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Controle jurisdicional dos atos da administração militar

24 de janeiro de 2018

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Ab initio, deve ser consignado que o regime jurídico das Forças Armadas em tempo de guerra é diverso daquele que foi concebido para o seu regular funcionamento em tempo de paz.

Do mesmo modo, existem atos administrativos que são típicos da vida militar, ou seja, marcados pelos pilares da hierarquia e da disciplina, enquanto que outros são praticados nas rotinas das repartições militares, mas que não diferem ontologicamente dos que são praticados no meio civil.

Aliás, o próprio direito civil foi concebido em contraposição ao direito eclesiástico. O civil e o militar não são conceitos antagônicos. Tanto é verdade que a Constituição, que é uma Carta Política Civil, também disciplina as questões militares, mas nada, ou quase nada, disciplina especificamente sobre a vida eclesiástica.

Basta que se observe que a vida do militar sob o ponto de vista do direito de propriedade, do direito de família, das relações contratuais, enfim, da sua relação com sociedade civil em geral, sofre o regramento das leis civis.

Contudo, as Forças Armadas são instituições ­nacionais e permanentes, com regramento constitucional específico, cujos pilares fundamentais são a hierarquia e a disciplina.

De outro lado, os julgamentos do Poder Judiciário emanam da soberania política e é imanente e estrutural do Estado, devendo ser regido por princípios rígidos como: INVESTIDURA (ver requisitos para ingresso na magistratura), INDEPENDÊNCIA (exer­cida por um Poder do Estado), IMPARCIALIDADE (sem os chamados vícios de capacidade subjetiva do juiz) e COMPETÊNCIA (segundo as regras constitucionais e legais de cada área de atuação), sendo tais princípios assegurados pelas denominadas garantias da magistratura (independência funcional, vitaliciedade e ­irredutibilidade de vencimentos), além de outras prerrogativas constitucionais e legais.

O grande desafio do nosso estudo consiste justamente em compatibilizar duas instituições nacionais fundamentais para a própria existência do Estado, cujos princípios de funcionamento nem sempre são coincidentes: OBEDIÊNCIA (FFAA) x INDEPENDÊNCIA (PODER JUDICIÁRIO).

A necessidade do controle
O controle dos atos da administração militar decorre da própria natureza das funções políticas do Poder Judiciário em relação aos atos administrativos do Executivo.

A noção de controle jurisdicional dos atos da administração militar remonta à concepção de Estado baseado na tripartição dos poderes idealizada por Montesquieu, cuja teoria inspirou o artigo 2º da Constituição Federal, o qual estabelece o seguinte: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

O grande desafio que se coloca no mundo ocidental moderno é justamente, em termos de controle dos atos da administração pública, militar ou não, o modo pelo qual o controle jurisdicional é exercitado, evitando-se a criação de vários ramos dentro do próprio ­Poder Judiciário, bem como a importância do tema sobre a prática dos atos discricionários.

Ninguém questiona a validade do sistema de controles em uma democracia, sejam eles internos ou externos, mas sim a sua legitimidade em termos de fundamentos constitucionais e legais.

Vale ressaltar que, no Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, ministrado no âmbito da Escola Superior de Guerra, os enfoques recaem sobre as denominadas “Expressões do Poder Nacional”, no qual essas questões são analisadas, não só sob o aspecto político, como também sob a ótica das próprias ­estruturas de poder em sentido mais amplo, sendo então considerados: 1) Poder Político; 2) Poder Militar, 3) Poder Econômico; 4) Poder da Ciência e da Tecnologia e; 5) Poder da Informação.

As bases jurídicas do sistema de controle
Independentemente da visão que se empresta ao complexo fenômeno do Poder como objeto de estudo científico, no Brasil temos que ter em mente o parágrafo único do artigo 1o do texto da CRFB, segundo o qual: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes, eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição”.

Fazendo-se uma analogia com o uso da técnica processual, sempre que houver afinidade em um ponto comum de fato ou de direito, devem os processos merecer a devida reunião para evitar desperdício de esforços, decisões contraditórias e privilegiar a racionalidade do próprio funcionamento do Judiciário.

Os sistemas de controle
Com efeito, até o ano de 1946, vigorava a ideia de que deveria existir no Brasil a dicotomia ou a dualidade na estruturação da Justiça: Comum (aplicada aos particulares em litígios de natureza privada) e a Justiça Administrativa (aplicada aos litígios de natureza pública envolvendo o Estado), exatamente como previsto atualmente em Portugal, ou seja, um sistema baseado no denominado Contencioso Administrativo, concebido a partir de uma espécie de justiça interna, que era praticada no âmbito das administrações do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, normalmente através das Comissões de Sindicância.

