Controle concentrado e difuso

11 de setembro de 2014

Membro do Conselho Editorial, advogado, ministro aposentado, ex-presidente do STF e do TSE

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Carlos-vellosoprescrição e efeitos da decisão

As ações do controle concentrado têm cunho objetivo. É dizer: não visam a proteger direitos subjetivos. Protegem, sim, a ordem jurídica. Por isso, o seu objeto é a própria lei.

Não estão sujeitas a prazo prescricional, considerando que visam a eliminar ato normativo inconstitucional, certo que a inconstitucionalidade não se corrige com o tempo, sabendo que a regra é a nulidade do ato inconstitucional. Este, o ato inconstitucional, persiste, tempo afora, sem solução de continuidade, poluindo a ordem jurídica.

Segundo Kelsen, o ato inconstitucional não é nulo, mas anulável. Essa é a doutrina dos Tribunais Constitucionais europeus. Seria ela excludente da inexistência da prescrição? A resposta é negativa. É que, nulo ou anulável o ato inconstitucional, não seria possível persistir, na ordem jurídica, ato com essa marca, com tal conteúdo. Porque anulável o ato inconstitucional (Kelsen), e não nulo (Marshall), a decisão que, no controle in abstrato, declara a inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes, na linha da doutrina kelseniana, tem efeito ex nunc e não ex tunc.

Essa doutrina incorporou-se ao direito positivo brasileiro. A Lei no 9.868/1999 (ADI e ADC) e a Lei no 9.882/1999 (ADPF), artigos 27 e 11, respectivamente, autorizam o efeito pró-futuro. É dizer, não há falar, ortodoxamente, que o ato inconstitucional é nulo e anulado.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no controle concentrado, pela inconstitucionalidade de medida provisória convertida em lei, que não seguiu corretamente o processo legislativo. Ciente, depois, que situações desse tipo constituíam um sem número de casos, emprestou efeito ex nunc à decisão.1

A verdade é que não há falar, conforme acima mencionamos, em termos ortodoxos, que o ato inconstitucional é nulo. Não. A lei inconstitucional cria direitos, obrigações e situações praticamente impossíveis, dada a sua natureza, de serem desconstituídos. A natureza das coisas a tudo governa. E os princípios da boa-fé e da segurança jurídica impõem-se, em Estado de Direito, que sejam respeitados.

O controle difuso segue o processo subjetivo. Uma pretensão ou um direito subjetivo é sempre objeto da ação. Por isso, as ações do controle difuso podem estar sujeitas a prazos de prescrição ou de decadência. É que os efeitos dessas ações são inter partes. Influem, no ponto, entretanto, vale novamente invocar, princípios, como o da boa-fé e o da segurança jurídica. E se a declaração de inconstitucionalidade é proferida, pode o juiz ou o tribunal adotar o efeito ex nunc, em obséquio aos citados princípios. A jurisprudência, no particular, não tem sabor de novidade. Há, inclusive, tendência no sentido de emprestar-se, a questões do controle difuso, o caráter objetivo, conferindo-se efeito ex nunc à decisão. Por exemplo, o caso do número de vereadores. O Supremo decidiu pela inconstitucionalidade da norma que fixava o número de vereadores de certo município, que não obedecia a proporcionalidade inscrita na Constituição, mandando, entretanto, que fossem respeitados os mandatos existentes. Deu-se, portanto, efeito ex nunc à decisão. Na ocasião, ressaltou o ministro Gilmar Mendes “que o sistema difuso ou incidental mais tradicional do mundo passou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e, em casos determinados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucionalidade com efeito exclusivamente pro futuro”. Convém lembrar que, em seguida ao julgamento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) emprestou eficácia erga omnes à decisão, mandando aplicá-la às eleições futuras.

Valeria, no ponto, pesquisa na jurisprudência do STF, considerando que são várias as decisões, proferidas no controle difuso, nas quais se conferiu efeito pró-futuro.

Em síntese: não há falar em prescrição das ações do controle concentrado – ADI, ADC e ADPF. No controle difuso, poderá ocorrer a decadência, se prevista em lei. E também a prescrição, em obséquio aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica. Não há cogitar, em termos ortodoxos, que o ato inconstitucional é nulo. Em certos casos, é necessário emprestarem-se efeitos pró-futuro, tanto no controle concentrado quanto no difuso, à decisão de inconstitucionalidade.

Notas ______________________________________________________________________

1 ADI no 4.029-DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 27/6/2012.
2 RE no 197.917-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 07/05/2004.