Edição

Da anistia política

5 de março de 2004

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Como assinala o Prof. Cretella Júnior, in “Comentários à Constituição 1988”, Tomo III, ed. Forense Universitária, 28 ed., 1997: “Anistiar é apagar, cortar, suprimir algo do mundo e do mundo jurídico. É o óbvio dos romanos. A lex oblivionis era a lei do esquecimento. Pela anistia é votado ao esquecimento o ato criminoso, bem como seus efeitos penais e civis”.

Compete à União Federal conceder anistia, por lei, conforme arts. 21, XVII c/c 48, VIII; quanto à tributária, a competência é concorrente, podendo, nas respectivas esferas, estados e municípios, também, segundo o artigo 150, VI, §6°, todos da CF, fazê-lo.

Como se sabe, mercê da abertura política experimentada pelo nosso País, anterior à vigente CF, foram editadas a lei n° 6683/79 e a EC 26/85, anistiando crimes políticos e conexos, cometidos entre 02/09/1961 e 15/08/1979, nas condições previstas em tal legislação. Foi um grande avanço institucional, o qual se consolidou, definitivamente, com a promulgação da CF/88, cujo art. 8°, do seu ADCT, de forma mais abrangente até, dispôs sobre a matéria, a saber: “É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto legislativo n° 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-lei n° 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos”.

Na interpretação de tais normas, o aspecto relacionado ao seu alcance, veio a ser, após reiterados precedentes, consolidado, ainda recentemente, na Súmula 674, do Supremo Tribunal Federal, que diz: “A anistia prevista no art. 8° do ADCT não alcança os militares expulsos com base em legislação disciplinar ordinária, ainda que em razão de atos praticados por motivação política”.

Outra questão enfrentada pela mesma eg. Corte foi a referente às promoções a que teriam direito os anistiados, fixando-se que seriam “… apenas aquelas a que teriam direito os militares se houvessem permanecido em atividade, e não as sujeitas a critérios subjetivos ou competitivos, como o da avaliação de merecimento ou o do aproveitamento em cursos que não chegaram a concluir (assim, a título exemplificativo, nos RREE 140.626, 141.319, 134686 r 141.367)”(RE 170186-2/DF).

Logo, haveria direito, tão-só, às promoções por antiguidade.

Sobreveio, todavia, a Lei n° 10.559, de 13.11.2002, cujo §3°, do art. 6°, veda, para tanto, “…a exigência de satisfação das condições incompatíveis com a situação pessoal do beneficiário”, aduzindo o il. Consultor da União, Dr. João Francisco Aguiar Drumond, no Parecer AGU/JD -1/2003, aprovado pelo Senhor Presidente da República, publicado no DOU de 23.10.2003, págs. 3 e 4, que “Exemplo dessas condições incompatíveis com a situação pessoal do beneficiário seria a exigência de haver ele participado, com aproveitamento, de cursos específicos, não acessíveis aos que tenham sido atingidos por atos de exceção, a fim de que pudesse ser promovido”. Tal Parecer restou assim ementado: “Militar anistiado -Promoção -Lei n° -10.559, de 13 de novembro de 2002 -Inovação em relação ao art. 8° -do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – Inexigibilidade da satisfação de condições incompatíveis com a situação pessoal do beneficiário”.

Ampliada, em princípio na esfera administrativa, a abrangência da anistia, a qual deve abarcar, ao que se depreende, as promoções subordinadas a critérios subjetivos, ou seja, “por merecimento”. Foi outra importante evolução.

Com pertinência, o Ministro Washington Bolívar, ao relatar a AC 83.735/RJ, perante a 18 Turma do então e eg. TFR, consignou, no item 1 da ementa: ” A anistia é medida de interesse público, editada por generosa inspiração política e jurídica, para assegurar a paz social, apagando da memória do país fatos considerados delituosos, em determinado momento histórico-condicionado. Assim, quer na esfera administrativa, quer na aplicação judiciária, as leis de anistia devem ter a interpretação mais ampla possível, para que suas normas assumam adequação, eficácia e grandeza”(DJ de 28/2/1985).

Estas observações destinam-se, apenas, a rememorar, sucintamente, a evolução de tal matéria, sob o prisma jurídico, sabendo-se de seu significado para a nossa sociedade, na História mais recente do Brasil, que desejamos seja, cada dia, mais fraterno, solidário e generoso.