A origem do contencioso militar
Observe-se, ainda, que a evolução histórica, tanto na fase do Império, quanto no início da fase republicana, que o Tribunal Militar foi presidido por Chefes de Estado: no Império, pelo Regente D. João e pelos Imperadores D. Pedro I e D. Pedro II e, na República, pelos presidentes Marechal Deodoro da Fonseca e Marechal Floriano Peixoto. A partir de 1893, por força de Decreto Legislativo, a presidência do recém-criado Supremo Tribunal Militar, denominação que substituiu o Imperial Conselho Supremo Militar e de Justiça, passou a ser exercida por membros da própria Corte, eleitos por seus pares.

Evolução do modelo para a Judicialização
“Jurisdição Única”
Esse modelo do Contencioso Administrativo foi definitivamente modificado justamente com o ­advento da Constituição de 1946, pela qual o Brasil passou adotar o denominado modelo da JURISDIÇÃO ÚNICA (unicidade do Poder Judiciário), embora ­tenha sido sob a égide da Constituição de 1934 que o Superior Tribunal Militar passou a integrar institucionalmente a estrutura do Poder Judiciário, tal como ocorreu em data mais recente na Espanha.

A Justiça Militar é um ramo do Poder Judiciário!
Direito comparado
O modelo de Jurisdição Única tem inspiração nos EUA (Judicial Review) conforme preconiza a Constituição deste país no artigo III, Seção 2 – “The judicial Power shall extend to all Cases, in Law ad Equity, arising under this Constituition.”

O mesmo valendo, como salientado, para a Espanha que, em sua atual Constituição, no artigo 117, item nº 5, estabelece: “El princípio de unidade jurisdiccional es la base de la organizacion e funcionalmento de los Tribunaies. La ley regulará el exercício de La jurisdicion militar em el âmbito estritamente castrense y em los supuestos de estado de sítio, de acuerdo com los principios de La Constituicion”.

Como dito alhures, a partir de 1946, inclusive o atual artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, passou-se ao modelo de Jurisdição Única, também conhecido como o Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

No entanto, a Constituição de 1967, complementada pela Emenda nº 01 de 1969, estabeleceu o princípio do Prévio Exaurimento das Vias Administrativas para ingresso no Judiciário, no seu artigo 153, Parágrafo Quarto:

A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se recorra previamente às vias administrativas, desde que não exigida a garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido.” É verdade também que o artigo 181, da CFRB 67/69 estabeleceu uma espécie de imunidade jurisdicional em ­relação aos Atos Institucionais: “Ficam aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de Março de 1964, assim como: ….

Nesse contexto, a recente Constituição da República Portuguesa, ao manter a denominada Justiça Administrativa (Sistema da Dicotomia), tendo como órgão de cúpula o Supremo Tribunal Administrativo, afastando-se do modelo de Jurisdição Única, também por questões de ordem política, ­decidiu pela extinção dos tribunais militares em tempo de paz, senão vejamos:

Art. 213 (Tribunais Militares) Durante a vigência do estado de guerra serão constituídos tribunais militares com competência para o julgamento de crimes de natureza estritamente militar.

A Constituição da Itália, por seu turno, no artigo 103, estabelece que o Conselho de Estado pode organizar a Justiça Administrativa para julgar os casos contra a Administração Pública. No entanto, consagra os tribunais militares em tempo de guerra. Em tempo de paz a Justiça Militar só julga os crimes militares praticados por integrantes das Forças Armadas.

No Brasil da Constituição de 1988, no artigo 124, restou disciplinada a competência da Justiça Militar da União nos seguintes termos: “ À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”

A conclusão até aqui é firme: As Justiças Militares do mundo ocidental julgam crimes militares. Como se pode verificar, os países que adotam o modelo de Jurisdição Única contam com tribunais militares integrados em suas estruturas judiciárias, como é o caso do Brasil, da Espanha e dos EUA, enquanto que a Itália e Portugal optaram por um regime de restrição ou de extinção da própria Justiça Militar, sendo este o caso específico de Portugal.

Vale repisar que o Brasil no passado conviveu com o Contencioso Administrativo, passando a Justiça Militar ao arcabouço constitucional do Poder Judiciário a partir da Constituição de 1934, antecipando-se ao modelo de Jurisdição Única adotado na Carta de 1946.

