Desafios do PT: das origens ao governo

5 de junho de 2003

Compartilhe:

“Não há desregramento maior do espírito do que pensar que o que se deseja e o que é.”

Jacques Benigne Bossuet

Noberto Bobbio, o grande pensador italiano, nos lembra que a idéia de “liberdade” sempre esteve mais identificada com as forças políticas ditas de “direita”, enquanto a palavra de ordem “igualdade” ficou mais vinculada ao ideário da chamada “esquerda”.

O PT, um partido político de esquerda, nasceu, todavia, sob a confluência dos signos da liberdade e da igualdade. Não podemos afirmar que isso tenha sido uma novidade na prática política dos esquerdistas. Devemos recordar, por exemplo, que já em 1918, a militante socialista polonesa Rosa Luxemburgo criticava os descaminhos autoritários da Revolução Bolchevique. Dizia ela: “liberdade apenas para os apoiadores do governo, apenas para os membros de um partido – por mais numerosos que possam ser – não é liberdade alguma. Liberdade é sempre e exclusivamente liberdade para aquele que pensa diferentemente”.

A novidade do PT residiu em articular essas consignas -liberdade e Igualdade – com um expressivo movimento social, capaz de viabilizar a realização de seu programa, sob as regras do regime representativo, baseado no pluripartidarismo, no âmbito do Estado Democrático de Direto. Porém, se o PT não tivesse sido capaz de vivenciar em suas instancias essa interação, não teria chegado aonde chegou. Diz, com aceno, o cientista político Umberto Cerroni, que um partido, em suas práticas internas, é o embrião da sociedade que pretende fazer prevalecer.

A eleição de Lula para a Presidência da Republica e expressão dessas origens, de sua rica cultura partidária e do caminho escolhido para a conquista dos meios necessários a implementação de sua plataforma política.

Se, no exercício do governo, o PT desconsiderasse esses elementos, estaria fadado ao fracasso, porque a sua Fonte de legitimação secaria. Em que peso um certo apelo radical, é preciso reafirmar, porém, que o PT nunca se propôs a fazer uma revolução. A trajetória para a consecução de seus objetivos e será a de reformas, nos marcos de nossa Constituição, mesmo porque a mera vontade política de reformar o País, para ampliar a liberdade e reduzir as desigualdades, e, em si, revolucionaria, dada nossa larga tradição de exclusão política e social.

Essa opção é fruto de nossa reflexão sobre a própria história. Ser governo é deter apenas uma parcela de poder. Em razão disso, os objetivos estratégicos podem, por vezes, demandar abordagens flexíveis. Mesmo aqueles que levaram adiante processos revolucionários perceberiam seus limites. Lênin viu-se obrigado a convocar czaristas que derrotara para organizar o Exercito Vermelho e o Banco Central. Trotsky reconheceria que a industria socializada” tinha necessidade dos métodos do cálculo monetário elaborados pelo capitalismo” e que “o jogo da oferta e da procura é – e será por muito tempo ainda – a base material indispensável e o corretivo salvador”.

Para além das referencias ao vetores econômico e ideológico do poder, conforme nos ensina o mesmo Nobeno Bobbio, é preciso considerar que, no sistema de freios e contrapesos, próprio do presidencialismo e da forma federativa de Estado, o poder é compartilhado entre Executivo, Legislativo e Judiciário em distintas esferas político-administrativas. Nessas circunstancias, o sucesso de um programa reformista depende sobremaneira da coesão daqueles que tem a responsabilidade e a autoridade para torná-lo hegemônico, obtendo consenso ou consentimento daqueles que também podem interferir nos destinos de urna comunidade política. Isso não significa anular as diferença. Ao contrário. Habermas nos sugere que o engate do direito e da democracia pressupõe “salvaguardar distancias e diferenças reconhecidas, na base de uma comunhão de convicções”. Uma dessas convicções é a de que a democracia não é simplesmente o governo da maioria, mas aquele que, fazendo valer a vontade da maioria, permite a minoria convolar-se em maioria, por meios pacíficos. Isso requer nitidez na identidade dos blocos que disputam, democraticamente, o mando de campo. Para que isso ocorra é preciso que os partidos sejam fones e que a fidelidade partidária seja vista com naturalidade. Não podemos nos esquecer que a união entre social-democratas e democratas-cristãos, para a formação da “Grande Coalizão”, na Alemanha, entre 1966 e 1969, esmaeceu a oposição institucional e formou o caldo de cultura em que floresceu o terrorismo inconseqüente da esquerda anti-parlamentar.

É a convicção de que o PT permanece vivo como espaço democrático da palavra igualitária e libertária, Único meio legitimo, não violento, capaz de gerar a força integradora e vinculante de sua militância, que nos permite afirmar a certeza de bem governar, nos próximos quatro anos, sem desafiar o Estado Democrático de Direito, sem desafiar nossos sonhos, e, o mais importante, sem frustrar a esperança que a maioria do povo depositou na maior liderança da America Latina, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.