Corregedoria lança projeto contra sub-registro _ Entrevista com o Desembargador Roberto Wider

16 de julho de 2012

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Erradicar o subrregistro no Rio de Janeiro. Com esse objetivo, o Corregedor-Geral de Justiça deste Estado, Desembargador Roberto Wider, deu início ao projeto Com Certidão Sou Cidadão. A iniciativa foi inaugurada, com o apoio do Governo do Estado, no último dia 6 de agosto, no Fórum de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, e, em breve, será estendida a outros municípios da região. A principal característica do programa está em sua permanência. “Intrinsecamente trata-se de um projeto já implementado e deflagrado pela Corregedoria e que veio para ficar. Então, não é um projeto deste Corregedor, mas da Corregedoria, a ser implantado de maneira que permaneça”, explicou o Magistrado, evitando utilizar o termo campanha, justamente por presumir a existência de temporalidade. Wider afirmou à Revista Justiça & Cidadania que começou a pensar no problema após ler uma reportagem sobre iniciativa semelhante que é desenvolvida em São Paulo. “Então, esse conhecimento me adveio, primeiro, como cidadão atento aos fatos que ocorrem a nossa volta”, disse o Magistrado. De acordo com ele, o número de crianças recém-nascidas no Estado que não são registradas chega atualmente a 10 mil, mas a quantidade de pessoas sem certidão é bem maior, se levarmos em consideração os adultos que não foram registrados ou perderam o documento. O projeto criado pelo Desembargador contempla ações para sanar os dois lados desta realidade dramática.

Revista Justiça & Cidadania – Como surgiu a ideia do projeto de erradicação do subrregistro?
Roberto Wider
– Através do meio pelo qual todos tomam conhecimento: a Imprensa. Lembro-me de ter lido há algum tempo uma reportagem sobre o trabalho de Zilda Arns (fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, organismos de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que há muito tempo se dedica à solução desse tipo de problema. São questões sociais que afligem o País e que, vez por outra, vêm à tona. Às vezes não estamos afetos a essas questões e não imaginamos quão dramática é a situação das pessoas que não têm registro. Não é só uma questão de pobreza, é uma questão de alienação da vida social. Não tinha contato com isso até assumir a Corregedoria. Esse é um problema específico dos registros civis de pessoas naturais. Quando comecei a me debruçar sobre esse problema, imaginei essa questão: as pessoas nascem, mas não existem. É algo muito dramático. Tomei conhecimento de escolas primárias que têm aceitado crianças que não têm certidão, mas quando estas chegam ao segundo grau, não podem mais continuar. O mais dramático de tudo, como vimos também em São João de Meriti (no dia do lançamento do projeto), quando a juíza relatou, são os casos de pessoas que, por exemplo, têm doença psiquiátrica ou doenças graves que exigem medicamentos de tarja preta. Se a pessoa não tem registro não poderá receber esse remédio. Então, esse conhecimento me adveio, primeiro, como cidadão atento aos fatos que ocorrem a nossa volta, através desse instrumento que são os veículos de comunicação. Depois, quando assumi a Corregedoria e, então, comecei a questionar e verificar essa questão. Penso que a Corregedoria-Geral de Justiça é o órgão mais adequado para poder juntar as forças que trabalham nesse sentido. Existem diversas iniciativas, todas elas muito elogiáveis, como essa da senhora Zilda Arns e as que o Governo Federal está realizando. Então, há uma série de atividades pontuais, mas que não se interligam.

 

JC – No que o projeto se diferencia?
RW
– Justamente nesse sentido da interligação. Quais são os órgãos encarregados de fornecer o registro? São os cartórios de registro civil de pessoas naturais, que estão submetidos à Corregedoria. E quais são os órgãos do Estado? Dessa maneira, vamos à Secretaria da Educação para resolver o problema das crianças; à Secretaria da Saúde para sanar a questão das maternidades e outras atividades afins; assim como aos órgãos de identificação de registros de pessoas, como o Detran e o Instituto Félix Pacheco. É aí que vejo o diferencial no trabalho da Corregedoria. Juntaremos esses órgãos e organizaremos os trabalhos que eles prestam dentro do núcleo de ação que a Corregedoria organiza, administra e implementa. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 5% da população do Estado do Rio não têm registro hoje. Ou seja, dos 200 mil e tantos nascimentos, 10 mil crianças deixam de ser registradas. Aí está o lado dramático. Isso é hoje. Como não era, então, há 10 ou 20 anos? Esse percentual era muito maior. O que significa que temos muitos adultos sem a certidão. Não é só o problema da criança que está nascendo hoje. Esse talvez seja o mais fácil, pois vamos instalar, junto às maternidades, postos de atendimento. Há locais, inclusive, que contam com um. O objetivo é agregar esses esforços, essas iniciativas já realizadas e as pessoas com boa vontade em relação a esse problema, inclusive para que os juízes que têm competência de fazer esses registros, e que encontrem grande dificuldade, possam realizar esse trabalho.

JC – O senhor pretende criar um cadastro? 
RW – Tem que haver um cadastro para controle, se não poderão ocorrer fraudes. Esse cadastro será formado por todos os documentos que pudermos conseguir; desde a tal declaração de nascimento com vida, que é o primeiro documento que surge na vida de uma pessoa, até os outros documentos que possam ser obtidos junto a esses órgãos. A ideia é que os juízes tenham um procedimento padrão e o apoio efetivo da Corregedoria para que possam julgar (os pedidos de registro tardio) com rapidez.

JC – Essa campanha será permanente?
RW – Exatamente. Por isso nem usaria o nome de campanha. Intrinsecamente trata-se de um projeto já implementado e deflagrado pela Corregedoria, e que veio para ficar. Então, não é um projeto deste Corregedor, mas da Corregedoria a ser implantado de maneira que permaneça agora na minha administração e naquelas que se seguirem, enfim, para a erradicação completa desse problema. Esse é o diferencial de tudo o que já foi feito até hoje.

JC – O projeto foi inaugurado em São João de Meriti. Agora onde será desenvolvido?
RW – Em outubro será em Nova Iguaçu; em novembro, em Duque de Caxias; em dezembro será a vez de Queimados; em janeiro, de Nilópolis; em fevereiro, instalaremos em Belford Roxo. Estamos falando, por enquanto, só da Baixada Fluminense. Vamos partir para todo o Estado.

JC – Qual foi a repercussão do projeto entre os juízes?
RW – Os juízes que já foram contatados estão empolgados. Eles enfrentam muitas dificuldades. É muito difícil para esses magistrados — com as limitações que têm — realizarem o registro. As pessoas que vão lá pedir isso geralmente são pobres, não têm nível de cultura, não sabem fornecer informações nem como proceder. Vão através da Defensoria, mas não fornecem elementos à Instituição. Então, fica muito difícil o julgamento dessas questões em relação aos registros anteriores, ou seja, de pessoas adultas. Em São João de Meriti, demos o registro para uma jovem. Ela não tinha a certidão, nem o filhinho dela. Essa é outra consequência: quem não tem registro não pode registrar, dando prosseguimento a essa situação tão triste e dramática. O que podemos e devemos fazer é difundir isso o máximo que conseguirmos, para justamente trazer toda ajuda possível a essa organização montada na Corregedoria.