Os denominados Tribunais de Contas (Órgão Auxiliar do Poder Legislativo), o Tribunal Marítimo Administrativo (Órgão Auxiliar do Poder Judiciário conforme ato de criação) e o Tribunal de Justiça Desportiva (Tribunal Administrativo) são estruturas que remontam ao próprio período do Contencioso Administrativo no Brasil, que ficaram de fora do Poder Judiciário e suas decisões estão sujeitas ao crivo deste Poder.

A organização judiciária militar
A própria Justiça Militar manteve a sua concepção baseada no Contencioso Administrativo, sendo que o seu modelo de organização judiciária é constituído de Auditorias Militares, cujas áreas de competência são reconhecidas pela expressão “Circunscrições Judiciárias Militares”, nas quais funcionam os Conselhos de Julgamento, com a manutenção do Sistema do Escabinado Imperfeito, os quais são presididos por um juiz militar leigo, um togado como relator e mais 03 juízes leigos militares.

O modelo mais próximo do escabinado militar no Brasil é o Tribunal do Júri, no entanto, o julgamento neste tribunal é presidido por um juiz togado e os 07 jurados julgam de acordo com a íntima convicção os crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, não sendo os juízes leigos (jurados) obrigados a julgar conforme o Direito (Livre Dicção), com limite apenas na prova dos autos, sendo considerados ­NULOS os julgamentos proferidos MANIFESTAMENTE CONTRÁRIOS À PROVA DOS AUTOS, não sendo este um bom exemplo a ser seguido pelos Tribunais Militares, considerando que a vida militar deve ser regida por julgamentos jurídicos, sem as paixões dos julgamentos populares.

Ampliação da competência da Justiça Militar
Em recente alteração legislativa, tendo em vista o envolvimento maior das FFAA nas operações de garantia da lei e da ordem pública, a competência da Justiça Militar passou a abranger, em princípio, os crimes dolosos contra a vida, razão pela qual vislumbra-se o questionamento de que o órgão julgador colegiado, no caso, uma auditoria militar, seja presidido por um juiz leigo envolvendo causas com vítimas e acusados civis, talvez sem a preocupação com a atual estrutura da Justiça Militar e sua compatibilidade com o aumento de demanda, tanto em termos quantitativos, quando em termos subjetivos (acusados civis).

No caso de crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares em operações militares amparadas por lei, serão de competência da JM (Lei 13.491 de 2017), conforme alteração do parágrafo único do art. 9º do CPM.

Por outro lado, a Constituição de 1988 conferiu também à Justiça Federal a competência para julgamento dos crimes contra a segurança nacional, os quais anteriormente eram julgados pela Justiça Militar.

Muito se discute hoje sobre a conveniência de se transferir para a Justiça Castrense o julgamento das questões cíveis de natureza militar, como é o caso das pensões militares, ilícitos civis, acidentes sem vítimas com viaturas militares, licitações em geral, ações de improbidade administrativa, mandados de segurança, infrações disciplinares, licenciamentos do Serviço Ativo por invalidez ou por tempo de serviço, enfim, uma série de matérias que impactam a vida castrense que não constituem crimes militares.

No entanto, o primeiro óbice que surge nessa questão decorre do fato de que os Juízes auditores são juízes com investidura constitucional exclusivamente criminal e, portanto, os mesmos não têm atuação na área cível, ou seja, não possuem competência para tais julgamentos.

A investidura exclusivamente criminal militar dos auditores impede o aproveitamento dos mesmos na seara cível. Trata-se de matéria constitucional relativa ao exercício estrito de uma competência que emana da soberania política do Estado. Penso não ser de boa técnica jurídica realizar adaptações nessa área sensível da cidadania. O exercício da jurisdição pressupõe investidura que repercute na resolução de conflitos que envolvem a liberdade, a vida e o patrimônio das pessoas. É preciso que exista afinidade de competências entre a investidura e o exercício da jurisdição.

Com isso, os juízes federais assumiram a competência para julgamento dos crimes contra a segurança nacional, os quais eram da alçada da Justiça Militar, não sendo o caso, por exemplo, de um juiz do trabalho exercer a competência criminal militar.

Sabe-se que já houve forte reação por parte do STF quanto ao julgamento de civis no âmbito da Justiça Militar, tendo em vista a natureza castrense dos julgamentos desta, tendo sido apresentada até mesmo uma proposta pelo STM no sentido de que os civis devessem ser julgados monocraticamente pelo juiz auditor quando do cometimento de crime militar. A proposta foi bem aceita pelo STF.

Na verdade, embora a Justiça Federal não faça parte da Justiça Militar, o certo é que o processo e julgamento de inúmeras questões da vida castrense, como observado, estão sujeitos ao julgamento pela Justiça Federal Comum, existindo uma inegável afinidade orgânico-institucional entre esses ramos do Poder Judiciário.

