?…”.

JC – A senhora é presidente da 2a Câmara, diretora da Emerj e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas. Como consegue conciliar tudo isso?

LM – Não dá pra colocar no papel… Eu poderia ter me desligado dos processos no minuto que assumi a Emerj, mas não quis.

JC – Existe na Emerj algum curso para o juiz que também quer ser administrador?

LM – Sobre isso, sempre digo que quando comecei era muito mais fácil. Conhecendo o fato, buscávamos a lei e com essa subsunção resolvíamos a questão. O Judiciário naquela época já era moroso e sempre o foi porque o nosso tempo não pode ser o real. Mas a sociedade não tinha voz alguma. O Judiciário não era pauta de jornal. Hoje abrimos um jornal e nos vemos da primeira a última folha. Hoje o juiz não atua apenas no processo. Atua antes e depois. Nossas decisões muitas vezes se expandem para diversas outras situações. Por isso, a questão do consequencialismo. Uma liminar que o juiz dá em um caso simples pode provocar outras 20 mil ações. Nesse contexto, o juiz também se tornou um gestor. Ele tem que responder pela sua vara, pelo seu gabinete e cartório. E isso não se aprende na faculdade.

JC – Recentemente a Emerj também promoveu uma pesquisa… 

LM – Sim. Este ano iniciei uma espécie de pesquisa empírica em encontros com juízes de todas as especialidades. Isso começou em fevereiro. O tema foi o Estado Contemporâneo e a Jurisdição – a Visão do juiz. Foi uma das experiências mais ricas. Realmente emocionante. Participaram de 20 a 25 juízes de cada especialidade. O juiz precisa ter consciência do seu papel como transformador da sociedade. A rigor somos pessoas privilegiadas, embora nem todos nós tenhamos saído de classes altas economicamente. Ao contrário. A maior parte dos juízes veio de classes carentes. Meu pai, por exemplo, era soldado de polícia e minha mãe costureira. Uma pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros constatou que a maior parte dos juízes vem da classe média para baixo. Somos juízes para concretizar a igualdade, para viabilizar a integração dos menos favorecidos e, assim, promover a transformação social. Acho que, quando temos essa dimensão, essa passa a ser uma missão que nos mobiliza.

JC – O TJ do Rio de Janeiro é diferente de outros tribunais. A corte foi a primeira ter um fundo próprio, o que lhe permitiu uma série de investimentos.  Essa situação também se estende à Emerj. Tudo que a senhora comentou também há em outras escolas?

LM – As escolas são diferenciadas, mas sobre os investimentos, é importante esclarecer: nosso fundo é separado do Tribunal. A Escola tem um fundo próprio e se mantém graças aos cursos que oferece.

JC – Com a reforma, a Escola foi ampliada. Que projetos novos serão desenvolvidos nesse novo espaço?

LM – Já aumentamos o numero na pós-graduação. Nosso curso, que antes era chamado de curso preparatório para o concurso de magistrado, é hoje um curso aprovado pelo Conselho Estadual de Educação. É um curso de pós-graduação, com mais de 1.900 horas e estágio. Hoje tenho cerca de 700 alunos estagiando em diversas varas e no Tribunal. Fora esse curso, conseguimos a partir de 2011, oferecer outros cursos de pós-graduação, que haviam sido aprovados em gestões anteriores. Consegui concretizar, por exemplo, o primeiro curso de Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor. A segunda turma vai começar em breve. Esse é um curso muito requisitado. Também fizemos outro curso, de Processo Civil. A primeira turma esgotou-se no primeiro dia. Então abrimos uma segunda turma, que está em andamento. Até janeiro, abriremos ainda o curso de Direito Tributário, de Direito Administrativo e de Direito Penal e Processo Penal.

JC – A Emerj oferece bolsas?

LM – Sim, distribuímos um percentual de bolsas aos carentes e a alunos advindos das universidades que se utilizam do sistema de cotas. Para possibilitar o nivelamento destes, principalmente em português, concedemos bolsas também no curso preparatório Premerj.

JC – Qual é o planejamento da Emerj para o próximo ano?

LM – Começo agora em outubro o planejamento para 2013-2014. Neste momento, está em andamento uma turma preparatória para os juízes que vão querer se candidatar a vagas nas Turmas Recursais. Acho sensacional essa possibilidade de administrar por competências, segundo a formação necessária para cada área. Entretanto, só posso fazer um curso deste para as Turmas Recursais, cuja seleção não se dá por promoção ou remoção, mas para os juízes que demonstram interesse, bienalmente. Eles sequer precisam vir dos juizados. Já para as varas onde há titularidade, não posso exigir isso, apesar de achar fundamental. Tanto que levei ao Colégio de Diretores das Escolas da Magistratura a importância de pensarmos a administração por competência. A complexidade da jurisdição exige que, para ir para uma vara empresarial, por exemplo, o juiz conheça profundamente o sistema de Ações Coletivas e o Direito Empresarial, assim como o Direito Administrativo e Constitucional.

JC – O que a senhora acha da ideia de o juiz poder escolher o presidente do Tribunal de Justiça?

LM – Acho que vamos caminhar para isso. Afinal, os ventos da democracia chegam a todos os lugares. Não sei se em uma instituição como o Poder Judiciário isso vai ser melhor ou não. Hoje os juízes reclamam muito que não são ouvidos. Nesse sentido, acho possível uma democracia participativa. E, para isso, não se fazem necessárias mudanças na Constituição. Pode ser feito já, através da participação dos desembargadores e magistrados de primeiro grau, em comissões e grupos de trabalho. Ainda pensamos com base em uma visão antiga, de uma administração que vem de cima para baixo, verticalizada, onde o chefe se mostra distante.  A administração moderna é a racional e horizontal, onde é possível essa participação e diálogo.

JC – Nos corredores, escuta-se que seu nome é o mais cotado para assumir a presidência do Tribunal… 

LM – Sou candidata.

JC – A senhora seria a primeira mulher a presidir o Tribunal de Justiça do Rio. Que contribuição poderá trazer uma mulher à frente do TJ?

LM – O que caracteriza a mulher é a preocupação, a noção de que se precisa ter cuidado com as pessoas, com as coisas a fazer. Para isso, é preciso pensar antecipadamente. O homem é mais imediatista. Já a mulher pensa mais, elabora. Não foi à toa que ficamos tanto tempo na cozinha. Ali ouvíamos e pensávamos, até poder falar. Além do cuidado, também somos apaziguadoras. A mulher em casa, o que faz? Sempre busca a coesão, paz e equilíbrio. A mulher também não se incomoda com a participação, ela pede ajuda. Ela quer resultados, por isso cobra mais, é mais exigente. Esses são artifícios femininos que, na gestão, acredito que sejam interessantes. Outro lado da mulher é saber reconhecer o mérito dos que participam. Tenho experiência em gestão. Fui a primeira funcionária diretora do Tribunal de Alçada Cível. Isso em 1974. Antes participei na elaboração dos planos de carreira. Venho colaborando com, praticamente, todas as presidências, desde a do Des. Bandeira Stampa. Isso sem deixar o processo. Também fiquei 25 anos a frente da Escola de Administração Judiciária (Esaj). A Emerj foi um grande desafio.