Conciliação, diálogo e otimismo na nova gestão do TRF2

11 de abril de 2017

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André FontesAs três palavras bem podem resumir o modo de agir do novo presidente do TRF2, o desembargador André Fontes. As propostas de gestão, os desafios administrativos, as soluções possíveis para um momento de crise no Estado, as metas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a reforma da previdência e um panorama do Judiciário, hoje e no futuro, estão entre os temas abordados nesta entrevista.

Eleito em fevereiro para a presidência do Tribunal Regional Federal da 2a Região, o desembargador André Ricardo Cruz Fontes acaba de ser empossado no cargo. Para mandato que compreende o biênio 2017-2019, ele terá ao seu lado, na direção da Corte que abrange os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, os desembargadores federais Guilherme Couto de Castro e Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo, respectivamente, para a vice-presidência e a Corregedoria Regional.

Natural de Niterói (RJ), André Fontes integra o TRF2 desde 2001, ocupando vaga destinada ao quinto constitucional para o Ministério Público Federal (MPF). Até ser eleito para presidir o TRF2, o desembargador André Fontes presidia a Segunda Turma Especializada, que julga ações penais, previdenciárias e demandas envolvendo a propriedade industrial, além de ser juiz titular do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Antes disso, o novo presidente passou onze anos no MPF onde atuou como Procurador da República e Procurador Regional da República. Também exerceu a advocacia de 1982 a 1988 e foi procurador do Município do Rio de Janeiro, nos anos de 1988 e 1989.

Fontes possui dois títulos de mestre (em Direito Civil, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ e em Direito Constitucional, pela Universidade Federal Fluminense/UFF); cinco de doutor (Direito Civil, Filosofia, Ciências, História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia e Ciências Ambientais e Florestais) e pós-doutorado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O desembargador também atua como professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio) e tem diversos livros publicados.

Revista Justiça & Cidadania – Quais serão as principais diretrizes de sua gestão na presidência de TRF2?

André Ricardo Cruz Fontes – Tive um bom período para pensar e decidir o que é prioridade e acho que a principal no Judiciário ainda é ampliar e intensificar cada vez mais a transparência. O segundo aspecto é a participação. Já em outras ocasiões emiti a mesma opinião e acredito que todas as pessoas que, direta ou indiretamente, estejam ligadas à atividade jurisdicional devem ser ouvidas, ainda que sejam externas ao tribunal. Não apenas ouvidas, como também instadas a oferecer específicas soluções que julguem convenientes para as questões que enfrentamos.

RJC – Quem seriam essas pessoas?

AF – Talvez as principais, capazes de dar uma grande contribuição, sejam os advogados, que são os que mais interagem com o Tribunal e também os que conhecem de uma maneira mais clara, mais próxima e mais sensível questões como movimentos dos processos e o tempo de solução de alguns problemas de natureza meramente administrativa. Pretendo que nos dois anos que teremos para trabalhar haja maior integração com esses profissionais, a fim de darmos rumo concreto a algumas situações e estabelecer diretrizes para outras. Por outro lado, gostaria de chamar a atenção para o fato de, internamente, entre os desembargadores, com quem eu tenho uma relação muito cordial e fluida, buscar, individualmente, soluções e propostas para alguns problemas que enfrentamos. Mais do que tudo, com os magistrados de primeiro grau, que são a alma do Tribunal e que trazem consigo as esperanças da Justiça Federal.

RJC – E como será o relacionamento com os servidores e com as outras instituições?

Com os servidores pretendo travar uma relação dividida em duas partes, uma com o próprio sindicato, com uma comunicação direta com os dirigentes, e outra, que sempre fiz, que é de manter as portas abertas para o diálogo, os contatos, as discussões concretas, mas sempre mantendo o ponto de vista, por exemplo, de qualidade, bom atendimento, bom trato, aquilo que o estatuto dos servidores e a Lei Orgânica da Magistratura chamam de “urbanidade”. Acho importante uma primeira aproximação com o Ministério Público para saber, de um órgão com a sua qualidade e competência, quais são os problemas internos do Tribunal. E quero fazer uma coisa pouco comum: pretendo visitar autoridades policiais e locais onde estão os presos da Justiça Federal em ocasiões especiais – espero ser acompanhado pelo Ministério Público e pela advocacia – para, depois, apresentar um grande relatório final de soluções e problemas. Pretendo também examinar as demandas reprimidas, ou seja, aquelas que estão pendentes já há muito para serem apreciadas, mas que, por circunstancias alheias à vontade de administrações anteriores, não puderam encontrar uma solução. Assim como pretendo rever algumas situações, como, por exemplo, servidores que obtiveram diplomas de pós-graduação e deveriam receber o adicional devido por conta disso.

