Edição

Da Rede às Ruas

30 de novembro de 2011

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A era moderna também alcançou os movimentos populares. No último dia 12 de outubro, 28 mil pessoas saíram às ruas, em várias capitais do Brasil, para protestar contra a corrupção. A mobilização fora organizada por meio de sites na internet e redes sociais. Entre as reivindicações, o fim da corrupção, a validade da Lei da Ficha Limpa e a manutenção do poder de investigação pelo Conselho Nacional de Justiça. A participação de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa e o Movimento contra a Corrupção endossou ainda mais o pleito da população por dias melhores nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Em Brasília, com vassouras nas mãos, jovens, adultos, idosos e famílias inteiras caminharam pacificamente do Museu da República até a Praça dos Três Poderes, pedindo mais transparência e ética na política. De acordo com Lucianna Kalil, uma das organizadoras do protesto, muita gente participou de forma espontânea. “Trata-se de um movimento apartidário”, explicou.

A principal bandeira defendida pelos manifestantes foi o fim do voto secreto. Em coro, eles bradaram: “Voto secreto não. Eu quero ver a cara do ladrão”. Em frente ao Congresso Nacional, os populares pararam para cantar o Hino Nacional. Faixas com pedidos de fim do sigilo nas votações e cartazes com fotos da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF), absolvida por votação secreta no processo de cassação, ilustraram o movimento.

O líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR),  comprometeu-se a orientar a bancada a agir de forma a garantir que os projetos que tratem do voto secreto sejam incluídos na pauta. “Houve um acordo há mais de um ano com o governo para que a proposta fosse apreciada e nada aconteceu”, afirmou o parlamentar à imprensa. Dias é autor de um dos três projetos que acabam com o voto secreto. A proposta torna abertas as votações para cassação de mandato parlamentar.

Na marcha, chamou a atenção a inclusão de um novo item à pauta de reivindicações: a manutenção do poder de investigação de magistrados corruptos pelo Conselho Nacional de Justiça. O órgão foi criado durante a reforma do Poder Judiciário, consolidada com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004. Criado justamente para promover o planejamento estratégico e supervisionar a Justiça brasileira, desde então, o CNJ tem feito jus a sua missão de fiscalização. O órgão tem legitimidade para avocar os processos administrativos disciplinares contra juízes em curso nos tribunais aos quais pertencem sempre que registrar demora no julgamento dos casos ou verificar que determinado fato não fora bem apurado. Desde a sua instalação, o Conselho puniu administrativamente 35 juízes, após confirmar o envolvimento deles em irregularidades – 26 foram punidos com a aposentadoria compulsória, cinco com a disponibilidade do cargo e quatro, com a medida de censura.

Essa atuação do Conselho, empreendida por meio da sua Corregedoria Nacional de Justiça, tem gerado descontentamento na magistratura, tanto que a Associação dos Magistrados Brasileiros – entidade que congrega quase 15 mil juízes em todo o País – ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para tentar limitar o poder de investigação do CNJ.

A questão não teria ganhado tanta divulgação se não fosse pela Corregedora Nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon; a magistrada manifestou à imprensa sua indignação com a discussão e destacou a importância da fiscalização para punir o que chamou de “bandidos de toga”. A declaração gerou protestos, inclusive por parte do presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, que chegou a ler nota, em sessão plenária na qual a ministra estava presente, em que repudiava a generalização das afirmações. Diante da repercussão do caso, o STF suspendeu o julgamento da ação da AMB.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, garantiu que os organizadores da Marcha contra a Corrupção e a Impunidade (da qual fizeram parte, além da OAB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa e o Movimento Contra a Corrupção) vão se reunir com os ministros Cezar Peluso e Eliana Calmon. A OAB quer, justamente, explicitar a ambos os líderes da Justiça brasileira o pleito da população defendido na manifestação do dia 12 relativo à manutenção dos poderes do CNJ.

A OAB ingressou como amicus curiae na ação movida pela AMB. De acordo com Cavalcanti, a entidade vai sustentar contra a tese da Associação dos Magistrados. “Para que o CNJ tem de estar forte? Justamente para que tenhamos uma Justiça transparente, que seja a representação da sociedade e daquilo que ela espera: uma Justiça séria e comprometida. Juiz que não tem nenhum tipo de problema ético, juiz que é sério e honesto não teme qualquer tipo de fiscalização e muito menos um CNJ forte. Por isso a Ordem está aqui, para dar apoio a este movimento e termos um CNJ fortalecido”, disse o presidente da OAB, em discurso durante a marcha.

À imprensa, Cavalcanti destacou o valor do CNJ para a sociedade brasileira, justamente por possibilitar transparência ao Poder Judiciário e, sobretudo, correção de desvios éticos de conduta por parte dos magistrados.  “Retirar do CNJ essa competência será muito ruim para a Justiça, pois isso a enfraquecerá e a levará a um tempo de trevas no tocante à fiscalização das corregedorias locais e, sobretudo, de magistrados que não honram a sua investidura”, afirmou.

O presidente da OAB garantiu que a entidade se empenhará também em prol de outra reivindicação da marcha: a aprovação da Lei da Ficha Limpa. Cavalcanti disse que também pretende se reunir com o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, relator da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) que questiona a norma.

“Faremos uma visita ao ministro Fux na qual iremos manifestar a nossa preocupação e solicitar que ele paute logo a Ficha Limpa e marque o julgamento da ação. Haverá eleição no próximo ano. É necessário, então, que haja segurança jurídica, segurança para o eleitor, para o candidato, enfim, para que a sociedade saiba em quem está votando e se aquela pessoa pode concorrer ou não “, afirmou o presidente da Ordem.

Além de Brasília, a Marcha contra a Corrupção e a Impunidade foi realizada em diversas outras cidades, como São Paulo, Recife, Curitiba, Maceió, Salvador, Porto Alegre e Goiânia.

Em São Paulo, a mobilização levou para a Avenida Paulista adeptos de diversas ideologias – maçons de ternos pretos, senhoras de caras pintadas, jovens com a máscara do personagem “V”. A marcha reuniu 2,5 mil pessoas, de acordo com a Polícia Militar. No protesto, o senador José Sarney foi o político mais criticado, gerando bordões de baixo calão.

Em Curitiba, cerca de 500 pessoas participaram dos protestos. Em Porto Alegre, por sua vez, o mau tempo provocou baixa adesão e apenas 50 pessoas saíram às ruas. Em Maceió, a mobilização foi na praia de Pajuçara, e contou com a participação de 120 pessoas.

Em Goiânia, 1.200 pessoas saíram às ruas, a maioria vestida de preto. Já o ato anticorrupção em Salvador foi na orla da cidade, e mobilizou cerca de 600 pessoas.