Edição

De uma constituição provisória para uma constituição exclusiva

30 de junho de 2006

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Volto a tema que, a meu ver, não perde atualidade, neste número da revista dedicada ao eminente jurista Ney Prado, Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia.

Em 1985/86, presidia o Instituto dos Advogados de São Paulo e, naquela época, o Sodalício decidiu defender a tese de uma Constituinte exclusiva. Foi ela albergada, posteriormente, pelo Deputado Flávio Bierrenbach, em seu parecer para elaboração da Emenda Constitucional nº 26/86. Tal postura custou-lhe a relatoria. Os parlamentares não concordaram que houvesse um Congresso Nacional e uma Constituinte paralela de especialistas ou políticos, com  a única função de produzir texto constitucional de interesse da sociedade que, após aprovado, seria desfeita.

Não tendo, a tese, vingado, prevaleceu uma Assembléia de parlamentares constituintes, que, simultaneamente, atuavam como deputados e senadores ordinários, os quais, após quase dois anos de discussão, produziram um texto tão provisório e tão extenso que já sofreu 58 emendas (52, no processo ordinário e 6, no revisional), sobre gerar quase 4.000 ações diretas de inconstitucionalidade. Tudo isto em apenas 18 anos. A Constituição americana de 1787 tem 216 anos e apenas 26 emendas.  A Corte Constitucional alemã, que só cuida de matéria constitucional – é muito mais antiga que a Constituição de 1988- decidiu, desde sua fundação, um número menor de ações em controle concentrado de constitucionalidade que o Supremo decidiu nestes 18 anos de Corte Constitucional brasileira.

O número de emendas já promulgadas, portanto, e os 1600 projetos de emendas que tramitam no Congresso Nacional estão a demonstrar a provisoriedade de nossa Carta Suprema.

Como velho professor de direito constitucional e comentarista da Constituição brasileira, cada vez mais me convenço de que as Constituições analíticas são sempre provisórias.

Os portugueses, sabiamente, criaram um mecanismo quinquenal – às vezes as alterações se fazem um ou dois anos depois – para revisão do que está ou não está dando certo em sua Constituição de 1976. É que, como os espanhóis, em 1978, adotaram uma Constituição não inteiramente analítica. Desta forma, não vivem alterando a Lei Maior, a todo o momento, como ocorre no Brasil, e permitem que haja um teste de eficácia, validando por um período de 5 anos, pelo menos, o novo texto.

Os argentinos, aproveitando os problemas constitucionais criados pela Carta Magna Brasileira, produziram, na década de 90, uma Constituição de 129 artigos e 17 disposições transitórias, não procurando regular, constitucionalmente, tudo o que dissesse respeito à sociedade e ao Estado.

Uma das características da Constituições analíticas, “pormenorizadas”, é que elas não resistem ao tempo, à evolução da humanidade, ao progresso científico e tecnológico e ao desenvolvimento das relações sociais, comunitárias e econômicas.

A Constituição brasileira está a demonstrar a precariedade de seus comandos, hoje com 250 artigos e 94 disposições transitórias! Em 1988, tínhamos 245 artigos de texto ordinário e 70, apenas, de disposições transitórias!

Como se percebe, a Constituição brasileira é uma Constituição provisória, em permanente alteração e com outras alterações projetadas para 2006, o que certamente elevará o número de emendas para quase 60. O pior de tudo isto, entretanto, é que nem todas as emendas fazem com que o texto constitucional atenda às necessidades do povo brasileiro.

Prova inequívoca dessa realidade reside nas propostas de reformas tributária, previdenciária, política, do judiciário e administrativa, previstas para 2006, a demonstrar que, por mais que se mexa na lei suprema, continua sendo provisória e insuficiente.

E, à evidência, uma Constituição hospedeira de toda a espécie de formulações legais – inclusive matérias que melhor ficariam em portarias ou resoluções do Executivo – termina por colocar as relações entre a sociedade e o Estado em permanente litígio.

Estou convencido de que a lentidão do Judiciário deve-se, fundamentalmente, a dois fatores:

a) atuação aética dos Poderes Executivos, que entulham o Poder Judiciário com questões repetitivas, ofertando recursos  meramente protelatórios, apenas para retardar o pagamento de suas obrigações;

b) complexidade do texto constitucional, de 344 artigos, que permite variada interpretação e conflitos permanentes.

Nem mesmo a E.C. nº 45 de reforma do Judiciário equacionou o problema da Justiça.

Parece-me que uma reflexão se faz necessária: apesar do grande avanço no que diz respeito aos direitos individuais, o constituinte criou um Estado maior do que o PIB. Instituiu amarras fortes ao desenvolvimento e à redução do tamanho do Estado. Privilegiou os detentores do poder com fantásticos direitos, na ativa e na inatividade. E prejudicou a sociedade, que não vê como se libertar do peso do estamento oficial. A meu ver, apenas uma nova Constituinte originária e exclusiva, decorrente de um plebiscito, para que seja originária e quebre a camisa de força dos privilégios públicos, poderia reverter este quadro, que a sucessão de emendas não equaciona.

A Constituição provisória do Brasil torna o Brasil também um país provisório, no concerto mundial.

Estou convencido de que a Constituição deveria ter um perfil sintético, com definição de direitos e garantias individuais e políticas, enunciação genérica de direitos de 2a., 3a. e 4a. geração, mecanismos claros de controle do Estado por parte da sociedade e nítida divisão dos poderes, para que uma contaminação “conveniente” e “conivente” não facilitasse soluções pro domo sua dos detentores do poder em detrimento dos direitos do cidadão. Só assim teríamos uma Constituição capaz de permitir o exercício da cidadania e o desenvolvimento social e econômico.