RJC – O que o senhor destacaria como os principais pontos positivos da gestão anterior?

AF – Tenho impressão de que a grande virtude da administração anterior foi a gestão da crise financeira que abalou o País e teve repercussão impactando diretamente nas atitudes e situações cotidianas do Tribunal. Em segundo lugar, a reorganização que foi feita, ainda que parcial, ainda que fragmentada, em alguns setores da administração. Acredito que as decisões tomadas foram importantes e penso que foi uma administração efetiva. O presidente olhou para o próprio Tribunal, a despeito das exigências externas, e teve um cuidado maior com as questões internas. Ressalto o fato dele ter pensado, refletido e tomado decisões importantes que, na ocasião, tinham um sentido prático e cuja repercussão veremos nos próximos anos.

RJC – De modo geral, quais serão os principais desafios administrativos no biênio em que a Corte ficará sob sua gestão?

AF – Se tivesse que escolher um ponto, seria a motivação. Ou seja, o sentimento de orgulho e satisfação. A questão emocional no trabalho deve ser levada em consideração. A impressão que tive, em algum momento, foi que todos nós ficamos desmotivados, com tanto esforço e tanta dedicação e nem sempre se chegando ao resultado esperado. Quero procurar ouvir diretamente aqueles que, pelo tempo e pela experiência, tiveram condições de absorver informações. Gostaria de ouvi-los e, mais do que isso, não fazer o que parece ter se tornado um lugar comum em todo o País e em todo mundo: dar um “não” como resposta, sem ouvir do que se trata. Às vezes nem se escuta, nem sabe o que é, e já se diz que “não pode”, “não é possível”. Eu mesmo enfrentei esse problema. Penso que se é possível fazer determinada coisa de determinada maneira será feito. Se não for possível, tentaremos outra solução, mas eu não rechaçaria de pronto a existência de um problema que, para muitos, é real, é imediato, mas que talvez, para mim, não repercuta tanto. Por isso, eu pretendo que esses problemas sejam identificados e reconhecidos e a eles seja dado algum tipo de solução.

RJC – A experiência adquirida em sua atuação como Corregedor lhe dará algum tipo de subsídio para atuar na presidência do TRF2?

AF – Ocupei vários cargos administrativos no Tribunal, mas o principal foi o de Corregedor. É que tanto na direção da Escola da Magistratura quanto no Centro Cultural da Justiça Federal compartilhei as responsabilidades dos órgãos com o gabinete. Ou seja, me mantive em exercício na função jurisdicional. À Corregedoria pude me dedicar integralmente. Os momentos em que tive atividade jurisdicional stricto senso foram excepcionais. Pela primeira vez, depois de muitas décadas de Procuradoria da República, Procuradoria do Município e advocacia, pude prestar um serviço que não tivesse caráter estritamente associado à jurisdição. Pensando bem, foi a primeira vez em minha vida porque desde cedo iniciei na profissão do Direito e minha atividade sempre foi o contencioso, se estendendo à solução de conflitos, e nunca preventivamente. Essa experiência foi importante porque eu pude pensar e entender melhor a Corregedoria para depois apresentar um texto descritivo sobre o órgão. Essa experiência, ainda muito específica no contexto do Tribunal, me trouxe uma reflexão até então um pouco descuidada, que foi em relação ao magistrado, ao juiz federal, que é a chave do sucesso da justiça. A despeito de o Tribunal ter magistrados de alta capacidade técnica, o trabalho de pedreiro, de quebrar as pedras, de levantar o muro, foi do juiz federal. Trata-se de figura por quem sempre tive uma reverência, e que não terminou com a minha vinda para o Tribunal; pelo contrário, a Corregedoria me fez entender, em alguns aspectos, a grandeza do juiz, além da minha reverência inata que já existia antes de chegar ao Tribunal.

