A Constituição de 1934: 80 anos depois

21 de julho de 2014

Professora Associada de Direito Constitucional e Administrativo da UNIRIO Procuradora Federal – PRF 2ª Região

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Rosalina-Correa1. Apresentação
Este texto, comemorativo dos Oitenta Anos da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934, é parte dos estudos que estamos desenvolvendo sobre as nossas Constituições no contexto político do estado brasileiro. O seu objetivo é analisar os fatores que influíram no processo de modernização institucional do Brasil iniciado em 1889-1891, os principais fatores que conduziram àquela Constituição e a perenidade dos institutos inaugurados naquele período. Assim, abordaremos o contexto do seu surgimento e vigência e a sua atualidade para o estado democrático de direito da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.

2. A Nova Ordem Constitucional Republicana de 1934
A Constituição de 1934, que agora completa oitenta anos, é a única Constituição brasileira que evoluiu de uma revolução – a Revolução de 1930 – que pôs fim à Velha República e, consequentemente, à Constituição de 1891. Ela não propriamente desprezou os ideais republicanos, mas procurou compatibilizar as expectativas da nova realidade político-social da época com a necessária renovação institucional. Nesse propósito, traduziu a definitiva ruptura com o sistema unitário e centralizado de estado que predominou no período constitucional anterior à Proclamação da República e o de dominação oligárquica que sobressaiu na Velha República.

A Revolução de 1930 foi o principal movimento político que tornou possível apressar o fim da Velha República, sujeitando a legalidade anterior à nova legitimidade revolucionária. No bojo de sua vitória, formaram-se alianças para combater a ditadura e o Governo Provisório, que culminaram com o movimento constitucionalista paulista de 1932, que exigia do governo revolucionário nova Constituição. Antes, porém, pelo Decreto no 21.067, de 1932, o governo de Getúlio Vargas editou o Código Eleitoral, criou a Justiça Eleitoral, instituiu o voto proporcional e suspendeu o voto distrital de 1891, base do domínio oligárquico. A nova legislação eleitoral pós-revolução também instituiu o voto feminino, pretendeu dar segurança ao sigilo do sufrágio e confiou a apuração dos votos, o reconhecimento e a proclamação dos eleitos à Justiça Eleitoral. Foi na vigência desse novo marco eleitoral que se elegeu a representação popular e profissional da Constituinte Republicana de 1934, instalada em 1933, posteriormente transportada para o texto constitucional de 1934 e para a nova Lei Eleitoral no 48, de 1935.

Somado a esses fatores de ordem interna, é importante considerar que a origem da Constituição de 1934 foi marcada pela ascensão dos movimentos internacionais sociais-democratas que tiveram como referencial as revoluções sociais que sucederam à Primeira Guerra Mundial, externados, principalmente, na Declaração de Direitos da Revolução Russa de 1917, na Constituição Mexicana de 1917, na Constituição de Weimar de 1919 e no movimento fascista de 1920 que avançou como um sindicalismo corporativista na Itália. Ademais, a partir de 1929, instalou-se a crise econômica, principalmente nos Estados Unidos da América, dando início às políticas do Welfare State consagradas no New Deal, impregnadas pelo liberalismo social que àquela época já se confrontava com os ideais sociais democratas da fase anterior com repercussões de cunho mais radical, como o ascendente bolchevismo soviético e o fascismo ítalo-germânico. Contudo, o liberalismo do New Deal não conseguiu impedir o fortalecimento dos movimentos europeus de natureza corporativista, como a ascensão do nazismo alemão. Esses movimentos exerceram influência no Brasil, principalmente sobre as forças que se articularam para retirar do poder os grupos oligárquicos que viabilizaram as políticas dos governadores, que revezavam o exercício do poder central entre os estados de São Paulo e Minas Gerais.

Apesar de tantos percalços, a Constituição de 1934, ao lado dos direitos individuais, privilegiou os direitos sociais e abriu espaço para a introdução de matérias como ordem econômica, proteção da família e justiça social. Vinculado ao Poder Executivo, criou a Justiça do Trabalho para dirimir questões originárias de conflitos trabalhistas individuais e dissídios coletivos entre empregados e empregadores, traçou as linhas gerais de divisão entre o trabalho urbano e o rural, previu a regulamentação das profissões e a composição do salário, o reconhecimento das convenções coletivas de trabalho, dos sindicatos e associações profissionais e os princípios de seguridade do trabalhador, proibiu a discriminação por idade, sexo, cor, nacionalidade e estado civil. Também vinculados ao Poder Executivo criou os Juízes de Paz eletivos e os temporários não togados, o Tribunal Marítimo e, ainda, durante a sua vigência, em 1936, por força da Lei no 244, acresceu entre os órgãos da Justiça Militar o Tribunal de Segurança Nacional, para funcionar quando declarado o estado de guerra. Esse tribunal foi efetivamente instituído e serviu no processo de repressão ideológica tanto de esquerda (comunistas em 1935) como de direita (integralistas rebelados em 1938). Embora extinto em 1945, a Lei de Segurança Nacional de 1935 foi mantida e, mais adiante, marcou profundamente o período constitu­cional que sucedeu o ano de 1964.

