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Concorrência de culpa da vítima na responsabilidade objetiva

5 de novembro de 2002

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Responsabilidade Objetiva – Risco Administrativo

O art. 37 § 60 CRFB/88 estabeleceu a responsabilidade objetiva (teoria do risco administrativo) das pessoas jurídicas de direito publico ou privado, pelos danos decorrentes dos serviços públicos. Como referiu Jose Aguiar Dias (Palestra de 23.06.93, Emerj, in Boletim Acadêmico nº 1, Jan/96, pp. 11-12):

A teoria do risco administrativo se acha consagrada no art. 37 § 60 da Constitui­ção. Resulta do simples exercício da atividade administrativa (…). Quanto aos fundamentos da responsabilidade objetiva, foram Saleilles e Josserand os principais divulgadores dessa teoria. Ha variações da teoria: a do risco criado (Prof. Caio Mario ­“aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, esta sujeito a reparação do dano que cause”). Necessário estabelecer a “convivência da teoria do risco com a culpa” (…), pois o Código Civil é subjetivista (art. 159).

Este notável autor (Da Responsabilidade Civil, 6ª ed. Forense, 1979, pp. 369­370), considera irrelevante a concorrência de culpas: “Se a culpa do ofensor não for decisiva para a ocorrência do fato danoso (…)”, o que não exclui o contributo da culpa concorrente.

Diante da chamada “causalidade adequada” ou “conduta eficiente para causar o dano”, costuma-se afastar a concorrência de culpas.

Cunha Gonçalves (in Trat. D. Civil, vol. XII, nº 1906) preconiza “a partilha dos prejuízos em partes proporcionais aos graus da culpa, quando desiguais”.

Rui Stoco (Responsabilidade Civil – 2ª ed. RT – 95) se reporta a “culpa decisiva’, que, “se traduz na teoria norte-americana da causa próxima – The last clear chance, a parte que teve por ultimo a oportunidade de evitar o dano (…) é responsável pelo evento, não obstante a negligencia ou imprudência da outra”. Conclui (pp.55 e 678) que “a responsabilidade do transportador e objetiva (…) somente elidida nas hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa ex­c1usiva da vítima (…)”.

Havendo concorrência de culpas a responsabilidade do transportador não será mitigada. Remanescera íntegra.

Culpa concorrente da vítima, reduzindo a indenização na responsabilidade objetiva – Doutrina e Jurisprudência

Alem do art. 37 § 60 CRFB, alguns dispositivos do C6digo Civil e de leis especiais consagraram a teoria do risco.

Extraímos do livro coordenado por Yussef Said Cahali (R. Civil – Doutrina e jurisprudência, Saraiva, 2· ed. 1988), os seguintes comentários e em prol da CONCORRÊNCIA DE CULPAS ou CONCORRÊNCIA DE CULPA da vítima, mesmo na responsabilidade civil objetiva ou segundo a teoria do risco administrativo:

Assim, “a culpa exclusiva da vítima, ex­c1ui a responsabilidade do Estado” (RT], 91/377; RT 434/94).

“Responsabilidade Civil. Acidente de Transito – buraco em via publica – Responsabilidade objetiva reconhecida (art. 107 da CRFB). POSSIBILIDADE, não obstante, DA ATENUAÇÃO DA RES­PONSABILIDADE. Configuração de culpa concorrente” (Sétima Câmara – 1% 2. P.395).

“Tem entendido o colendo STF que, “invocada pela ré a culpa da vítima, e provada que contribuiu para o dano, AUTO­RIZA SEJA MITIGADO 0 VALOR DA REPARACÃO” (RTJ – 55/50).

“Enquanto não se evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade da Administração, cumprindo, assim, a este, para eximir-se de obrigação de indenizar ou VÊ-LA REDUZIDA PROPORCI­ONALMENTE, provar a CULPA TOTAL ou PARCIAL DO LESADO” (Yussef Said Cahali, R.Civil do Estado, RT – 1982, nº 37, p.112).

Wilson Melo da Silva (Da R.Civil automobilística, 5a ed., Saraiva – 1988 – pp. 224 e segs.) ensina: “Paul Duez (“La respomabilité de la puissance publique” Dalloz, Paris, 1927, p.64) faz questão de ressaltar que (…) a exoneração total ou parcial da responsabilidade estatal na espécie, em decorrência de culpa total ou parcial da vítima (…). A culpa da vítima (não a do agente, a qual só interessaria para fins e efeitos do direito regressivo do Estado) influiria, na hipótese, PARA MINORAR ou mesmo excluir a responsabilidade civil do Estado (…) estaria sempre fixada pela responsabilidade objetiva, que apenas se elidiria ou se atenuaria naquelas hipóteses, respectiva­mente, DE CULPA TOTAL ou PARCIAL da própria vítima, na concretização do evento danoso” (op. cit. p. 228).