RJC – Entre os pontos de destaque do TRF2 está o Centro de Atendimento Itinerante da Justiça Federal da 2a Região (CAIJF), que vem ampliando o acesso à Justiça Federal. Além deste, quais programas do TRF2 o senhor poderia mencionar como importantes para a missão desta Corte?

AF – Tenho a impressão de que ampliar o acesso dos advogados à justiça é mesmo um dos pontos fundamentais. Esse diálogo que mencionei que pretendo ter com a advocacia e com o Ministério Público é para ampliar ainda mais o acesso. Para mim, isto é a maior virtude do Tribunal, ao lado da maior virtude do juiz, que talvez seja a forma discreta de agir. São os dois grandes braços da magistratura. Um do ponto de vista subjetivo individual, outro do objetivo estrutural. Pois bem, este acesso inclui formas itinerantes, eletrônicas, e também mecanismos de acesso simplório que eu também já pude identificar no Tribunal Regional Eleitoral, onde um balcão simples dava informações às pessoas, que, de alguma maneira, não encontravam solução para seus problemas. Eles acabavam obtendo apoio de terceirizados, que somavam uma forma diferenciada ao trabalho do tribunal. Assim como no TRE, quero que o acesso signifique que até mesmo um leigo pode informar às pessoas o quê, como e por onde fazer para que sua demanda seja encaminhada para quem de direito. Isso não é invenção minha, é uma experiência real do TRE. Também quero mostrar aos juízes como as pessoas veem o Tribunal, as impressões que têm. Quero que eles percebam os resultados de seu esforço, os desafios vencidos para que possam melhor valorar, em graus bem superiores, todo o esforço investido na execução de seus trabalhos.

RJC – O senhor poderia nos contar como está hoje o processo de informatização do Tribunal? Quais são os ganhos da tecnologia até agora?

AF – A informática do Tribunal é onerosa, funcional e atual. Queremos que ela se torne parcimoniosa, futura e que alcance os objetivos de integração com as demais justiças, tanto a estadual quantos os demais TRFs, e ousaria dizer também a [justiça] do Trabalho e a Eleitoral, de modo que o acesso seja mais instantâneo ainda, aumentando o número de ícones e não de dificuldades de acesso. Mais do que isso, aumentando ainda o volume de acesso possível, como aconteceu na Corregedoria, separando os grandes litigantes habituais dos individuais, de maneira que as pequenas causas de litigantes eventuais não encontrem dificuldades, que não só os mais habilitados e frequentes acabem por ter mais condições. Será uma tentativa de facilitar ainda mais o acesso.

RJC – Está em andamento concurso para juiz federal substituto da 2a Região. Aproveitando este momento, gostaríamos de saber como se encontra a Justiça Federal da 2a Região em termos de servidores? A demanda vem sendo atendida pelo atual número de colaboradores ou há carência de mão de obra?

AF – Temos uma política atualmente de recrutar dois tipos de servidores: o técnico e o analista. O técnico é resultado de um primeiro momento do Tribunal, é uma personalidade singular no TRF, pois foi ele que construiu, de fato, as bases e a estrutura do Tribunal. Só que hoje, com o aperfeiçoamento das instituições, nós estamos com uma necessidade maior de analistas. Vamos buscar esgotar esta fase dos técnicos e nos voltarmos para os analistas, que são aqueles que dão uma contribuição mais complexa – assim entendida a formulação de minutas e decisões – já que hoje a cobrança ao magistrado, além da tradicional qualidade que se espera, é de manter números estatísticos condizentes com a realidade do País. É obvio que o ideal é que possamos recrutar mais técnicos, mais analistas e mais juízes, mas isso ainda é pouco. Espero que as 12 vagas para magistrados que estão ainda pendentes no TRF2 sejam ocupadas para que o Tribunal possa cumprir a sua missão de resolver conflitos mas em número razoável de processos para cada gabinete. Na realidade que enfrentamos hoje isso é quase impossível. Mesmo assim a meta de julgar mais processos do que os recebidos tem sido cumprida aqui. Porém, o futuro, com essas oscilações, geralmente de aumento de volume, não permite que o Tribunal permaneça nos níveis dos anos 2000, já que estamos prestes a entrar na década de 2020. Acredito que a solução será uma preparação dessas 12 vagas, mas, no final da década que se apresenta, estas possivelmente não serão suficientes para os desafios que o Tribunal terá que enfrentar.