Com efeito, a prevalecer a tese da fixação da competência cível da Justiça Militar, estaríamos provavelmente diante de exemplo único no mundo em que a Justiça Militar julgaria questões de natureza cível, ainda mais porque os casos seriam resolvidos por órgãos escabinados, constituídos por juízes leigos, portanto, um julgamento pelo sistema da íntima convicção, não de Direito que segue o princípio da Livre Dicção (liberdade segundo os princípios e normas jurídicas), sendo importante ressaltar nesse ponto que o ideal seria que a presidência do escabinado militar fosse exercida por um Juiz Federal, cuja competêncial ­decorre da Constituição para julgar crimes envolvendo vítimas civis.

A presença de um Juiz Federal no âmbito da Justiça Militar, portanto, seria um importante passo para se consolidar o julgamento de questões da vida castrense, eis que, desde a implantação da Justiça Militar no Brasil, houve uma clara migração do sistema do Contencioso Administrativo para o sistema de Jurisdição Única, sendo este refluxo indesejável sob o ponto de vista evolutivo.

Diz-se que todo país que conviveu com o Contencioso Administrativo em sua história, como é o caso do Brasil, de vez em quando, deve voltar para o divã, até mesmo pelo sentimento saudosista que é inerente ao ser humano.

A Justiça Militar e o Conselho Nacional de Justiça
De outro prisma, o número reduzido de juízes auditores, a ausência da Justiça Federal no âmbito da Justiça Militar para as causas cíveis e militares, talvez tenha contribuído na decisão de não se contemplar um representante da Justiça Militar no CNJ, situação que não se pode deixar de considerar como anômala, a despeito deficitário grau de representatividade da Justiça Militar naquele Órgão de Controle do Judiciário, mesmo se o membro da Justiça Militar fosse escolhido dentre os auditores e ministros civis, já que o julgamento de juízes leigos militares por uma atividade inerente à vida militar em um tribunal civil não me parece adequada, tendo em vista que a característica do CNJ é a de processar e julgar questões inerentes à Justiça Comum, cível e criminal, como um todo, sem o caráter militar que influencia o julgamento castrense.

Os ministros da Justiça Militar
Uma questão que merece destaque: nos termos dos arts. 122 e seguintes da Constituição, o STM é constituído por 15 ministros, dos quais 05 são togados, civis, mas a proporção do denominado QUINTO CONSTITUCIONAL não é observada ao excluir-se da contagem os membros do Ministério Público Militar dessa seara, tal como previsto para todos os demais segmentos do Poder Judiciário.

Talvez, o termo “escolha paritária” estabelecido no inciso II, do dispositivo constitucional acima mencionado, idealizado em plena época da representação classista, devesse merecer o necessário reposicionamento para as vagas de advogados e membros do Ministério Público Militar, eis que a paridade deve existir entre advogados e procuradores e não entre juízes e procuradores.

A Lei no 8.457, de 04 de setembro de 1992 (Lei de Organização Judiciária Militar) disciplina, a nível infraconstitucional, a questão das duas vagas (uma para o Juiz Auditor e outra para o Ministério Público Militar).

O sistema brasileiro do QUINTO CONSTITUCIONAL é composto por advogados e membros do Ministério Público; portanto, as 03 vagas atualmente destinadas exclusivamente aos advogados, na verdade, poderiam merecer redistribuição, incluindo-se nessa cota os membros do MPM, em sistema de rodízio com os advogados, modelo que também se observa no Superior Tribunal de Justiça (art. 104, inciso II, da CF/88 – “UM TERÇO, EM PARTES IGUAIS, DENTRE ADVOGADOS E MEMBROS DO MINISTÉRIO ­PÚBLICO, …., alternadamente…”) e no Tribunal Superior do Trabalho (art. 111-A, inciso I: “um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho, com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no artigo 94.”

Tal sistemática constitucional proporcionaria ao MPM uma participação maior no Colegiado ­Castrense Superior, o mesmo podendo-se afirmar com relação ao Juízes Auditores, eis que estes também seriam contemplados com mais uma vaga, pois as duas vagas atualmente destinadas ao juiz auditor e ao membro do MPM deveriam ser destinadas exclusivamente aos juízes auditores ou, quem sabe, compartilhada pelo juiz auditor com um juiz federal.

A composição dos Conselhos de Justiça Militar
Os Conselhos de Julgamento em 1a Instância, por sua vez, poderiam ser integrados por um juiz presidente e um juiz relator e 03 Juízes Leigos Militares, com o mesmo poder de voto dos togados, situação que transformaria a primeira instância da JMF em um escabinado quase perfeito.