“RESPONSABILIDADE CIVIL ­AÇÃO CONTRA UNIÃO FEDERAL. CULPA PARCIAL DA vítima. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO

A responsabilidade objetiva, insculpida no art. 194 e seu parágrafo da CRFB de 1946, cujo texto foi repetido pelas cartas de 1967 e 1969, arts. 105/107, respectivamente ( … ). INVOCADA PELA RÉ A CULPADA vítima é PROVADO QUE CONTRIBUIU PARA O DANO, AUTO­RIZA SEJA MITIGADO O VALOR DA REPARAÇÃO. Precedentes. Voto Vencido. Recurso não conhecido”. (STF – RE 68.107 – SP – rel. Min. Thompson F1ores­in RTJ – 55/50). (grifos nossos).

“Admitindo o aresto impugnado a concorrência de culpas entre o servidor da União e a vítima, LONGE DE NEGAR VIGENCIA AO ART 194 e seu parágrafo da CRFB então vigente, deu-se-lhe correta exegese, considerando a tese insuscetível, nesse passo, de qualquer reparo” (RTJ – 55/ 52-53).

“Nenhuma duvida ha de que essa responsabilidade do Estado não condiciona a sua culpa ou do agente causador do dano (…). OUTRA QUESTÃO É A DA EXISTÊNCIA DA CULPA DA Vítima, QUE PODE SER EXCLUSIVA OU Não. O acórdão recorrido considerou a culpa da vítima PARA ATENUAR A RESPONSABI­LIDADE DO ESTADO (…) Caracterizada A CULPA PARCIAL DA VÍTIMA, a decisão admitiu a atenua­ção da responsabilidade do Estado. Essa interpretação do preceito constitucional não importou negativa de sua vigência” (STF ­in RT] – 55/53).

Conclusão

A) Considerando a ampliação da responsabilidade objetiva, sob color de risco administrativo (não integral), pelo advento de fenomenologia nova, implicando em leis protetivas do cidadão, merecem referência as Leis seguintes: 1) Presunção de responsabilidade das ferrovias – Lei 2681/ 1912; 2) Responsabilidade objetiva na Lei de Acidente do Trabalho; 3) Leis 5316/ 1967, 82138/1991, 9032/1995 e 159611997; 4) Risco Administrativo, no serviço público e concessões – CRFB – art. 37 § 6°; 5) Seguro obrigatório de trans­portes, com responsabilidade objetiva tarifária (D. Lei 814/1969, Lei 6194/ 1974 com as modificações da Lei 84411 1962); 6) Código de Defesa do Consumidor – Lei 807811990, consolidando responsabilidade objetiva no consumo e serviços; e 7) Código Brasileiro de Aeronáutica – Lei 7565/1986 e 6997/1982.

B) A jurisprudência se encarregou de objetivar a responsabilidade em algumas atividades de determinados serviços.

C) Finalmente, a responsabilidade civil foi ampliada e abanada pelo sopro liberal da CRFB, quanto as cumulações de danos e categorização do dano moral (art. 5°, V e X, 7°, XXVIII etc).

D) Nesse caleidoscópio de relações jurídicas, parece-nos, na linha dos julgados acima referidos, que o Direito Brasileiro, não tendo adotado a teoria do risco integral puro, mas a do risco administrativo deve implicar na admissibilidade da concorrência de culpas, segundo o pensa­mento de ‘Paul Duez (apud Da R.Civil Automobilística de Wilson Melo da Silva, 5a ed. , 1988, Saraiva, Cap. X, p. 224 e La Responsabilité de la puissance publique – Dalloz, Paris, 1927, p. 64), in verbis:

1 ° ) Não existe responsabilidade civil do estado em decorrência da vis maior.

2°) Exoneração TOTAL ou PARCIAL da responsabilidade, estatal, NA ES­PECIE EM DECORRENCIA DA CULPA total ou PARCIAL DA vítima (…)

Caio Mirio (op.cit., nº 218, 219 e 225) ressalta a “convivência da teoria do risco com a da culpa (…) porque aquela não substitui integralmente esta”.

Em verdade, não se deve premiar a vítima que contribuiu para a extensão dos danos, nivelando as negligentes e aquelas que se não conduzem pela cartilha do homo medius.

Por isso, mesmo na responsabilidade objetiva, sustentamos que a culpa concorrente da vítima deva, no mínimo, justificar a redução das verbas reparatórias.

Somente nos casos de culpa levíssima e insignificante da vítima (bagatela) se deve por inteiro, a reparação civil, ao responsável objetivo na teoria do risco.