RJC – Em relação às metas do CNJ para a Justiça Federal, de que maneira o TRF2 vem atendendo às designações do órgão?

AF – A meta principal que o TRF2 tem observado, e que o CNJ muito bem elaborou – talvez sendo o maior reflexo das exigências da sociedade brasileira –, é o acúmulo de processos nos tribunais, posto que a meta formulada pelo CNJ orienta no sentido de se julgar mais processos do que se recebe. Isso tem sido alcançado. A segunda preocupação nossa, e também uma meta, é a de reduzir cada vez mais os prazos dos julgamentos, principalmente em causas de improbidade administrativa e outras similares, cujo impacto seria mais sensível à sociedade brasileira e também à necessidade do País. Mas eu iria mais além. Acredito que o Tribunal tem o dever de julgar certas causas antes, como, por exemplo, aquelas que envolvam juízes, porque ninguém pode ser julgado se houver desconfiança na reputação e na atitude do magistrado. Quer dizer, resolve-se o problema do juiz: se ele não tem condições não pode ser juiz. Se tem, assim seja, e que não pairem dúvidas sobre o seu trabalho.

RJC – As questões previdenciárias estão entre as matérias de competência de julgamento da Segunda Turma Especializada, onde o senhor atuou. Diante de sua experiência nesse tema e no cenário da crise previdenciária, gostaríamos de saber sua opinião sobre a reforma da Previdência. O senhor concorda com as mudanças pretendidas pelo Governo Federal?

AF – Acredito que a reforma vá acontecer, porque não é um problema brasileiro, e sim mundial. A idade média do brasileiro aumentou e, geralmente, os efeitos disso recaem sobre os que estão na ativa. Hoje, nós temos quase 1 para 1, ou seja um contribuinte para um beneficiário. Se continuarmos assim teremos um desequilíbrio. Talvez a melhor solução seja os candidatos à presidência da República [nas eleições de 2018] irem para a televisão explicar para todos os eleitores do Brasil como resolveriam o problema previdenciário, em painéis específicos, em temas destacados, sem discussão de questões ideológicas ou partidárias. Que a população possa saber quais são as propostas previdenciárias de cada um. É a única maneira de não deixarmos o problema ser transferido para a figura do INSS e da magistratura, como se fosse um problema de quem, de modo recalcitrante, não quer fazer. Este é um problema nacional, uma decisão presidencial com reflexos na lei e da lei com reflexos na decisão presidencial, pois é a lei que deve estar estabelecida em função dos custos, da necessidade e da capacidade que nós temos de custear a previdência.

RJC – Qual a sua opinião sobre a atuação do Poder Judiciário nos dias de hoje, em que os julgamentos, diferentemente de outros tempos, ganham grande destaque junto à população?

AF – A democracia é que eleva o Judiciário. As ditaduras calam justamente duas das maiores bocas do público, que são os juízes e a imprensa. Se observarmos todos os grandes ditadores, veremos que a imprensa e a magistratura foram as mais atacadas. E a democracia faz o contrário, enaltece o poder do jornal que acaba, por suas capacidades, não apenas informando como também formando o povo. O juiz, diante desse verdadeiro ponto de equilíbrio do País, que é a vontade da população, acaba, como integrante do povo, tendo que serenamente alcançar os dois extremos entre aqueles objetivos, que a Constituição e os direitos fundamentais estabelecem, e ao mesmo tempo os reclamos do País. Pois bem, em uma democracia a vontade do povo aflora e o juiz não é insensível a ela; ao contrário, quer que o país caminhe em seus objetivos maiores. Portanto, a justiça como um todo tende a crescer cada vez mais nas democracias. Não é sem razão que alguns países têm um canal, ou mais, de televisão tratando apenas de questões judiciais. Para aqueles que sustentam que a justiça deve ser silenciosa e que o povo não deve saber o que se passa aqui, reporto-me ao texto constitucional, que reduz os casos de sigilo, que devem estar sonegados à informação pública, somente por razões de família. Fora isso, todos têm direito de acesso e saber como devem se comportar porque foi esta ou aquela solução dada a um caso análogo e, portanto, assim será a decisão que cada um deverá tomar, porque assim entendeu o Judiciário, atendida essa relação interativa entre o povo e o juiz.