Deve ser observado que essa proporção de 01 juiz togado para 04 juízes leigos militares não se estende ao STM, sendo que este é constituído por 05 civis ­togados que, pelo sistema de rodízio entre todos os seus membros, proporciona a presidência daquele órgão superior de justiça também a um ministro civil, sem qualquer prejuízo para a formatação castrense do julgamento, ou seja, no STM a proporção é de 1/3 de civis, enquanto que na 1a  Instância a proporção é de 1/5, sem o exercício da presidência, embora existam estudos no sentido de que a presidência dos Conselhos deva ser atribuída ao juiz auditor, portanto, devendo tal questão merecer aprofundamento.

Entende-se, portanto, que o futuro da Justiça Militar, conforme vem ocorrendo no mundo ocidental, seria o aumento paulatino de sua “judiciarização” ou “judicialização” com o correspondente afastamento do modelo do Contencioso Administrativo, dicotômico ou dualístico, o que levou ao enfraquecimento da Justiça Militar, este importante seguimento do Poder Judiciário, o que pode ser alcançado com o maior entrelaçamento da Justiça Militar com a Justiça Federal.

Em relação ao papel da Justiça Federal para o aperfeiçoamento das instituições militares, entende-se que essa questão tornou-se uma realidade, portanto, o ­futuro da Justiça Militar e do aperfeiçoamento do Controle Jurisdicional dos Atos da Administração Militar converge para uma participação maior da Justiça Federal no processo e julgamento dos crimes militares.

Os atos discricionários da Administração Militar
A questão da discricionariedade dos atos administrativos, inclusive os que são emanados da Administração Militar, vem evoluindo no sentido de que os mesmos devem ser cada vez mais jurisdicizados, ou seja, cada vez mais apreciados à luz do Direito Constitucional, sendo a CONVENIÊNCIA (termo que pode ser questionado até mesmo por ensejar um conceito jurídico indeterminado) e a OPORTUNIDADE (não podendo ser confundido com o oportunismo), institutos que carecem de evolução científica e jurídica.

Portanto, o ato discricionário sofre os balizamentos estabelecidos pelos direitos e garantias fundamentais, inclusive no que se refere aos motivos (conveniência e oportunidade) sendo o controle valorizado pela força normativa dos princípios constitucionais, tais como a moralidade, a proporcionalidade, a impessoalidade e a razoabilidade.

A alegação de que o conhecimento do mérito da decisão administrativa discricionária pelo Judiciário viola o princípio da separação dos poderes não prospera. O mérito do ato administrativo pode ser retratado como um juízo de conveniência e oportunidade efetuado pelo agente público a quem se conferiu poder discricionário, mas no estrito atendimento do interesse público. Não obstante a intervenção judicial em atos administrativos deve ser restrita, é cabível ao Poder Judiciário interferir em atos de qualquer natureza, à luz do princípio da inafastabilidade da jurisdição positivado no artigo 5o, inciso XXXV, da Constituição da República.

O controle jurisdicional do ato administrativo, seja ele vinculado ou discricionário, ultrapassa o exame dos aspectos extrínsecos, adentrando na decisão administrativa para a análise da observância dos critérios de impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência.

Assim, em uma visão contemporânea do Direito Administrativo, é possível em análise casuística, através da hermenêutica sistemática dos princípios que regem à Administração Pública, a análise jurisdicional do mérito administrativo, de modo a assegurar que o poder público não seja exercido de forma arbitrária e a margem da Constituição.

A Teoria dos Motivos Determinantes que muito colaborou para o aperfeiçoamento do controle dos atos administrativos, atualmente encontra-se no caminho da jurisdicização (tornar ato administrativo discricionário cada vez mais jurídico), existindo correntes, ainda minoritárias na Europa, no sentido de que os atos discricionários deveriam ser erradicados do Direito Administrativo moderno.

Em conclusão, o escopo do presente consiste justamente no fortalecimento da Justiça Militar, sempre no intuito de aprimorar este importante ramo do Poder Judiciário, cujos serviços prestados ao Brasil são inestimáveis.

“Numa época de ignorância, não existem dúvidas, mesmo quando se fazem os maiores males; numa época de luzes, treme-se ainda quando se fazem os maiores bens. Sentem-se os antigos abusos, vê-se a sua correção, mas vêm-se também os abusos da própria correção. Deixa-se o mal, quando se teme o pior; deixa-se o bom, quando se está em dúvida sobre o melhor. Só se olham as partes para julgar o todo em conjunto.” (Charles Louis de Secondat – Barão de Montesquieu – O Príncipe).