Os profetas do Armagedom

13 de abril de 2017

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José-GeraldoEsopo notabilizou-se na Grécia do século VII a.C. pelas fábulas de cunho moral. Em “O parto da montanha”, em que ridiculariza pessoas que fazem estardalhaço para anunciar coisas miúdas e aumentar a importância de seus atos, uma montanha passa semanas contorcendo-se e os ilhéus logo deduziram que estava em dores de parto. Depois de muito barulho, a montanha explodiu e de dentro dela saiu um rato.

Com a aprovação do PL no 4.302/98 pela Câmara dos Deputados, o presidente Temer promulgou a Lei no 13.429/2017, que altera a Lei no 6.019/74 (que trata do trabalho temporário) e regula a terceirização de empregados. A alegação de que o trabalhador vai perder direitos e que haverá substituição em massa de efetivos por terceirizados é falsa.

O art.1o dessa lei revogou os arts.1o (regulava o trabalho temporário), 2o (permitia a contratação de temporários nos casos de substituição provisória de pessoal regular e acréscimo extraordinário de serviços), 4o (definia empresa de trabalho tempo­rário), 5o (definia empresa tomadora de serviços), 6o (estabelecia requisitos para criação de empresa de trabalho temporário), 9o (validade do contrato temporário), 10 (proibia o vínculo de emprego entre o temporário e a empresa tomadora dos seus serviços), o parágrafo único do art. 11 ( permitia a contratação do empregado temporário pela empresa tomadora ao fim do contrato de trabalho temporário) e o art. 12 (especificava os direitos do trabalhador temporário) da Lei no 6.019/74.

O art. 2o da nova lei manteve a possibilidade de contratação do trabalhador temporário em caso de necessidade de “substituição transitória de pessoal permanente”, mas em vez de falar em “acréscimo extraordinário de serviço”, como estava na Lei no 6.019/74, permite a contratação temporária nos casos de “demanda complementar de serviços”, o que não é a mesma coisa. Demanda complementar de serviços é aquela decorrente de “fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal.” Para os estudiosos, se a empresa tiver um pequeno aumento na demanda de seus produtos poderá contratar temporariamente em vez de celebrar um contrato de tempo indeterminado.

A nova lei proíbe a contratação de temporários para substituição de trabalhadores em caso de greve, o que é bom para o movimento sindical.

Por outro lado, afrouxou o rigor da antiga Lei no 6.019/74 diminuindo o volume do capital social inicial necessário para a constituição das empresas de trabalho temporário. Isso, segundo especialistas, incentivará a criação de empresas sem lastro e repercutirá diretamente na garantia do pagamento dos débitos dos seus empregados, o que não é verdade porque o tomador responde subsidiariamente pelos débitos da contratada. Acabou o calote e isso aumenta a responsabilidade do tomador porque, sabendo que no final a conta pode sobrar no seu bolso, deverá ser mais cuidadoso na hora de terceirizar. A responsabilidade, agora, passa a ser objetiva, isto é, in re ipsa (decorre da coisa mesma).

Pela nova lei, a empresa contratante tem de garantir aos terceirizados as mesmas condições de segurança, higiene e salubridade dos seus trabalhadores diretos quando o trabalho for realizado em suas dependências ou em local por ela designado e deverá estender a eles os mesmos atendimentos médico, ambulatorial e de refeição destinado aos demais.

Continua inexistindo vínculo de emprego entre a empresa tomadora e os terceirizados, salvo se a tomadora contratar o mesmo terceirizado em menos de noventa dias do término do primeiro contrato de trabalho temporário.

A tomadora não pode ocupar o trabalhador temporário em atividade diversa daquela para a qual foi contratado. Ainda que a lei permita a “quarteirização”, isto é, que a empresa terceirizada transfira a execução do serviço que lhe foi delegado pela tomadora para outra empresa, a responsabilidade subsidiária do tomador subsiste.

Em nota, a Associação Nacional de Magistrados do Trabalho pedira ao presidente Michel Temer que vetasse o projeto da Câmara porque acarretaria (1) rebaixamento de salários para milhões de bra­sileiros; (2) precarização das relações laborais; (3) agravamento do desemprego que hoje joga mais de 12 milhões de trabalhadores na vala; (4) aumento da rotatividade nos postos de trabalho; (5) aumento do número de acidentes; e (6) colidência com os compromissos de proteção à cidadania e à dignidade da pessoa humana.

Em 2000, quando criaram o contrato a tempo parcial (Lei no 10.101/2000), disseram que o mundo do trabalho viria abaixo. Não veio, o tal contrato está morto e ninguém se lembra dele.

Quando o TST editou a Súmula 331, sobre terceirização, disseram que o Direito do Trabalho tinha sido engessado e que a Justiça do Trabalho já não tinha razão de ser.

Em 1974, no auge na crise do petróleo, a Lei no 6.019 quis dar emprego a milhões de desocupados. Diziam que a lei iria sucatear o mercado de trabalho. Não sucateou e, para quem estava desempregado, um trabalho de pelo menos três meses veio muito a calhar.

Quando aprovaram a PEC das domésticas, disseram que as empregadas seriam dispensadas e substituídas por diaristas. Nada disso aconteceu e o mercado de trabalho doméstico continua firme e forte.

Os sindicalistas podem fazer greve porque têm seus empregos assegurados por lei. Os juízes podem escrever artigos, publicar livros e ganhar dinheiro com congressos e cursinhos sobre o assunto porque no fim do mês o seu salário está garantido. O que essa gente precisa entender é que não são as leis que desgraçam o mercado de trabalho. Lei nenhuma corta ou gera emprego. O que gera emprego é a economia. Dê forças à economia e nenhuma lei será necessária.

Ética, cidadania e direitos humanos são termos muito bonitinhos quando se está de barriga cheia. Quando se tem fome, quando o sujeito tem dengue e não pode ser atendido porque o plano de saúde foi cortado por falta de pagamento, quando os filhos foram expulsos da escola porque a mensalidade venceu e não foi paga, quando a torneira não tem água porque a conta está pendurada na geladeira ou quando a família está no escuro porque a luz foi cortada, nenhuma dessas palavras presta a coisa alguma.

É claro que a lei poderia ser melhor.

Poderia deixar claro que o empregado terceirizado deve receber salário idêntico ao do colega da empresa tomadora. A responsabilidade poderia ser solidária em vez de subsidiária e isso permitiria que o empregado terceirizado demandasse o prestador e o tomador ao mesmo tempo. Mas todo esse furdunço é açodado e desnecessário.

Algo como se a montanha estivesse em dores de parto.

Mas vai parir um rato.