RJC – E no que diz respeito à Justiça Federal, que tem estado em evidência por conta da Operação Lava Jato?

AF – Destacando a Justiça Federal, que alcançou maior destaque, eu chamaria a atenção para dois aspectos, primeiro que é o fato do caráter nacional especial da Justiça Federal – não que as demais não tenham este alcance. É que esta especialidade trata de temas que são menos da esquina e mais do País como um todo. A contribuição da Justiça Estadual é decisiva e inegável, mas a Justiça Federal é mais nova e, hoje, há uma consciência do juiz federal que tem um ethos próprio, um jeito próprio. E é possível destacar, assim como se consegue destacar um juiz federal de um juiz de direito e vice-versa, que nós temos instituições distintas; cada uma com seus objetivos muito bem definidos, respeitadas as devidas atribuições e competências, com sua missão cada vez mais destacada, o que põe a justiça federal em um plano muito bem caracterizado. Enfim, na Justiça como um todo, a democracia tem essa virtude de tornar aberta a vida pública e não permitir que nada seja oculto, especialmente se forem ações que afetem ao dinheiro público. A Justiça Federal tem um compromisso mais destacado, que é em relação à Federação e à Unidade, portanto, menos à questão interna dos estados e do cotidiano do cidadão. Está mais preocupada com a administração, com as questões relacionadas à União e sua autarquias e outras entidades correspondentes e, portanto, a ideia federal do Estado acaba emergindo para o cidadão de outra forma, e ela acaba sendo a grande diferença em caracterização do homem comum do que significa viver em uma Federação.

RJC – Sobre a Justiça brasileira de um modo mais amplo, quais são, sob seu ponto de vista, os problemas que demandam mais ágil solução e o que pode ser feito para, por exemplo, reduzir os volumes de processos que, ano após ano, chegam aos tribunais?

AF – Por mais que se reduza o recurso, por mais que se trabalhe, haverá e tantas ações e tantos recursos até que uma pessoa entenda que ela tem razão. O volume de processos significa menos uma atividade, uma responsabilização direta do juiz, e muito mais que a pessoa que não tem o seu direito observado, segundo a sua própria compreensão, vai usar de todos os esforços possíveis e imagináveis em busca disso. Então, a celeridade é uma questão mais complexa, e não um problema direto do Tribunal, porque uma decisão, seja ela favorável ou desfavorável, irá gerar recurso. Sobre os problemas específicos que demandam solução tenho a impressão de que um dos mais importantes é a questão previdenciária, que vem para cá [para os tribunais] como um desdobramento da incapacidade dos órgãos de resolver os seus próprios problemas, talvez por falta de recursos, ou por uma dimensão absurda de volume de pessoas. O INSS é um órgão único para atender mais de 50 milhões de beneficiários. É um dos maiores sistemas de previdência do mundo. O ideal seria que a autarquia fizesse uma revisão da sua forma de conduzir as ações e tomasse algumas iniciativas, formulasse políticas internas e buscasse melhoria de desempenho, pois, do contrário, ficaremos aqui como uma espécie de balcão secundário para resolver problemas que podem ser solucionados por ela própria. Em segundo lugar, ainda na questão previdenciária, estão as demandas de idosos, de crianças e adolescentes, que são incapazes em sentido técnico, e não têm condições de prover os próprios recursos, assim como aqueles que, por questões de algum tipo de problema de locomoção, têm necessidades imediatas de solução. Em terceiro lugar, se a questão social que marca a previdência é grave e complexa, aquelas que estão em volume maior, que envolvem contratos de financiamento de imóveis, problemas relativos a execuções fiscais, poderiam merecer uma atenção especial para se criar um sistema próprio e selecionado de práticas diferenciadas, por exemplo, para grandes e pequenos devedores. E, acima de tudo, dar ao processo penal a agilidade necessária para que as pessoas possam ter, para os problemas de natureza penal, uma resposta atual e efetiva, e não remota e de tempos às vezes muito distantes de uma suposta prática ilegal que tenha sido cometida.