Cumprindo a sua promessa modernizadora, criou o tão aguardado mandado de segurança, que absorveu o espaço de alcance jurisprudencial atribuído anteriormente ao habeas corpus, sem as restrições impostas pela Reforma Constitucional de 1926 que pôs fim a reconhecida “doutrina brasileira do habeas corpus”. Também aperfeiçoou o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade das leis deixando expressa a supremacia do Poder Judiciário a partir da introdução, em seu texto, dos pressupostos da ação direta de inconstitucionalidade, formalizada em 1965, pela Emenda Constitucional no 16. A supremacia do Poder Judiciário no Brasil era tema decisivo para a implantação da República, sua base legal era o Decreto no 848/1890, que reformou o Poder Judiciário e revogou a legislação vigente no Império. Os documentos jurídicos elaborados entre o fim do Império e início da República demonstram claramente a contribuição de Ruy Barbosa na consolidação da supremacia do Poder Judiciário.

Efetivamente, a Constituição brasileira de 1934 realizou o seu propósito de reorganizar e modernizar o estado brasileiro.  Mas a pressão ideológica internacional, como a ascensão dos movimentos autoritários de 1929 em Portugal e 1936 na Espanha, e a ebulição social brasileira, como o crescimento da Ação Integralista nos anos 1930, abriram margem para o crescimento dos movimentos populares com a ascensão da Aliança Nacional Libertadora, coordenada pelo Partido Comunista do Brasil. Nesse contexto, em 10 de novembro foi outorgada a Constituição de 1937 e implantado o Estado Novo, que sufocou as conquistas da Constituição de 1934 e, no movimento para a centralização do poder, aprofundou a força do Poder Executivo por meio da criação de instrumentos jurídicos excepcionais, concorrendo decisivamente para os retrocessos democráticos e republicanos vividos pelo estado brasileiro por longo período. Não obstante a experiência de redemocratização ensaiada pela Constituição de 1946, os retrocessos democráticos somente foram desmontados pela Constituição de 5 de outubro de 1988, que originariamente introduziu mecanismos de limitação do poder de ação do Poder Executivo sobre os princípios democráticos e republicanos e sobre os direitos fundamentais e suas e garantias.

Finalmente podemos afirmar que a Constituição de 1934 foi uma referência no processo brasileiro de modernização institucional e permitiu, inclusive, superar os entraves políticos oligárquicos da Velha República. Todavia, ao institucionalizar no mesmo texto ideias políticas conflitantes entre si, como os princípios herdados do liberalismo com as expectativas corporativistas que aquela época se impunha, além da falta de clareza quanto às atribuições de cada um dos poderes, a criação inédita do poder coordenação atribuído ao Senado Federal que, na época, muito fazia recordar o modelo centralizador imperial representado pelo Poder Moderador, expôs sua fragilidade, principalmente em relação à força ditatorial que se apontava como forma de enfrentar as alianças comunistas responsáveis pelo surgimento da Intentona de 1935.

3. Conclusão
Não obstante os movimentos que fizeram surgir a Cons­tituição de 1934, assim como os que a sucederam, de ordem internacional e nacional, é possível admitir que, em seu curto período de vigência, o estado brasileiro e suas instituições conheceram grandes avanços em relação à modernização, ao desenvolvimento econômico e aos direitos de cidadania, pois ela teve a força de suspender a ordem revolucionária, visto que se originou de uma Assembleia Constituinte. Suas conquistas são comparáveis no tempo apenas aos avanços da Constituição de 1988. Contudo as resistências ao seu modelo foram profundas, como o fortalecimento das oligarquias republicanas, os movimentos de reivindicação operária e socialistas e o avanço dos movimentos nacionalistas radicais de modelo fascista, que acabaram por inviabilizar o seu êxito e, consequentemente, sustentar a imposição da Constituição outorgada de 1937.