RJC – Cresce nacionalmente o debate – e as medidas concretas – em torno da adoção cada vez mais ampla das soluções alternativas aos conflitos judiciais para diminuir a morosidade da Justiça brasileira. Qual sua opinião sobre isso?

AF – Eu sou amplamente favorável às soluções alternativas. O Tribunal tem acompanhado isso, o setor de soluções e conflitos tem procurado dar solução aos problemas sem o processo existir. Parece estranho para a justiça dizer isso, mas tem acontecido. A ideia que deve prevalecer é de que a solução jurisdicional é uma solução excepcional, esporádica, eventual. A solução normal é por diálogo, debate, conciliação, acertos diretos e a mediação, se ainda for o caso; eventualmente, a arbitragem, em questões que assim justifiquem. Só como um recurso último seria o caso da solução jurisdicional, que pela previsão constitucional nossa – e como deveria ser mesmo –, deve estar sempre aberta a qualquer tipo de reclamo.

RJC – Como o senhor avalia que será o Judiciário brasileiro daqui a 10 ou 20 anos?

AF – Eu penso muito nisso, ou então não estaria aqui. Espero estar vivo para testemunhar o que direi agora. Acho que haverá uma palavra de ordem pela simplificação e informatização. A praticidade dos norte-americanos sem prejuízo da profundidade dos europeus na análise dos casos, mas também com uma capacidade informática maior e a simplificação de procedimentos e soluções. Melhor exemplo disso é o uso da jurisprudência como ferramenta de ação dos magistrados para a condução dos seus trabalhos. A tendência é aumentar este conhecimento, e chegarmos, no futuro, talvez a não termos mais seções ou audiências nos locais dos tribunais, e sim por meio de sistemas eletrônicos que permitam ao advogado resolver o conflito em seu escritório, integrando partes, magistrados e demais partícipes em um só sistema que está em todos os lugares e em lugar algum: a Internet.

RJC – Para finalizar, de que maneira a atual situação de crise em que se encontra o Estado do Rio de Janeiro deverá afetar o TRF2 e o poder judiciário fluminense como um todo?

AF – A crise tem dois aspectos, um é dos nossos paradigmas morais e de motivação; o outro, relativo aos custos do Tribunal, que acabam não sendo cobertos pela capacidade do Tesouro de financiamento das atividades. É o problema da crise, mas se tivesse que escolher entre o problema “motivação” e o dos “custos”, eu ficaria com o primeiro. Tenho a impressão de que a crise afeta o ser humano no que há de mais profundo, no sentimento mais recôndito, mais integrado na alma humana, que é a “motivação”. Não adianta muito haver recursos se não há motivação para o desempenho. As pessoas estão desmotivadas, descrentes, mas eu sou e sempre fui um otimista. Não acho que uma linha reta é a única que liga dois pontos. A visão otimista é a única possível em uma vida tão curta como a que temos. Se não pensarmos assim, e acharmos que o malogro é a nossa palavra de ordem, estaremos muito distantes daquela confiança que o povo teve na justiça, no agente público, no magistrado e no servidor, que é a figura chave agora, nesse momento, para a questão da crise. É a motivação do pessoal da administração do Tribunal que vai determinar o rumo de enfrentamento da crise. Não é sem razão que os grandes estrategistas militares sempre chamaram a atenção para uma questão crucial que é a motivação na defesa dos interesses de cada povo em conflito, pois é a palavra “motivação” que vai determinar a nossa condução para a crise que afeta o País e o Tribunal.